Agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ligado ao Ministério Público do Paraná (MP-PR), deflagraram na manhã desta segunda-feira (10) uma operação contra um suposto esquema de fraude ao Sistema Único de Saúde (SUS). A ação, batizada de Mustela, investiga agentes públicos e médicos em uma organização criminosa que cobrava indevidamente de pacientes para furar a fila do SUS. Saiba o que dizem as defesas dos envolvidos. A operação prendeu um ex-assessor de Ratinho Junior (PSD) e atinge uma empresa que teve como sócio o irmão do governador eleito.
Além de Lourival Pavão, que foi assessor do governador eleito, outras onze pessoas foram presas temporariamente. Entre eles estão dois médicos, outros assessores, secretárias e intermediadoras, além de um dos sócios do hospital São Lucas, em Campo Largo. Veja aqui a lista completa das prisões.
Também foram cumpridos 44 mandados de busca e apreensão em dez cidades do Paraná: Curitiba, Campo Largo, Marechal Cândido Rondon, Almirante Tamandaré, Campina Grande do Sul, Telêmaco Borba, Bandeirantes, Campo Magro, Colombo e Siqueira Campos.
Deputado envolvido
Um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido na Assembleia Legislativa do Paraná, por volta das 7h. No local, o gabinete do deputado Ademir Bier (PSD) foi alvo de ordem judicial. Três residências do parlamentar também tiveram buscas na manhã de hoje. Duas são em Marechal Cândido Rondon, na região Oeste – reduto eleitoral de Bier, onde ele foi prefeito nos anos 1990 – e uma em Curitiba.
De acordo com o Gaeco, Bier sabia da existência do esquema, mas não se beneficiava financeiramente. “O dinheiro era destinado aos médicos. Não há evidências de que políticos tenham recebido recursos dessa forma”, disse Hugo Urbano, promotor de Justiça em Campo Largo. O esquema, segundo as investigações, beneficiaria o deputado eleitoralmente, sendo uma forma do parlamentar obter votos junto à população. Bier não foi reeleito em 2018.
Em um dos diálogos gravados pelos investigadores, um dos assessores do deputado reclama do fato do parlamentar não ter sido reeleito, e afirma que o esquema era realizado há dez anos. “Eu mesmo atendi mais de quinze mil pessoas”, disse Paulo de Morais, que foi preso na manhã de hoje.
À reportagem, o deputado negou a participação em qualquer ilícito. Veja a nota completa abaixo.
Um assessor do deputado Luiz Cláudio Romanelli (PSB) também foi preso, mas o parlamentar não é investigado na operação.
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Outro alvo de buscas foi o diretório do partido PSC. Isso porque o ex-assessor de Ratinho, Lourival Pavão, teria utilizado os telefones do diretório para marcar atendimentos.
Assista a um resumo da operação:
Segundo o MP, as investigações foram iniciadas há cerca de 18 meses na Promotoria de Justiça de Campo Largo. Em declaração enviada por áudio, o coordenador do Gaeco, procurador Leonir Batisti, disse que o esquema foi orquestrado por uma quadrilha interessada em ter vantagens financeiras a partir da negociação para furar a fila do SUS. De acordo com ele, os pacientes eram instruídos a pagar uma consulta particular e depois disso conseguiam entrar na frente dos demais doentes.
Segundo as investigações, elementos colhidos durante a apuração (por meio de interceptação telefônica, quebra de dados e ações controladas) demonstram o aparente envolvimento sistemático e contumaz em crimes contra a administração pública envolvendo médicos, funcionários de hospitais e agentes públicos que se organizavam de modo estruturado para captar pacientes que necessitavam de procedimentos de saúde.
Conforme diálogos interceptados durante a operação, a empresa Solumedi realizava o agendamento de procedimentos ou consultas mediante pagamento feito pelo paciente. Entretanto, os profissionais faziam os procedimentos e internamentos por meio do SUS, ocultando o caráter privado da relação mantida com os pacientes. Assim, com o pagamento da propina, os médicos furavam a fila de atendimentos do Sistema Único do Saúde.
Relação com Ratinho
Um dos presos é Lourival Aparecido Pavão, que foi assessor do governador eleito Ratinho Junior (PSD) na Assembleia Legislativa. Interceptações telefônicas feitas pela investigação apontam que Pavão negociava pagamento de cirurgias.
Ele foi funcionário da Assembleia pelo menos desde 2015, recebendo salário na faixa de R$ 15 mil. Passou pelos gabinetes do deputado Evandro Araújo, pela liderança do PSC – enquanto Ratinho estava na secretaria de Desenvolvimento Urbano –, e, mais recentemente, na primeira vice-presidência da Assembleia, ocupada pelo deputado Guto Silva, que foi indicado para ser secretário-chefe da Casa Civil no governo de Ratinho.
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Questionada, a assessoria do futuro governador informou que o funcionário foi desligado em setembro, que era uma pessoa próxima a Ratinho Junior, encarregado de atendimentos assistenciais, mas que o político desconhecia completamente qualquer atividade irregular.
O Ministério Público também investiga a participação da Solumedi no esquema. O apresentador Ratinho, pai do governador eleito, aparece em propagandas da empresa. Consta ainda que Gabriel Martinez Massa, irmão de Ratinho Júnior, é sócio administrador da Solumedi.
