Às vésperas de Luiz Fernando Ribas Carli Filho ser levado ao banco dos réus, Guarapuava – cidade natal do ex-deputado – praticamente ignora os desdobramentos do acidente em que ele se envolveu em maio de 2009 e que matou dois jovens em Curitiba. É como se o julgamento fosse um tabu para o município no Centro-Sul do Paraná. Muito desse silêncio está diretamente relacionado ao poder da família Carli, um dos três principais clãs políticos da região. Paralelamente, o réu assumiu uma rotina discreta, a ponto de permanecer incógnito na cidade de 180 mil habitantes.
A vida reclusa de Carli Filho em Guarapuava é aberta apenas aos amigos mais próximos. O ex-deputado não mantém redes sociais abertas e evita se deixar fotografar. Carli Filho também já não frequenta locais em que costumava ser visto após o acidente.
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Nas ruas de Guarapuava, os moradores evitam falar sobre a iminência do júri popular de Carli Filho – ao menos publicamente. Quando questionadas sobre o julgamento, as pessoas, em geral, desconversam. Quase ninguém concorda em abordar o tema e, quando o fazem, tendem a minimizar o desastre e a repercussão do caso à cidade.
“Eu, particularmente, não estou acompanhando, como acho que boa parte da cidade não está. Aparentemente, [o caso] não interferiu na vida da cidade. Eu não espero nada, nem que seja condenado, nem absolvido”, disse o estagiário Anselmo Silva. “Quem somos nós para julgar? Eu me coloco no lugar da mãe dele [de Carli]. Eu tenho filhos e esse erro poderia ter acontecido com eles”, apontou Marlene Belo, funcionária da catedral.
Outro termômetro que dá pistas sobre como a cidade lida com o caso é a cobertura feita pela imprensa local. Os jornais e sites da cidade noticiam o acidente e as perspectivas de julgamento de forma tímida, sem dar grandes destaques. “Antes, a gente costumava cobrir bem de perto, mas a gente percebeu que isso começou a repercutir negativamente para o veículo perante os leitores. Uma vez, a gente pôs o caso na capa e as pessoas da cidade reagiram muito mal. Então a gente se distanciou”, disse um repórter, sob a condição de não ser identificado.
A impressão que se tem é de que o tabu se deve primordialmente ao aspecto político e à força da família Ribas Carli. “Não! Sobre isso a gente não fala. ‘Os homens’ são fortes aqui. Disso, a gente não quer nem saber”, respondeu um taxista que estava com colegas, quando foi abordado pela reportagem.
Poder
Aos 68 anos, o patriarca Fernando Ribas Carli foi prefeito de Guarapuava por três vezes, além de ter exercido mandatos como deputado estadual e federal. Começou a vida profissional como office-boy, auxiliar de contabilidade e agente bancário. Em 1970, foi a Curitiba estudar farmácia bioquímica na Universidade Federal do Paraná (UFPR). De volta a Guarapuava, instalou um laboratório bioquímico. Em seguida, casou-se com Ana Rita Slaviero, da tradicional família Slaviero Guimarães.
A partir de então, o clã se cercou de pessoas influentes e decolou. Enquanto se consolidava como força política, criou um império que hoje inclui uma fábrica de compensados, duas rádios, um laboratório de análises clínicas, empresas de derivados de petróleo, além de investimentos em ações e empreendimentos imobiliários. Nas eleições de 2008, Ribas Carli declarou patrimônio de R$ 6,1 milhões.
Fernando preparava o primogênito Carli Filho para ser seu sucessor. Em 2006, o rapaz foi eleito deputado estadual, aos 23 anos, mas o acidente de 2009 interrompeu a carreira política do novato: logo depois, ele foi expulso do partido e renunciou. A partir de então, o caçula da família, Bernardo (PSDB), assumiu a lacuna. Nas eleições de 2010, ficou como suplente a deputado estadual. Em 2014, conquistou uma cadeira na Assembleia Legislativa.
Os Ribas Carli dividem o poder local com outros dois grupos político: os Mattos Leão e a família Silvestri. Nos últimos anos, os Carli sofreram revezes significativos. Em 2015, Fernando “Pai” e Bernardo foram alvo da Operação Capistrum – que desvendou um esquema de crimes eleitorais. No ano seguinte, o patriarca foi um dos denunciados à Justiça, em desdobramentos da Operação Riquixá – que apurou crimes na concessão do transporte coletivo quando Ribas Carli era prefeito de Guarapuava.
Apesar disso, as evidências do poder da família estão materializadas ao longo da cidade. Na década de 1980, o antigo bairro Santa Helena foi rebatizado e passou a se chamar Vila Carli - que começa justamente em uma avenida que também leva o nome do avô de Fernando, Pedro Carli. Há postos de saúde, escolas estaduais e ginásio de esportes que ostentam o sobrenome do grupo político.
“O ‘Fernando Pai’ foi maravilhoso para a cidade. Ninguém aqui pode falar nada dele. É uma pena que o Fernando Filho tenha dado essa escorregada”, disse a professora de uma CMEI, que pediu para não ser identificada. “Aqui, a gente torce para que ele saia livre dessa”, completou.
Em silêncio
A Gazeta do Povo foi até a casa em que moram os pais de Carli Filho, mas a empregada que atendeu o interfone disse que Fernando e Ana Rita haviam viajado, sem previsão de volta. A reportagem também esteve na sede da 92 FM, onde Carli Filho e sua esposa trabalham, no entanto os funcionários alegaram que o casal também estaria em viagem. Nem o pai nem o filho ligaram para o número de telefone disponibilizado pelo repórter para que eles se manifestassem.
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