O projeto que está em desenvolvimento para um portal de serviços públicos do Paraná, o Governo Digital, tem potencial para colocar o estado como exemplo para todo o país. A se confirmarem as funções que estão sendo testadas pela Celepar e pelo Comitê de Qualidade e Gestão, os cidadãos terão acesso facilitado, via internet, a tudo que precisam obter do estado. De quebra, o estado deve ser o primeiro a cumprir o novo estatuto dos serviços públicos, sancionado no mês passado e que entra em vigor em junho de 2018.
Dessa forma, o governador Beto Richa (PSDB) terá muito a agradecer aos técnicos envolvidos. Quem sabe ele se recorde de agradecer também aos deputados da oposição. Afinal, a atuação deles foi crucial para evitar em 2013 um desperdício de R$ 3 bilhões em um projeto ultrapassado, batizado de “Tudo Aqui”. Com essa ideia engavetada, o estado se dedicou a desenvolver o Governo Digital. Que não necessita de nenhum investimento, apenas o know-how de técnicos e aperfeiçoamentos no “cardápio” dos serviços que serão ofertados no portal.
Vamos aos fatos. Lá em 2011, uma empresa, Shopping do Cidadão, se ofereceu para estudar uma parceria público-privada (PPP) com o governo. Em março de 2013, a gestão de Beto Richa lançou uma licitação para contratar uma empresa para operar o projeto Tudo Aqui. O valor do contrato, com prazo de 25 anos prorrogáveis por mais 25 anos, era cerca de R$ 3 bilhões, por meio de PPP. Seriam instalados centros de atendimento em Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Londrina, Maringá e Ponta Grossa, e cada um deles reuniria 34 órgãos e 171 serviços, como emissão das carteiras de identidade e de habilitação e solicitação da 2.ª via de contas de luz e água – algo que o Governo Digital vai resolver pela internet.
Deputados da situação, como o hoje presidente da Assembleia, Ademar Traiano (PSDB), defendiam o projeto, sob o argumento de que ele tinha dado resultado nos estados que o adotaram. O modelo era o Poupatempo, mas o tucano parece não ter percebido que o projeto paulista nasceu lá no longínquo ano de 1997, quando a realidade tecnológica era muito diferente. No Paraná, o Tudo Aqui foi apresentado pela Secretaria do Planejamento, então comandada por Cassio Taniguchi.
Quando isso aconteceu, a oposição se insurgiu. Havia indícios de favorecimento ao Shopping do Cidadão, que tinha tudo para vencer a licitação. O deputado Tadeu Veneri (PT) foi o primeiro a questionar. Os governistas derrubaram os questionamentos; a bancada de oposição decidiu recorrer à Justiça para obter informações. As dúvidas eram tantas que Taniguchi se dispôs, no começo de abril de 2013, a apresentar o projeto aos deputados, mas em uma reunião fechada.
Em 3 de abril, diante das dúvidas, o governador Beto Richa decidiu suspender a licitação. O Tribunal de Contas do Estado também interveio. Dois dias depois, decidiu que o estado precisava suspender a licitação até “que se colham as provas e documentos necessários à apuração dos fatos noticiados” pela imprensa. Em maio, até foi feita audiência pública para tentar esclarecer o assunto, que acabou engavetado. Em maio de 2014, um susto: Richa afirmou que tinha interesse em reativar o projeto. Mas foi só uma declaração, sem consequências práticas.
A crítica não partiu só da oposição, mas se ela não questionasse ou exigisse esclarecimentos, o trator governista aprovaria tudo, sem discussões. Com base nos pontos levantados, a imprensa cumpriu seu papel, de fiscal do poder público. O saudoso professor Belmiro Valverde Jobim Castor escreveu artigo na Gazeta do Povo, afirmando que o projeto não fazia sentido. O texto dele inspirou outro: Tudo Aqui de verdade é na internet, o qual não tinha intenção de ser premonitório, mas que acabou antecipando o que o Governo Digital trará agora, em 2017.
Ainda bem que Beto Richa foi alertado pela oposição e que seus técnicos conseguiram desenvolver o Governo Digital. Que o portal tenha vida longa, para atender à esperada inclusão digital de toda a população. E que consiga atingir seus objetivos: prestar serviços sem ficar contaminado pela propaganda oficialesca do governador de plantão.