Quando se fala sobre os fatores que prejudicam o desenvolvimento econômico de um país logo vêm à mente problemas de infraestrutura ou casos de corrupção. O caminho, no entanto, também passa por outros dois aspectos interligados que, por vezes, passam despercebidos: a desburocratização e, por meio dela, a inovação.
Dois casos internacionais podem ser inspiração para que o Brasil, e especialmente o Paraná, encontrem mais rapidamente alternativas inovadoras – e ambos envolvem a ação integrada entre o poder público e a iniciativa privada.
O primeiro deles vem da Europa: os alemães, conhecidos por seu desenvolvimento tecnológico, têm um modelo de incentivo à inovação que barateia as pesquisas, promovendo a competitividade da indústria local.
Filipe Cassapo, gerente de inovação da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), aponta que o coração do sistema de inovação alemão está na associação Fraunhofer, uma rede de institutos que faz a ponte entre as empresas e as universidades. Assim, os achados científicos desenvolvidos nas instituições de ensino chegam à indústria, se transformando em pesquisa aplicada de forma ágil.
“Os recursos que sustentam as pesquisas são provenientes de três fontes: subsídios governamentais, apoios da União Europeia e investimentos das próprias empresas interessadas”, explica Cassapo.
Com isso, a iniciativa privada arca com apenas 1/3 do custo das pesquisas – o que permite, por exemplo, que pequenas companhias também participem de processos de inovação. Modelo semelhante de financiamento já é aplicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embapii), mas o volume de projetos apoiados ainda precisa ser ampliado. De 2013 até janeiro de 2019, foram 664 projetos contemplados pela Embapii em todo o país, provenientes de 479 empresas. O total de investimentos foi de R$ 1,1 bilhão.
Os números da associação alemã evidenciam o contraste: segundo o último relatório anual da Fraunhofer, de 2017, o orçamento para pesquisa em suas 72 unidades era de € 2,3 bilhões.
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Sem medo de errar
Em Israel, outro modelo de fomento à inovação que vem sendo desenvolvido pode apontar caminhos para o cenário brasileiro. Trata-se do investimento em alta tecnologia por meio das chamadas startups, consideradas incubadoras de novas ideias e processos. O programa de apoio, chamado Matimop, está inserido no braço de inovação do governo israelense e conta com recursos públicos destinados, anualmente, a projetos selecionados.
O curioso é que entre as metas do programa está obter 50% de fracasso nas iniciativas financiadas. “É estranho falar assim, mas a lógica é que Israel quer arriscar e investir em projetos que possam realmente ser disruptivos. Se o governo obriga que os projetos sejam bem sucedidos, necessariamente haverá medo de errar – o que não é compatível com a lógica da inovação”, diz o gerente da Fiep.
Por isso, no projeto israelense, os recursos só são devolvidos para o governo se a startup der certo. Assim, a prioridade é dar oportunidade para que novos projetos e ideias sejam criados, e não necessariamente ter sucesso na primeira tentativa.
“Desenvolver tecnologia é trabalhar com um patrimônio intelectual que poderá ser reciclado depois. Inovar é lidar com riscos e não desistir logo de cara”, defende Cassapo.
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Mudança cultural é necessária
Isso implica, porém, em uma cultura de incentivo à inovação que não entenda a destinação de recursos para pesquisa como desperdício quando os resultados não vêm como o esperado. “É fundamental que, junto à sociedade, exista uma cultura de empreendedorismo. Só assim poderemos criar independência tecnológica e capacidade de inovar”, opina o gerente da Fiep.
E talvez justamente o impulso cultural possa ser o motor do desenvolvimento da inovação no Brasil – estancando a diminuição dos recursos aplicados na área e tornando o setor, de fato, uma prioridade nas políticas públicas governamentais.
