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| Foto: Arnaldo Alves/AEN

Uma das promessas da campanha de 2010 do governador Beto Richa (PSDB), a primeira Delegacia Cidadã do Paraná – localizada em Matinhos, no Litoral do estado – só foi inaugurada no fim de abril. Em menos de um mês, a unidade passou a ser motivo de receio para moradores da cidade. O departamento criado para oferecer atendimento “mais humanizado” já abrigava presos, operando no limite de sua capacidade carcerária e registrou sua primeira fuga. O cenário preocupou o Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) do município, que acionou o Ministério Público do Paraná (MP-PR), pedindo que se proíba a manutenção de presos no local e que os detidos sejam transferidos.

O presidente do Conseg, Edmílson Ribas, disse que acompanhou todo o processo de implantação da Delegacia Cidadã e que o projeto inicial não previa as quatro celas de que a unidade dispõe. “Era para ter só uma sala para [lavrar] flagrantes e já encaminhar os presos [para presídios ou cadeias]”, disse. Ribas acrescentou que toda a comunidade viu com apreensão a fuga registrada no último sábado (20) e que o temor é que o espaço acabe se tornando um “cadeião”. Dos 14 presos, quatro escaparam por uma janela.

Quatro presos escaparam por uma janela da delegacia em Matinhos.

“A nossa preocupação é que, como falta uma unidade prisional [no Litoral], o problema de falta de vagas no sistema [prisional] vai fazer com que essa delegacia vire um cadeião ou um minipresídio. É um risco iminente”, apontou o presidente do Conseg.

O prédio – que tem 2,2 mil metros quadrados e que custou R$ 4,5 milhões – fica em uma área central. Apesar de moderna e com estrutura adequada para atendimento personalizado, a delegacia tem a janela de suas celas voltadas a um corredor externo. Apenas um muro de menos de dois metros de altura cerca a delegacia - por cima do qual se poderia repassar objetos aos presos. Em uma vistoria à unidade, a Associação dos Delegados do Paraná (Adepol) condenou a fragilidade das instalações e a manutenção de presos no local.

“Trata-se de uma carceragem improvisada e inadequada, extremamente frágil e próxima do acesso à rua. Imagine o risco à população. Um fugitivo pode, por exemplo, fazer um cidadão refém”, disse o presidente da Adepol, João Ricardo Képes Noronha.

Fugitivos

Por meio de nota, a Polícia Civil disse que abriu inquérito para investigar a fuga. A corporação disse que os quatro fugitivos eram detentos provisórios que aguardavam audiência de custódia. Documentos obtidos pela Gazeta do Povo, no entanto, apontam que dois dos presos já eram condenados e que dois estavam com prisão preventiva em aberto – todos deveriam, portanto, terem sido encaminhados a um presídio, como prevê a Lei de Execuções Penais (LEP). As informações sobre os foragidos foi confirmada pelo Conseg, pela Adepol e por policiais da própria Delegacia Cidadã.

“O governo, mais uma vez, peca em manter presos perigosos cumprindo pena em delegacias e colocando a população em risco”, disse Noronha.

Um dos fugitivos estava detido na carceragem da Delegacia Cidadã desde o dia 27 de abril – data de inauguração da unidade. Outro dos presos era evadido da Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP), onde cumpria pena de 23 anos de prisão.

Fragilidade: muro de menos de dois metros cerca o prédio.

“Um prédião moderno, com estrutura de delegaciazinha de interior”

Dois servidores da Delegacia Cidadã elogiaram a modernidade da estrutura física da unidade – que dispõe, por exemplo, de salas para atendimento individualizado e plenas condições de acessibilidade. Por outro lado, os policiais disseram que o efetivo reduzido e a manutenção de presos praticamente inviabiliza o “atendimento mais humanizado”, apregoado pelo governo do estado.

A equipe da Delegacia Cidadã é composta por um delegado, dois escrivães e seis investigadores. Como a equipe é dividida em escalas, ficam praticamente dois investigadores dando expediente por turno. Durante a noite e nos plantões, apenas um policial fica na unidade, para cuidar dos presos. Nesta semana, a Gazeta do Povo já havia abordado a defasagem do número delegados e de policiais civis no Paraná.

“A situação é muito parecida com a que eu vi no interior. Lá a equipe era enxuta assim, mas os presos ficavam na Comarca ao lado. Aqui, é um prédião moderno, com estrutura de delegaciazinha de interior”, disse o policial. “Viramos propaganda eleitoral, mas aqui a situação de trabalho é horrível. Complicada mesmo”, destacou outro servidor.

O presidente do Conseg, Edmílson Ribas, disse que quando a Delegacia Cidadã foi inaugurada, o único delegado da repartição chegou a dormir no local por uma semana, por causa dos detidos. “Imagine... o próprio delegado cuidando de preso”, apontou.

Delegacia Cidadã era promessa da primeira campanha de Richa

A instalação das Delegacias Cidadãs constava do plano de governo registrado em cartório pelo governador Beto Richa (PSDB), nas eleições de 2010. Como finalizou seu primeiro mandato sem cumprir a promessa, o tucano voltou a incluí-las no plano apresentado nas eleições de 2014. A intenção do governador era implantar 12 Delegacias Cidadãs em todo o estado.

Durante a inauguração da unidade de Matinhos, Richa assinou a liberação da licitação para a construção da segunda Delegacia Cidadã do estado, a ser instalada em Paranaguá. A obra deve custar R$ 6 milhões, segundo o governo. Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) disse que estão em andamento obras para a construção das Delegacias Cidadãs de Pinhais, Fazenda Rio Grande e Guaratuba. Todas com previsão de término ainda em 2017. O governo ainda planeja implantar outras 14 unidades.

Sem resposta

A Gazeta do Povo encaminhou à Sesp uma série de perguntas sobre o tema. A Secretaria só respondeu às questões referentes ao cronograma de implantação das novas unidades. Ficaram sem resposta as seguintes perguntas:

- A fuga registrada e a quantidade de presos mantida na Delegacia Cidadã de Matinhos pode colocar em risco a ideia inicial da unidade, que seria de prestar um atendimento “mais humanizado” ao cidadão?

- Qual a avaliação sobre a Delegacia Cidadã até agora (apesar do pouco tempo desta em atividade)?

- Será tomada alguma providência após a fuga [registrada na Delegacia Cidadã de Matinhos]?

Veja, na íntegra, o que dizem a Sesp e a Polícia Civil:

Sesp

“Estão em andamento obras para as Delegacias Cidadãs de Pinhais, Fazenda Rio Grande e Guaratuba. Todas com previsão de término ainda em 2017. Neste primeiro momento, ainda está prevista a implantação de mais 14 Delegacias Cidadãs: Almirante Tamandaré, Ivaiporã, Curitiba (três unidades), Colombo, Araucária, Paranaguá, Laranjeiras do Sul, Guaíra, Francisco Beltrão, São José dos Pinhais, Cianorte e Toledo.”

Polícia Civil

“A Polícia Civil do Paraná abriu um inquérito policial para investigar a causa da fuga de quatro presos na delegacia de Matinhos. Os foragidos eram detentos provisórios que aguardavam a audiência de custódia. No momento da fuga haviam 14 presos no espaço com capacidade para 16. A Polícia Civil juntos com outros órgãos de segurança trabalham agora para recapturar os fugitivos.”

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