Quantidade de ligações irregulares de esgoto na cidade ainda gera poluição nos rios| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo/Arquivo

O plano para universalizar a coleta e tratamento de esgoto em Curitiba, tal como já ocorre com o abastecimento de água, está próximo de ser iniciado, para ser concluído até 2035. A Câmara Municipal de Curitiba recebeu, na última sexta-feira (06), um projeto de lei encaminhado pelo Executivo para reformular totalmente o contrato firmado com a Sanepar. O tema já foi apresentado aos vereadores no dia 19 de março, e também foi tema de uma audiência pública realizada no dia 21 deste mês. A Procuradoria-Geral do município e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente estão finalizando detalhes do novo acordo, que traz uma inovação: não será mais uma concessão, mas sim um contrato de programa, com mais metas e possibilidade de maior fiscalização.

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O atual contrato de concessão com a Sanepar, firmado em 2001, vence em 2031, mas a antecipação da renovação já era prevista no Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de 2014. A intenção era criar novas metas para a empresa, já que pelas regras atuais o índice de coleta e tratamento de esgoto não precisaria passar de 90%. Com a revisão do PMSB em 2017, a gestão de Rafael Greca (PMN) optou por um contrato de programa, já utilizado pela Sanepar em outros municípios. O documento prevê um convênio com o governo do estado pelo prazo de 30 anos, que vai executar o serviço por meio da empresa de economia mista, e atuar como regulador através da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infraestrutura do Paraná (Agepar).

A nova modelagem prevê ainda a constituição de um Fundo Municipal de Saneamento Básico, que também precisa de autorização da Câmara Municipal para ser criado. Ele será custeado com 2% da receita operacional da Sanepar obtida em Curitiba e será usado em projetos e ações voltados ao saneamento básico e proteção e recuperação do meio ambiente.

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Após aprovação dos vereadores, a prefeitura assinará o contrato pelo prazo de 30 anos. Segundo a secretária do Meio Ambiente, Marilza Dias, não é possível estimar o tempo que o assunto levará para tramitar no Legislativo, mas o Executivo espera que isso ocorra o quanto antes, para que as novas metas sejam implantadas. Das apresentações feitas na Câmara e em audiência pública, não foram feitas contestações, apenas pedidos de esclarecimento. “Mas o que tiver de dúvida, vamos explicar, afinal é um assunto complexo e importante”, diz ela. Em manifestações anteriores sobre casos semelhantes, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público já deram aval ao contrato de programa da Sanepar.

Caso a mudança seja aprovada, a Sanepar antecipará ao município R$ 92 milhões que deveriam ser pagos até 2031. Na minuta de contrato já divulgada, a previsão é que o pagamento seja feito em três parcelas: na assinatura do contrato, em março de 2019 e em novembro de 2019, destinadas ao fundo municipal. Como não será mais uma concessão onerosa, a companhia não precisará mais efetuar pagamentos ao município, mas dará um desconto de 50% na conta de água dos imóveis do poder municipal, permitindo uma economia mensal estimada de R$ 570 mil.

Segundo Marilza, somando essa economia ao repasse de 2% da receita da Sanepar, o município receberá cerca de R$ 2,1 milhões a R$ 2,4 milhões por mês. Atualmente, a cessão onerosa rende cerca de R$ 600 mil ao mês. “Do ponto de vista financeiro, é muito mais vantajoso”, afirma.

A Sanepar também se compromete a fazer investimentos de cerca de R$ 3,5 bilhões no município. Mas a secretária destaca que projetos na região metropolitana, local dos mananciais que abastecem Curitiba, também são importantes.

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Por causa dessas características, a capital pretende fazer o contrato de gestão compartilhada. “Se fosse uma concessão, teríamos que fazer uma outra licitação. Não quer dizer que não pode ser feito, mas há necessidade da prestação regionalizada por conta do abastecimento de água. Seria de difícil execução para o município isoladamente. Por isso, e pelo marco regulatório, entendemos que o contrato de programa é o mais adequado”, relata Mariza, mais uma vez defendendo o modelo escolhido.

