A Operação Container, deflagrada na última terça-feira (24), apura fraudes a licitações de coleta e transporte de resíduos sólidos em pelo menos 30 municípios do Paraná, segundo os promotores dos grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e Especial de Proteção ao Patrimônio Público (Gepatria). A Gazeta do Povo teve acesso à investigação, que descreve crimes ambientais, corrupção, formação de cartel e falsidade ideológica. Ao menos doze pessoas são investigadas.
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) centra a Container em torno da atuação de dois grupos empresariais com sedes no Sudoeste. Eles controlam pelo menos sete empresas. Clique aqui e veja o que pesa contra cada um dos núcleos da investigação.
Os mandados de prisão cumpridos na terça (24) foram decretados pelo juiz Alberto Moreira Cortes Neto, titular da Vara Criminal de Laranjeiras do Sul, onde a investigação começou. Os seis detidos preventivamente estão à disposição da Justiça na delegacia da cidade e dois presos provisórios ligados ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) respondem ao processo em Guarapuava e Francisco Beltrão. O magistrado aceitou a renovação do pedido e eles vão ficar detidos pelo menos mais cinco dias.
OUTRO LADO: investigados refutam as acusações
Neto ainda negou quatro habeas corpus impetrados pelas defesas dos empresários presos em Laranjeiras do Sul e o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) barrou a revogação de uma prisão temporária.
Quatro pessoas já foram soltas para responder em liberdade: Adriana Balmann, Ricardo Stang e Rodimar Matos foram liberados na sexta-feira (27) a pedido do próprio Ministério Público e Andressa Balmann deixou a prisão na última quarta-feira. Ela está grávida de sete meses.
Modo de operação
A investigação do MP-PR durou cerca de quatro anos e desmantelou uma suposta organização criminosa que detinha exclusividade nos orçamentos das licitações do lixo, com objetivo de frustrar a competitividade de empresas. As operações contavam com participação de servidores públicos municipais. “O crime de fraude abriu caminho para que o mercado de resíduos sólidos da região Sudoeste do Paraná fosse dominado pela organização criminosa, com preços definidos conforme sua vontade e imune à concorrência”, afirma a investigação.
A denúncia apresentada à Justiça afirma que a organização se dividia em dois grupos e uma rede de empresas que pertenciam a duas famílias: Spielmann/Perin e Stang. O núcleo Stang comandava as empresas Sabiá Ecológico, Quality Bio, Golfinho e Ecorotas através de uma rede familiar em Nova Esperança do Sudoeste. Já o núcleo Spielmann/Perin comandava a empresa Limpeza e Conservação Pema, com sede em Dois Vizinhos.
“Os representantes das empresas do grupo Stang em conluio com o representante da empresa Limpeza e Conservação Pema frustraram a competitividade de diversos contratos fornecendo orçamentos para sua fase interna com valores previamente acordados, o que faziam a fim de direcionar a licitação para alguma das empresas pertencentes ao grupo Stang ou para a própria Pema”, diz a investigação.
De 110 licitações analisadas no portal do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), os promotores verificaram que em 104 delas participaram apenas uma das empresas dos dois grupos, sem nenhum concorrente. Os promotores esmiuçaram as atuações nas licitações em três modalidades: em 29 compareceram apenas o grupo Pema ou a Sabiá Ecológico; em 28 procedimentos houve combinações nas fases interna e externa, quando apenas uma delas se apresentava ao contrato final; e em 32 houve participação dos núcleos e outras empresas que não atuam no setor de resíduos sólidos.
Os promotores também apuraram que o “êxito da organização criminosa dependia da participação de agentes do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), os quais cooperaram mediante a expedição de informações de conteúdo duvidoso, liberação de licenças ambientais e omissão na fiscalização da atividade de transporte e destinação dos resíduos sólidos”.
O que pesa contra os investigados
Os principais alvos dos mandados de prisão preventiva e busca e apreensão do núcleo Stang foram Augustinho Stang, Andrei Stang e Ana Paula Bonin. Todos continuam presos. Os primeiros (pai e filho, respectivamente) seriam os cérebros da organização e Ana Paula, secretária de uma das empresas, peça fundamental da engrenagem. As investigações recaem sobre as empresas Sabiá Ecológico, Quality Bio, Golfinho e Ecorotas.
