Luciano Ducci (à esq.) e Gustavo Fruet: ambos ex-prefeitos de Curitiba.| Foto: Montagem - Marcelo Andrade e Luis Henrique Sciamanna/Gazeta do Povo

Em 2017 os políticos Luciano Ducci (PSB) e Gustavo Fruet (PDT) ganharam outra coisa em comum além de terem sido prefeitos de Curitiba. Ambos respondem à denúncia de não terem deixado dinheiro, no fim da gestão, para pagar dívidas contraídas enquanto mandavam na cidade. É isso que quer dizer o jargão “gastos sem empenho”, procedimento proibido por lei, que o Ministério Público do Paraná (MP-PR) foi incumbido de investigar se constituíram crime de improbidade administrativa. Outra coincidência é que o MP-PR, com dificuldade para acessar documentos e processar os dados financeiros, decidiu “terceirizar” a análise dos números para o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR).

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A questão é que o crime de improbidade administrativa prescreve em cinco anos. O prazo que “salva” os políticos de enfrentar ações legais seria suspenso se o MP-PR ingressasse na Justiça contra os ex-prefeitos, mas, com a fundamentação dessas medidas judiciais atrelada às decisões do TCE, o ritmo próprio da corte de contas influencia a apuração. A promotora Luciane Freitas, encarregada do caso mais recente, envolvendo o ex-prefeito Gustavo Fruet, nega que a investigação esteja parada. “Outras diligências estão sendo encetadas visando à elucidação dos fatos”, diz. Mas ressalva que falta estrutura ao órgão e que também lida com outros 128 inquéritos civis e policiais.

OUTRO LADO:MP envia nota de esclarecimento à Gazeta do Povo

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No dia 30 de janeiro, Rafael Greca (PMN), atual prefeito de Curitiba, foi a público dizer que Fruet, seu antecessor, deixou R$ 614 milhões de “gastos sem empenho”. Essa notícia, publicada pela Gazeta do Povo, e outra, de dois dias depois, baseada em documento obtido nos Diários Oficiais, em que o suposto rombo aparecia no Relatório de Gestão Fiscal, motivaram a abertura da investigação do Ministério Público. Às reportagens foi anexada queixa protocolada pelo próprio Greca no MP-PR.

Promotora nega “terceirização” da investigação

Só que para o MP-PR o relatório fiscal não basta para configurar crime de improbidade. “[Ele] não é documento suficiente para avaliar a questão posta, cabendo ao Tribunal de Contas do Estado fazer levantamentos das despesas sem empenho e inclusive não pagas, bem como analisar se havia disponibilidade de dinheiro em caixa no final da gestão anterior”, disse a responsável pela 1.ª Promotoria de Patrimônio Público de Curitiba. “Para que haja instauração de ação civil por improbidade, nos moldes da lei 8.429/1992, necessário se faz sejam colhidos documentos contundentes, que comprovem as alegações de modo suficiente perante o Judiciário”, alega.

Perguntada se o Ministério Público não poderia apurar sozinho se Fruet deixou, ou não, um rombo no orçamento, Freitas ressalvou que o MP-PR tem “orçamento menor em relação aos poderes do Estado”. “O Caex, parte técnica do MP-PR para a análise de dados orçamentário-financeiros, é composto por número menor de servidores que o TCE”, justificou. “As provas produzidas pelo TCE são absolutamente necessárias ao enfrentamento da questão posta em mesa”, insistiu a promotora. Ela respondeu às perguntas da reportagem em duas trocas de e-mail, num intervalo de três semanas.

Questionada se isso não caracterizaria uma “terceirização” das investigações, a promotora negou. “Não há que se falar em ‘terceirização’ de parte da investigação, porquanto se trata de atribuições de órgãos na forma da lei. Cabe ao MP-PR a investigação da lesão ao patrimônio público e cabe ao TCE o controle externo das contas do município”, insistiu. Ela entende que, sem provas, “haveria interposição de causa temerária” e que o ex-prefeito, hipoteticamente, poderia no futuro até “se valer de ação de indenização por danos morais contra o Estado”.

