Há um ano, a manhã começava de um jeito bem diferente na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O barulho das sirenes e o brilho do giroflex das viaturas da Polícia Federal rompiam a aparente tranquilidade. Era deflagrada a operação Research, revelando um esquema de desvio de dinheiro público destinado a pesquisas científicas.
Aproveitando-se de brechas no sistema interno da UFPR, servidores incluíram na lista de beneficiados de auxílio-pesquisa algumas pessoas que não tinham vínculo com a instituição e que não teriam prestado qualquer serviço. Dinheiro, imóveis e até joias foram bloqueados pela Justiça, mas em valores ainda bem inferiores aos R$ 7,3 milhões que foram usurpados dos cofres públicos.
A operação gerou uma ação judicial, com previsão de sentença para abril. Entretanto, o caso segue em investigação, na busca por rastrear onde o dinheiro foi parar e tentar identificar todos os beneficiários do esquema – para além das 32 pessoas que chegaram a ser presas.
Nesse desdobramento do inquérito há uma negociação em andamento para uma delação premiada. Conceição Abadia de Abreu Mendonça, funcionária encarregada de realizar o pagamento das bolsas de pesquisa, confessou participação nos crimes, mas quer dar mais informações sobre o envolvimento de outras pessoas, mediante a possibilidade de redução de pena. O acordo ainda não foi fechado.
Também segue em andamento a sindicância instaurada na UFPR para apurar a responsabilidade dos funcionários encarregados de zelar pela aplicação correta do dinheiro.
Entenda o caso
O desvio começou pequeno, com poucos envolvidos e pagamentos módicos, e cresceu de forma a chegar a 30 pessoas, incluindo moradores de outros estados, que constavam como beneficiários de bolsas. Os pagamentos suspeitos começaram em 2013 e se estenderam até 2016. Cabeleireira, artesã, motorista e vendedor estão entre as profissões dos supostos bolsistas.
Os valores desviados são significativos: os R$ 7,3 milhões representam 6% de tudo o que foi destinado para auxílio a estudantes e pesquisadores no período (R$ 122 milhões, em quatro anos). Os pagamentos escaparam a todas as formas de controle da UFPR.
Nove servidores da UFPR tiveram os bens bloqueados, na busca pelo ressarcimento dos valores desviados de pesquisas para pessoas que não tinham qualquer vínculo com a universidade. O reitor Ricardo Marcelo Fonseca afirmou, à época, que soube do desvio de recursos logo que assumiu a administração da UFPR, em janeiro, mas que a denúncia à Polícia Federal havia sido feita poucos dias antes de ele tomar posse, ainda na gestão do ex-reitor Zaki Akel. Ambos afirmam que tomaram providências assim que foram informados sobre condutas irregulares.
A Gazeta do Povo estava investigando o caso quando a operação foi deflagrada. A estudante Débora Sögur Hous procurou o jornal em janeiro de 2017 e contou que havia feito um rastreamento, por meio do Portal de Transparência do governo federal, nos pagamentos realizados e havia identificado situações suspeitas. A investigação jornalística estava em curso quando estourou a operação da PF, baseada em descobertas do Tribunal de Contas da União (TCU).
Sindicância na UFPR ainda não foi concluída
Em tese, a universidade tinha 120 dias – 60 dias, prorrogáveis por igual período – para concluir a sindicância instaurada para apurar a responsabilidade dos funcionários encarregados de zelar pela aplicação correta do dinheiro. Contudo, passados 365 dias, a investigação interna ainda não foi encerrada.
A assessoria de imprensa da UFPR informou que a comissão encarregada do Processo Administrativo Disciplinar já concluiu seu relatório. O documento, com 98 páginas, está em fase de revisão e será entregue ao reitor Ricardo Marcelo Fonseca nos próximos dias.
A comissão foi criada em 16 de dezembro de 2016, por portaria assinada pelo então reitor, Zaki Akel Sobrinho. É formada por dois professores e uma servidora técnico-administrativa. Por força de lei, o procedimento corre em sigilo.
O prazo da apuração foi estendido por conta da complexidade do trabalho. São 11 volumes de processos. Além de ouvir dezenas de pessoas (servidores acusados de envolvimento, testemunhas e outros), a comissão fez uma ampla verificação do fluxo de processos e informações e refez todos os cálculos relativos a pagamentos, segundo a UFPR. Além disso, informa, é preciso dar amplo direito de defesa aos acusados.
Como não houve qualquer medida punitiva até aqui, alguns servidores foram afastados das funções, mas seguem recebendo salário.
Universidade assegura que melhorou formas de controle
Além da criação do Comitê de Governança de Bolsas e Auxílios e do Plano de Transparência e Dados Abertos, anunciada logo após as denúncias, a UFPR informou, por meio da assessoria de imprensa, que aperfeiçoou seus sistemas internos para garantir mais transparência e rastreamento das informações.
Em novembro, foi lançada a nova versão do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica – o SIGA 3.0, que organiza as informações dos programas de pós-graduação, integrado com outras plataformas, como a do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e a da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O sistema permite traçar um histórico de cada personagem da instituição: pessoas, cursos, disciplinas, projetos, infraestrutura, produção intelectual e gestão, produzindo rastreáveis e auditáveis.