A Sabiá Ecológico Transportes de Lixo detém cerca de 190 contratos administrativos no Sudoeste do Paraná. Augustinho e Andrei Stang eram sócios da companhia até 2014, “ano em que a organização criminosa enraizou a prática de cartel no mercado de resíduos sólidos”, segundo os promotores. Mas a composição societária mudou nos últimos anos com o ingresso de Thamara Stang e Adriana Balmann, filha e esposa de Augustinho, respectivamente. De acordo com a denúncia, as sucessivas alterações empresariais “podem ser indícios de crimes de falsidade e lavagem de dinheiro”.
A Quality Bio, outra empresa do núcleo, foi adquirida por Augustinho do filho de um servidor do IAP em 2012. Em 2015, ele transferiu sua cota para a esposa e a cunhada, Andressa Balmann, mas em 2017 Adriana Balmann saiu da sociedade. Na organização, segundo os promotores, a função da Quality Bio era “fornecer orçamentos de fachada para os certames licitatórios, dando cobertura para a Sabiá Ecológico”. O mesmo telhado de vidro foi identificado nas empresas Ecorotas e Golfinho, que não possuem registros de atuação no mercado, especialmente no setor público. A Ecorotas já pertenceu a um primo de Augustinho e a Golfinho é de propriedade do irmão e da cunhada dele.
Andrei Stang foi sócio da Sabiá Ecológico e da Quality Bio. Segundo o Ministério Público, cabia a ele o acompanhamento das licitações e dos contratos com os municípios. Os promotores indicam “supostas combinações entre Andrei e agentes públicos para obterem fraudulentamente contratos administrativos com sobrepreço em detrimento do patrimônio público municipal, em evidente desvio de verbas públicas”. Ele também seria o elo entre o núcleo Stang e Gilmar Perin, responsável pelo outro grupo empresarial, para acertar os valores dos orçamentos que seriam utilizados para fixar artificialmente os preços das licitações e cooptar servidores públicos.
Alvos de prisão temporária, Andressa Balmann e Adriana Balmann já figuraram como sócias de todas as empresas do grupo. Para os promotores, elas “cooperaram para a ocultação da identidade do verdadeiro dono das empresas, Augustinho Stang”. “Há indícios de que Adriana trabalha na administração do grupo Stang e por ser sócia de algumas das empresas possui poder de ingerência direto em ações que podem caracterizar ocultação de bens e capitais”, afirma a denúncia. De acordo com o texto, elas nasceram no Paraguai e foram presas por conta do risco de fuga.
Ricardo Stang, alvo de mandado de prisão temporária, é sobrinho de Augustinho e filho dos apontados como reais proprietários da Golfinho. De acordo com a investigação, ele era um dos responsáveis pela parte financeira do grupo.
Apesar da rede familiar, a apuração indica que a “engrenagem [do núcleo Stang] somente funciona em razão da existência de dois subnúcleos, os quais podem ser classificados como operacional e ambiental”. O núcleo operacional contava com três funcionários da Sabiá Ecológico: Ana Paula Bonin, Ricardo Furlan e Rodimar Matos. O setor ambiental era de responsabilidade de Fábio Gambin.
Ana Paula Bonin era secretária da Sabiá Ecológico. “Ela pode ser considerada peça essencial da organização criminosa, sendo pessoa de extrema confiança dos representados Andrei e Augustinho. A ela incumbe o controle dos contratos mantidos com os municípios, a entrada e saída de caminhões do aterro em Nova Esperança do Sudoeste, a folha de pagamento dos funcionários, entre outras atividades”, afirma a denúncia. “Ana Paula Bonin também foi por vezes incumbida pelos investigados Andrei e Augustinho de promover a entrega de vantagens indevidas a agentes públicos, o que ficou bem configurado pelos indícios de pagamento de propina ao servidor público lotado no Departamento de Tributação do município de Pranchita (cidade do sudoeste do Paraná)”. Esse servidor não foi alvo de mandado de prisão.
A investigação contém diálogos que indicam que a secretária determinou a uma funcionária subalterna que escondesse documentos durante uma fiscalização na Sabiá Ecológico. “Ana Paula Bonin tem lugar definido e de destaque na organização criminosa, podendo-se afirmar que por meio do cargo de secretária do grupo operacionaliza o esquema criminoso”, informa o MP.