Segundo a assessoria de imprensa do governador eleito, Gabriel tinha uma participação na Solumedi, por meio da empresa Gralha Azul, mas se afastou da sociedade, por decisões empresariais, em julho. De acordo com o Gaeco, por ora, não existe nenhuma investigação contra Ratinho Jr ou contra seus familiares.
Veja quem são os 12 presos pela operação
- César Augusto Cubis
- Claudete Manfrin Nonato
- José Carlos Martins, vereador em Bandeirantes
- Lourival Aparecido Pavão, que foi assessor de Ratinho Junior (PSD) na Assembleia Legislativa
- Luiz Geraldo Hablich
- Paulo Roberto Mendes de Morais
- José Carlos da Silva, assessor do deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB), segundo o Gaeco
- Sônia Aparecida dos Santos
- Flávia Lilian Gomes, secretária no Hospital São Lucas
- Taiana do Carmo, funcionária do Hospital São Lucas
- Marcel Sangeroti, médico do Hospital São Lucas
- Volnei José Guareschi, médico e sócio do Hospital São Lucas
Ao contrário do que havia sido publicado anteriormente, o médico Bruno Novochadlo de Moura Jorge, do Hospital São Lucas, não foi preso na operação, apesar de constar entre os investigados. O pedido de prisão contra ele foi negado pela Justiça.
Outro lado
A Solumedi se manifestou por meio de nota, reproduzida na íntegra:
Tendo em vista a deflagração de Operação oriunda do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado – Gaeco, a empresa Solumedi Franquias e Consultoria Ltda, esclarece que:
1. É sociedade empresarial, devidamente constituída nos órgãos competentes, que tem como escopo prestar serviços administrativos e agendamentos de consultas médicas, exames laboratoriais e outros procedimentos.
2. Foi erroneamente veiculado que a empresa Solumedi seria de propriedade da família do apresentador de televisão Ratinho, o que não corresponde à realidade. A imagem do referido apresentador é apenas utilizada para campanhas publicitárias, outdoors e divulgação da empresa no mercado.
3. A empresa Solumedi nega, de maneira veemente, a sua participação em ilícitos de qualquer natureza. Jamais participou de qualquer tipo de acordo entre médicos, empresários e agentes públicos destinado a “furar a fila” do Sistema Único de Saúde. Neste ponto, importante destacar que nenhum dos investigados tem qualquer tipo de relação com a empresa.
4. Todas as suas atividades empresariais são devidamente registradas, com regular e criteriosa prestação de contas à Receita Federal, bem como todos os procedimentos internos obedecem a rigorosos padrões de ética e conduta.
5. Por fim, a empresa Solumedi, por meio de seus prepostos, esclarece que está à disposição das autoridades competentes para prestar qualquer esclarecimento e que está certa da mais absoluta inocência nos lamentáveis fatos apurador pela Justiça e amplamente divulgados pelos meios de comunicação.
O Hospital São Lucas, por sua vez, se limitou a ressaltar que os fatos ainda estão em apuração e que a instituição colabora com as investigações.
Sobre a prisão do assessor José Carlos da Silva, ocorrida na manhã desta segunda na Operação Mustela, o deputado Luiz Claudio Romanelli se manifestou em nota. Nela, “informa que a atuação do funcionário junto ao mandato nada tem a ver com os fatos investigados pelo Gaeco. Da mesma forma, conforme o próprio Gaeco esclareceu, não há qualquer investigação ou ligação do parlamentar com a investigação em curso. José Carlos da Silva atua há anos na Assembleia e já trabalhou com diversos parlamentares, tendo o reconhecimento de vários servidores da Casa. Sempre desempenhou as funções para as quais foi contratado de forma correta e nunca apresentou nenhum indício de irregularidade ou que o desabone. O deputado Romanelli espera que os fatos sejam esclarecidos”.
O deputado estadual Ademir Bier também se manifestou em nota de esclarecimento. No texto informou que “aguarda para ter acesso à investigação para emitir uma resposta definitiva ao caso. Contudo, desde já, é importante deixar claro para a opinião púbica que refuta veementemente o seu envolvimento em qualquer ilícito. Sobre o caso, sabe-se apenas que um assessor comissionado, conhecido como “Paulinho”, vinculado ao gabinete do deputado, foi preso na manhã de hoje (10) pelo Gaeco, em razão de por ele ter tido efetivado supostos atendimentos e encaminhamentos de pacientes oriundos do interior, na área da saúde.
Ademir Bier não tem razões para desconfiar da pessoa em questão e acredita que o assessor não está envolvido em ator irregulares. Porém, caso confirme a participação do referido assessor em ilícitos, reitera que este servidor não agiu com anuência e autorização do deputado, devendo, neste último caso, responder por seus atos.
Por fim, manifesta seu profundo respeito e admiração pelo trabalho do Ministério Público e do Poder Judiciário, acreditando na apuração com responsabilidade do caso. O deputado reitera seu compromisso com seus eleitores e amigos e afirma, com contundência, a regularidade, integridade e honestidade de todos os atos praticados na condição de deputado estadual, ressaltando que toda a atuação em cinco mandatos foi respaldada pela legalidade, honestidade, probidade e moralidade administrativa.”
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