Uma medida decretada na quarta-feira (12) pela prefeitura de Curitiba foi o mais novo revés para os usuários de ônibus da cidade. A redução da validade dos créditos do cartão transporte – e o seu confisco após a expiração – é mais um sinal claro da visão de nossos governantes sobre o sistema de transporte coletivo: ele é considerado um fardo.
E isso afeta diretamente a qualidade do serviço prestado à população. Que por sua vez gera uma fuga (cada vez mais acentuada) de passageiros do sistema. Que por sua vez piora a arrecadação, impactando na qualidade do serviço e a ciranda recomeça. O circulo vicioso que sequestrou o transporte coletivo em Curitiba requer uma ruptura com a atual lógica de operação que a Urbs, empresa que administra o sistema, deu demonstrações de que não pretende fazer. Ela alega uma possível perda de arrecadação, mas creio que é a boa e velha preguiça com uma pitada de covardia.
É “chover no molhado” dizer isso, mas limitar a integração do sistema aos terminais é torturar o usuário. Obrigar uma pessoa a fazer um trajeto mais longo e cansativo para ter o benefício de pagar apenas uma passagem é de uma insensatez ímpar. Quando não havia a tecnologia para a integração temporal, isso até era compreensível. Hoje é simplesmente inaceitável. São Paulo e Rio de Janeiro, antes tidas como cidades bagunçadas, têm os seus sistemas de ônibus operando na lógica de comprar uma passagem por período de tempo - horas, dias ou mês – e não por giro da catraca. Os bilhetes de maior duração inclusive dão descontos e maior comodidade aos passageiros frequentes, que deveriam ser os mais valorizados por qualquer prestadora de serviços.
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Outro ponto que ninguém quer tratar (e vou ser apedrejado por isso): a passagem cobrada do usuário tem que sustentar o serviço, não ser usada para “caridade”. A função de cobrador está obsoleta e não existe mais justificativa para sua existência. Entendo o problema social que seria demiti-los todos de uma vez – e defendo que isso seja feito gradualmente e com esforço na recolocação deles no mercado de trabalho – mas este emprego não pode existir apenas por “tradição”. “Mas e quem paga em dinheiro, como fica?”. Em Londres os motoristas recebem a passagem e não existe dado estatístico de que lá existam problemas de segurança maiores que por aqui.
Precisamos falar também sobre a “justiça” da tarifa. As gratuidades atualmente são sustentadas apenas pelos usuários pagantes. Não questiono a existência desses benefícios, algumas isenções são lei, mas eles são fruto de uma decisão da coletividade e devem ser bancados por todos, não apenas por quem paga ônibus. É justo que quem anda de carro ajude a manter a passagem gratuita para os idosos, para citar apenas um caso. Dessa forma, o custeio das gratuidades tem que sair integralmente do caixa do município – e, note-se, isso não é subsídio – tão demonizado por aqui mas prática comum nas maiores cidades do mundo.
Maltratado e sentindo cada vez mais dificuldades para usar o ônibus, o passageiro busca alternativas - carro, carona, motocicleta, caminhada, bicicleta e aplicativos como Uber e Cabify. E a solvência do sistema de Curitiba fica cada vez mais em cheque. Transporte coletivo não é fardo, é uma política pública fundamental dentro das cidades. Possibilita a redução de tráfego de carros particulares, com menos poluição do ar e mais espaço para pedestres e bicicletas, principalmente nas áreas centrais. Também reduz custos para patrões e empregados, além de dar mais tempo livre e qualidade de vida aos cidadãos. É triste constatar que Curitiba, no passado um exemplo quando se falava de ônibus, hoje é uma cidade que não consegue sequer o básico, que é renovar a frota que teve a vida útil vencida.
Fabiano Klostermann é jornalista, editor de Política Paraná na Gazeta do Povo e usuário (talvez ex) de ônibus desde 1992, tanto em Curitiba quanto em São Paulo, cidades onde morou