Ricardo Furlan, também alvo de mandado de prisão preventiva, era o representante da Sabiá Ecológico nas licitações. “Surgiram indícios que relacionam o funcionário ao centro da arquitetura criminosa criada pelos investigados Andrei e Augustinho, qual seja, o de manter contato com agentes públicos municipais a fim de obter fraudulentamente os contratos administrativos”, aponta a apuração. Ele auxiliaria diretamente Andrei Stang nas licitações e também no pagamento de propina para servidores públicos municipais. “Os diálogos de WhatsApp travados entre Ricardo Furlan e Augustinho Stang, bem como os e-mails da empresa Sabiá Ecológico, demonstram que Ricardo Furlan não só conhece como também opera de forma determinante para o esquema criminoso, focando seus esforços nas licitações públicas municipais”, diz o Ministério Público.
Rodimar Matos, alvo de prisão temporária, era representante comercial da Sabiá Ecológico e foi apontado como um dos responsáveis por selecionar as licitações. Segundo o MP, ele tinha como função acompanhar a abertura de editais e concorrência no mercado de resíduos sólidos.
Já o núcleo ambiental seria de responsabilidade do engenheiro químico Fábio Gambin, alvo de prisão preventiva. Segundo os promotores, ele “exerce seu ofício de modo antiético, imoral e ilícito, fabricando documento que encobre crimes ambientais praticados no aterro sanitário da empresa (Sabiá Ecológico) e induz a erro servidores públicos”.
Fábio seria o intermediador junto ao baixo escalão do IAP, que contava com José Carlos Bieger e Glaucos de Oliveira. “Os indícios amealhados indicam que Fábio Gambin faz contatos dentro do IAP a fim de impulsionar, de forma lícita e ilícita, o andamento das licenças ambientais das empresas do núcleo Stang. Já Bieger garante o funcionamento do aterro sanitário da Sabiá Ecológico a despeito de suas irregularidades e ainda confere suporte para questões ambientais mediante a emissão de informações técnicas feitas a pedido da empresa”, afirma a investigação.
Os promotores ainda identificaram contatos via e-mail entre o engenheiro químico e Glaucos de Oliveira, que era estagiário do órgão ambiental em Curitiba. “Ficou evidenciado que possivelmente os pagamentos que deveriam ser realizados para Glaucos tinham como objetivo a facilitação na aprovação dos projetos de interesse do grupo empresarial”. A apuração narra uma troca de mensagens para um encontro entre os dois em um shopping de Curitiba, para tratar do processo de liberação da empresa Golfinho.
Augustinho Stang, Andrei Stang, Ana Paula Bonin, Fábio Gambin e Ricardo Furlan continuam presos. A defesa dos acusados refuta todas as alegações do Ministério Público.
Gilmar Perin era o representante do grupo Spielmann/Perin. Ele foi o único atingido por mandado de prisão nesse núcleo e continua preso. Segundo a denúncia, ele viabilizaria a consumação dos crimes de cartel e fraude à licitação com o grupo Stang.
A empresa Limpeza e Conservação Pema “mantinha um acordo velado de não concorrência com o grupo Stang, peça fundamental para a consumação do crime de cartel”, segundo os promotores. “Sua conduta dentro da organização criminosa é essencial, pois viabiliza todo o esquema criminoso que se desdobra em crimes de fraude à licitação e corrupção ativa”.
O Ministério Público indica duas empresas embaixo do seu guarda-chuva, a Eficiência Ambiental e a Atitude Ambiental, mas os indícios sobre as duas ainda são muito preliminares. “Como a investigação iniciou com foco na empresa Sabiá Ecológico, do grupo Stang, há menos detalhes operacionais sobre as empresas do núcleo Spielmann/Perin quando comparados ao primeiro, restando incontroverso, porém, que o contato com o núcleo Stang é realizado por Gilmar Perin da empresa Pema”, afirmam os promotores.
Pelo menos duas pessoas ligadas ao IAP foram detidas na terça-feira (24). José Carlos Bieger era funcionário do órgão em Francisco Beltrão e Glaucos de Oliveira foi estagiário entre 2012 e 2014 em Curitiba. Os dois estavam ligados ao núcleo Stang.
