Eleição municipal em 2008: com alta popularidade, Richa vai votar de Harley-Davidso.| Foto: ArquivoGazeta do Povo

Este 11 de setembro de 2018 marca o desmoronamento de uma das maiores forças políticas do Paraná. Ainda que muitas questões a respeito da prisão do ex-governador Beto Richa (PSDB) permaneçam em sigilo ou pendentes de esclarecimento, não seria exagero afirmar que é o fim de uma era. Por 23 anos, ele saiu de sua casa para compromissos no Centro Cívico, o centro do poder no estado. Hoje, acompanhado da mulher, Fernanda, foi levado para a sede do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), no bairro vizinho, o Ahú, preso por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. Desde abril estava sem foro privilegiado, após deixar o cargo para concorrer a uma cadeira no Senado, objetivo que sofre um forte revés. 

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As acusações atingem Richa e seu “núcleo duro” de poder, que o acompanha há mais de uma década. O agravante é que elas vêm de duas frentes de atuação e ocorreram simultaneamente, uma coincidência até então inédita em um país que começou a ver uma série de prisões de colarinho branco a partir de 2014. Os mandados de prisão foram cumpridos pelo Gaeco, braço de investigação sobre crime organizado do Ministério Público do Paraná (MP-PR), e também pela Operação Lava Jato, em investigação sobre pagamento de propina pela empreiteira Odebrecht. 

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Carlos Alberto Richa, nascido em 29 de julho de 1965, é formado em engenharia civil. A entrada na política foi a contragosto do pai, o ex-governador José Richa, morto em 2003 – se estivesse vivo, faria 84 anos neste 11 de setembro. Iniciou a trajetória em 1995, após ser eleito deputado estadual pelo PSDB, partido que o pai ajudou a fundar. Conquistou 21,2 mil votos. Em 1999, iniciou o segundo mandato na Assembleia Legislativa, desta vez pelo PTB, mas com o dobro de votos: 44,8 mil. Em 2000, deixou o Legislativo para concorrer como vice-prefeito de Cássio Taniguchi, que disputava a reeleição em Curitiba. A chapa foi eleita em segundo turno, em uma votação apertada: 462,8 mil contra 436,2 mil para Angelo Vanhoni (PT). 

Tarifa de ônibus

Richa começou a se cacifar para ser protagonista da política paranaense. A principal cartada que garantiu sua popularidade veio de uma canetada de quando ainda era vice-prefeito. No fim de janeiro de 2004, Taniguchi aumentou a tarifa de ônibus de R$ 1,65 para R$ 1,90, e em seguida viajou para o exterior. Richa assumiu o cargo de prefeito interino e cancelou o reajuste. Quando Taniguchi voltou, ele cancelou a integração do transporte público na Região Metropolitana de Curitiba para reduzir custos e estipulou a tarifa de R$ 1,70. Mas, com base no contrato de licitação, as concessionárias conseguiram retomar a passagem a R$ 1,90 e o retorno da integração.

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Em um cenário de desgaste de Taniguchi, Richa se candidatou a prefeito em 2004 pelo PSDB, se colocando como oposição, disputando com outros 11 candidatos. No primeiro turno, somou 329,4 mil votos, contra 292,9 mil de Vanhoni. Foi eleito no segundo turno, com 494,4 mil votos (54,8%) contra 408,1 mil (45,2%). Quando assumiu, promoveu um corte de despesas para manter baixa a tarifa de ônibus, reduzindo-a para R$ 1,80, um feito que gerou desdobramentos permanentes no transporte público da capital: as empresas afetadas ganharam um “bônus” para disputar a licitação feita em 2010, e as mesmas saíram vencedoras, mantendo praticamente o mesmo desenho que já vinha de décadas, sem que se conseguisse redução no preço da passagem. 