Ritmo do TCE

“A competência [sobre os gastos] não é exclusiva do TCE”, rebateu a corte de contas, “mas compete sim ao TCE realizar tal análise”. “Todavia, a questão [atribuída à gestão Fruet] vai um pouco além da mera ‘disponibilidade de dinheiro em caixa’”, complementou a assessoria do órgão. O tribunal explica que não é só questão de se sobrou ou faltou dinheiro, mas se recursos “carimbados” para a Educação ou para a Saúde, por exemplo, foram de fato gastos nessas rubricas. Nada da prestação de contas de 2016, contudo, virá à tona antes de novembro. É que o “sistema analisador” em uso pelo TCE está em fase de “parametrização”.

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Pelo visto o caso de Fruet, dentro do Tribunal de Contas, vai tramitar igual ao do antecessor do pedetista na prefeitura. Ducci dirigia a prefeitura até o final de 2012, assumida após Beto Richa (PSDB) vencer as eleições estaduais e se mudar para o Palácio Iguaçu. Em fevereiro deste ano, a Gazeta do Povo obteve, com exclusividade, documentos do TCE que apontam preliminarmente rombo de R$ 364 milhões no orçamento daquele ano. Provocado pela gestão Fruet, nos moldes que Greca repetiu agora, o MP-PR abriu uma investigação em 2013 sobre o caso. Ela ainda não foi finalizada e, desde então, Ministério Público e TCE trocam documentos.

Outras duas coincidências aproximam os casos. Uma é que em ambas as situações o TCE começou abrindo processos independentes para apurar as irregularidades, mas que acabaram anexados às prestações de contas municipais. No caso de Fruet, isso foi decidido na semana passada. A outra é que Ducci e Fruet, pelo que informa o Portal de Transparência, estão sob os cuidados do conselheiro Ivan Bonilha. É ele, informou o TCE, que dita o andamento da cooperação com o Ministério Público.

Ainda que o MP-PR não se queixe do ritmo do TCE, a reportagem perguntou à Promotoria de Patrimônio Público se o andamento da corte de contas na análise das finanças municipais não punha em risco uma hipotética punição aos gestores públicos. Até porque seguem em análise, no TCE, as contas de 2009 da prefeitura de Curitiba. De 2010 e 2011 já há acórdão prévio, mas de 2012 a 2015 o órgão ainda colhe o contraditório dos gestores públicos. As contas de Ducci estão nesse último pacote.

“Sempre há risco de prescrição dos atos de improbidade administrativa, uma vez que a lei prevê o prazo de cinco anos, a contar da data em que o agente público deixou a administração, para sua punição”, admite a promotora Luciane Freitas. “Também há todo o arcabouço jurídico destinado a proteger o requerido, no sentido de aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa, que em síntese, permitem aos investigados recursos diversos que impedem a adequada resposta legal ao ímprobo”, diz ela.

MP envia nota de esclarecimento à Gazeta do Povo

O Ministério Público do Paraná, por meio da Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba, presta esclarecimentos quanto à matéria “MP ‘terceiriza’ ao TCE investigações sobre orçamento de Curitiba”, publicada em 16 de agosto de 2017, porquanto equivocada manchete não retrata a realidade fática, e sendo assim desinforma os cidadãos.

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Conforme Constituição Estadual do Paraná, o controle externo das contas do Município de Curitiba é atribuição do Tribunal de Contas do Estado. O Ministério Público, diante de suas atribuições constitucionalmente previstas, atua na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos e interesses difusos e coletivos, entre eles a proteção ao patrimônio público e a garantia do respeito aos princípios e às regras que regem a administração pública.

Desta forma, não há que se falar em “terceirização” de parte da investigação, uma vez que se trata de atribuições de órgãos na forma da lei. Cabe ao Ministério Público a investigação da lesão ao patrimônio público e ao Tribunal de Contas do Estado o controle externo das contas do Município. Este controle externo é feito de maneira técnica e consubstanciada em documentos suficientes que eventualmente podem complementar as investigações ministeriais.

Portanto, as provas técnicas produzidas pelo Tribunal de Contas do Estado podem ser necessárias ao enfrentamento judicial dos casos de denúncias de má gestão do dinheiro público, razão pela qual o Ministério Público, a critério do Promotor de Justiça pode utilizá-las, fato que em hipótese alguma importa em delegar o múnus público de investigação ministerial.

Luciane Evelyn Cleto Melluso T.Freitas

Promotora de Justiça da 1ª Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público

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