Os promotores afirmam que Bieger fazia vistas grossas para o aterro sanitário da Sabiá Ecológico em Nova Esperança do Sudoeste. Segundo os promotores, o vínculo do fiscal do IAP com a Sabiá não foi apenas objeto de denúncias, mas testemunhado pelos técnicos do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça do Meio Ambiente. “Este fato, aliado à expedição e à renovação constante das licenças ambientais expedidas em favor da empresa, contrastam, sobremaneira, com as irregularidades do aterro sanitário descritas por denunciantes e técnicos, constituindo-se em verdadeiro indício da existência de uma relação promíscua e ilícita entre o representante público e a empresa privada”, afirma a denúncia.
Glaucos de Oliveira, também alvo de prisão temporária, foi estagiário na área de licenciamento ambiental. Os promotores identificaram diversas mensagens entre Glaucos e Fábio Gambin que “mostram que eles combinaram o encontro na praça de alimentação do Shopping Pátio Batel, em Curitiba, para tratarem assuntos relacionados ao processo de liberação da Golfinho”. Os promotores também identificaram suposta cobrança de depósito mensal que deveria ter sido realizado em sua conta conforme acordo feito em reunião com representantes do grupo Stang.
Glaucos foi transferido para Guarapuava nesta segunda-feira (30) e Bieger permanece detido em Francisco Beltrão.
Outro lado
A Gazeta do Povo entrou em contato com os grupos Stang e Pema, mas até o momento não obteve resposta do segundo.
A Sabiá Ecológico mandou uma nota refutando as acusações de irregularidades. “Os advogados que atuam na defesa dos colaboradores da empresa Sabiá Ecológico esclarecem que sempre estiveram à disposição das autoridades públicas para esclarecer toda e qualquer dúvida relativa a suas atividades empresariais. Apesar de oficialmente apresentados, jamais foram convidados a prestar qualquer esclarecimento, apresentação de documento ou depoimento junto ao Ministério Público Estadual. A Sabiá Ecológico é uma empresa reconhecida pela excelência de seus serviços prestados no ramo de resíduos sólidos, industrial e saúde há quase 15 anos”, diz a defesa da empresa.
O advogado Alexandre Salomão, que defende oito acusados (Augustinho Stang, Andrei Stang, Ricardo Stang, Ana Paula Bonin, Andressa Balmann, Adriana Balmann, Ricardo Furlan e Fábio Gambin), refutou todas as acusações. “A defesa dos imputados esclarece que não teve acesso integral ao conteúdo das investigações realizadas pelo Gaeco. Segundo disponibilizado até o momento, a investigação teria se iniciado há pouco menos do que cinco anos, sem, contudo, ter desaguado em uma única denúncia criminal ou pedido de suspensão de contrato em todos esses anos. Dos poucos trechos das peças a que teve acesso a defesa, até o presente momento, apenas verificam-se citações vagas e sem conteúdo probatório nenhum, sem aptidão para demonstrar a existência da prática de algum ilícito por parte dos imputados”, afirma, em nota.
“Ressalta ainda que no período compreendido na investigação, a empresa participou de mais de 300 licitações, tendo a lisura dos certames verificadas pelos Agentes Ministeriais e pelos Tribunais de Contas de 5 Estados da Federação. Até então não houve nenhuma espécie de questionamento administrativo ou judicial quanto a regularidade dos certames licitatórios ou ainda do funcionamento do aterro sanitário mantido pela empresa até a presente data. Apesar de estarem sofrendo severo constrangimento ilegal com base em especulações desprovidas de provas, os acusados confiam no Poder Judiciário e assim que tenham a oportunidade de defender-se, demonstrarão a falta de veracidade das imputações que lhe foram dirigidas”.
O IAP afirmou que foram apreendidos processos de licenciamento originários nos escritórios regionais de Umuarama, Francisco Beltrão e Curitiba. “O IAP reforça que está a disposição dos investigadores e colabora com todas as informações necessárias. O instituto abrirá processo administrativo para apurar qualquer desvio de conduta de seus servidores e tomar devidas providências cabíveis”, afirma o órgão.
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