Beto Richa, durante evento em que entregou o cargo de prefeito para concorrer ao governo do Paraná, em 2010. 
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“Piloto”

No momento da licitação, porém, Richa já tinha deixado o cargo por voos mais altos. A trajetória ascendente foi beneficiada pelo bom momento econômico, que em  2008 garantiu tranquilidade para a reeleição no primeiro turno. Os gastos públicos estavam em alta, seguindo a política econômica nacional do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pesquisa Datafolha da época dava 79% de aprovação para Richa. A reeleição foi conquistada com 77,3% dos votos válidos, contra 18% de Gleisi Hoffmann (PT), que ficou em segundo. No dia da votação, compareceu pilotando sua Harley-Davidson – a predileção por esportes de velocidade e assuntos relacionados era uma marca de Richa. Que ganhou outro status neste 11 de setembro, quando a força-tarefa da Lava Jato deflagrou a Operação Piloto, uma referência ao que seria o codinome do ex-governador do Paraná nas planilhas de propina da Odebrecht. 

Em alta como prefeito, contrariou uma promessa anterior e deixou o cargo para disputar o Palácio Iguaçu. Venceu a disputa no primeiro turno, batendo Osmar Dias (PDT) por 52,4% contra 45,6% dos votos. Em uma época ainda de bonança, ampliou o efetivo de policiais e professores, além de assinar planos de cargos e salários para várias categorias, reajustando salários que depois pesaram no orçamento. 

Beto e Fernanda Richa, no Palácio Iguaçu. 

Palácio Iguaçu

Mas foi justamente essa generosidade que garantiu a reeleição ao governo estadual, novamente no primeiro turno. Fez 55,7% dos votos, contra 27,6% de Requião e 14,9% de Gleisi, sustentado por 17 partidos, em uma das maiores chapas já vistas no Paraná. Já em momento de dificuldade econômica, chamou o economista Mauro Ricardo Costa para comandar a Fazenda, o qual orientou por aumento de impostos – ICMS e IPVA – e corte de despesas, principalmente em relação ao funcionalismo público. Mudanças no Paranáprevidência, sistema estadual de previdência, geraram um prejuízo de R$ 4,6 bilhões no patrimônio do fundo. Durante as votações desse “pacotaço” é que ocorreu o que foi chamado de “batalha do Centro Cívico”, em 29 de abril de 2015, com ação policial contra manifestantes, marcando o período de menor popularidade de Richa. 

Pouco tempo depois, em julho de 2015, outra mancha na trajetória do tucano: a deflagração da Operação Quadro Negro, que investiga cerca de R$ 20 milhões desviados de obras de escolas pelo Paraná. Parte do dinheiro teria sido usada nas campanhas eleitorais de Richa e familiares, apontaram delatores. Outras denúncias semelhantes já tinham respingado no ex-governador, como a Operação Publicano, deflagrada para apurar fraudes na Receita Estadual com vistas a abastecer caixa 2; e a Operação Voldemort, de fraude em uma licitação para manutenção de veículos oficiais do estado.

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Richa tentou dar a volta por cima em 2016, se beneficiando dos recursos estaduais represados com corte de gastos e de benesses promovidas pelo presidente da República Michel Temer (PMDB), que suspendeu as dívidas dos estados, muitos dos quais quebrados pelo desequilíbrio fiscal. Como o Paraná já estava em situação mais equilibrada, após o pacote fiscal de 2015, foi possível anunciar obras e investimentos nos municípios, garantindo a coesão da base de sustentação na Assembleia e apoio de prefeitos. Não sem percalços. Delações relacionadas à Quadro Negro apontavam para suspeitas crescentes de Richa e de seu grupo político. Também na Lava Jato, o nome do tucano aparecia nas denúncias sobre desvios de dinheiro para campanhas políticas. Em 2018, ainda como governador, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagraram a Operação Integração, para investigar o alto valor de tarifas de pedágio e suspeitas de favorecimento a empresa, além de outros crimes. 

As denúncias foram sempre rechaçadas e negadas. Nos últimos meses, o tucano as atribuiu ao momento político do país, de “caça às bruxas” e demonização da política. Hoje, a advogada Antônia Lélia Neves Sanches, que defende o ex-governador, afirmou que ele está sereno e sempre esteve à disposição para esclarecimentos. Ela criticou o que chamou de “oportunismo eleitoral”. A resposta final quem vai dar é a Justiça, mas as duas operações de hoje certamente causam um grande abalo eleitoral na trajetória de Beto Richa.