No cenário atual, porém, a situação é bem diferente da ideal, já que a maior parte dos recursos que financiam a ciência brasileira vem do governo federal. Conforme dados do Portal da Transparência, ano após ano o orçamento do setor vem diminuindo. De 2017 para 2019, a previsão orçamentária para a área de Ciência e Tecnologia caiu em R$ 920 milhões: de R$ 8,05 bilhões para R$ 7,13 bilhões. O valor é bem diferente do que foi previsto para 2015, por exemplo, em que o orçamento da União apontava investimentos de R$ 10,6 bilhões na área.
No Paraná, a Fundação Araucária atua junto às instituições federais no suporte à pesquisa científica. Pela lei estadual, entretanto, os recursos destinados a toda a área representam apenas 2% do orçamento. Desse montante, 0,2% da receita tributária paranaense chega de fato à fundação para o financiamento de projetos.
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O que já está sendo feito
Com a escassez de recursos e a abundância de projetos, a solução já encontrada pela fundação é a parceria com empresas da iniciativa privada, vencendo a resistência dos acadêmicos e dos próprios empresários. A ideia, com isso, é fazer com que as pesquisas desenvolvidas nas universidades não terminem na publicação de artigos em periódicos científicos – mas sim se concretizem em inovações na indústria que levem à geração de renda, desenvolvimento e, consequentemente, melhorias na qualidade de vida da população.
Nesse caminho, a nova lei de inovação brasileira, que entrou em vigor em fevereiro do ano passado, deixou caminhos mais abertos para parcerias que envolvem universidades, empresas e agências de fomento como a própria Fundação Araucária. Um dos avanços foi a desburocratização dos processos para aquisição de equipamentos e insumos para pesquisa aplicada.
Se o governo obriga que os projetos sejam bem sucedidos, necessariamente haverá medo de errar – o que não é compatível com a lógica da inovação
Revisões na lei paranaense
Outros marcos legais para fomentar a inovação vêm tomando forma em âmbito estadual e municipal. O Paraná já conta com uma legislação específica para o tema desde 2012. No final de sua gestão, a governadora Cida Borghetti (PP) iniciou um processo de modernização da norma. À época, o então secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Décio Sperandio, afirmou que algumas partes da legislação ficaram obsoletas e que, por isso, era necessário realizar revisões.
As parcerias com a iniciativa privada estavam no radar, de acordo com Sperandio. “Queremos criar ambientes promotores de inovação, melhorando as normas principalmente no aspecto da segurança jurídica”, disse o então secretário.
Consultada sobre a proposta, ainda em dezembro, a equipe do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) afirmou que ainda estava tomando conhecimento da situação por conta do período de transição.
Na semana passada, a reportagem entrou em contato com o líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná, Hussein Bakri (PSD), questionando se já havia alguma movimentação do governo para enviar a modernização da lei de inovação para apreciação dos deputados. Segundo o parlamentar, porém, ainda não houve sinalização da Casa Civil nesse sentido porque, nesse início de gestão, a prioridade do governo é realizar a reforma administrativa.
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Preocupação também é municipal
Em Curitiba, uma lei a respeito do tema foi aprovada pela Câmara de Vereadores no final do ano passado. O marco legal da capital apresenta 12 tipos de estímulo ao desenvolvimento tecnológico – prevendo, por exemplo, que o Executivo municipal seja sócio minoritário no capital de empresas que desenvolvam produtos ou processos considerados inovadores. Bolsas, incentivos fiscais e a cessão de imóveis para a instalação de ambientes promotores de inovação também estão previstos na lei.
Outro incentivo para a inovação na capital está na proposta de revisão da Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo, em discussão na Câmara de Curitiba. A proposta prevê que o empreendedorismo seja estimulado no chamado Vale do Pinhão , no Rebouças, em que o uso misto das edificações seria permitido. O projeto ainda precisa passar pelas comissões do Legislativo e pela apreciação em plenário.
De acordo com Cassapo, o avanço no setor beneficiará não somente as indústrias e os próprios pesquisadores, mas também a sociedade de modo geral. “Um ambiente inovador gera mais empregos e renda com valor agregado, de modo que mais pessoas possam se beneficiar dos estudos feitos na academia”, conclui.
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