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Metas

Curitiba já tem 100% da população abastecida com rede de água, por isso o objetivo é melhorar a coleta e tratamento de esgoto. Dentro disso, o principal foco da prefeitura é regularizar as ligações de esgoto. Atualmente, a Sanepar contabiliza 418,1 mil ligações, das quais 62,4% estão regulares, 15,2% irregulares e outras 22,4% ainda pendente de vistoria.

Segundo a companhia de água e esgoto, em 2017 foram vistoriadas 38.723 ligações em Curitiba. Uma dificuldade é que, para isso ser feito, o morador precisa estar presente. “No momento da vistoria encontramos os imóveis fechados, sendo que isto leva a realizar mais de uma visita a um mesmo imóvel e este é principal motivo da porcentagem apresentada. Outra dificuldade é que muitos moradores não autorizam a entrada no imóvel”, informou a Sanepar, por meio da assessoria de imprensa. A secretária Mariza acrescenta que, em algumas situações, o morador é autuado e mesmo assim não cumpre com a determinação, exigindo quatro ou cinco visitas. “Mas temos mecanismos, como o bloqueio da indicação fiscal. Para qualquer alvará do município a pessoa tem que pegar uma certidão de regularidade de ligação na rede. Assim evitamos que, depois de vistoriado um bairro inteiro, o imóvel volte a ficar irregular”, relata.

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Entre as metas estipuladas, está a de rede ofertada, que exige, para 2020, 94%, e, no longo prazo, em 2036, 98%. Entretanto, o índice da Sanepar agora em 2018 já chega a 94%. “Não que essa meta não seja importante, mas o fundamental é avançar na efetiva utilização da rede existente”, explica Mariza. Hoje a Sanepar se exime da responsabilidade quando o imóvel não está ligado na rede; com o novo contrato, terá que comprovar a ligação. Segundo a secretária, considerando que os imóveis ainda não foram vistoriados estejam todos irregulares, as estimativas apontam que o atendimento da coleta e tratamento de esgoto chega a 75%. Se forem considerados regulares, esse porcentual chegaria a 88%.

Mariza ressalta a criação de novos índices, como o de atendimento com a rede coletora de esgoto coletado (Ices-RCE), que prevê meta de 98% para 2036. Ela explica que isso representa toda a cidade, pois há áreas sem viabilidade técnica, que exigem um outro tipo de solução, indicado no plano de saneamento. Também há o Índice de Regularização de Ligação Prediais de Esgotamento Sanitário (Irle), que verifica todas as condições sanitárias dos imóveis: instalação de esgoto, existência de caixa de gordura e o não lançamento de águas pluviais na rede de esgoto – se isso não for feito de forma correta, prejudica todo o sistema hídrico. Nesse caso, a meta é um pouco mais modesta: 90% até 2035.

A única meta que exige 100% de cumprimento até 2035 é a readequação da rede coletora de esgoto na área central de Curitiba. Os índices começam com 20% em 2020 e 50% em 2024. “A viabilização da regularização das ligações de esgoto passa por ter rede com condições de recebê-las. E na região central há redes muitos antigas, algumas delas em locais sem acesso, algumas redes posicionadas no meio da rua, sem condições de fazer novas ligações”, explica. Em um primeiro momento, a Sanepar deve fazer o diagnóstico da rede, para saber quais devem ser substituídas – nem todo o encanamento antigo precisará ser trocado.

Saúde

Segundo o engenheiro ambiental Juliano Bueno, representantes das ONGs no Conselho Municipal de Meio Ambiente, a falta de tratamento de esgoto encarece a tarifa da água. “Se a Sanepar arrecada com esgoto do qual não trata, isso lesa usuário e município, impõe ao município custos ambientais”, critica. Segundo ele, os ambientalistas da cidade há décadas denunciam a precariedade da rede coletora na área central, já que é tecnicamente inviável usar uma rede projetada para um número limitado de pessoas e quadriplicar o número de usuários.

O maior cuidado com o saneamento terá impacto direto na saúde da população, diz Bueno. Atualmente, muito esgoto é jogado irregularmente em córregos e rios, e isso proporciona a proliferação de mosquitos, que leva a doença tropical para dentro da casa de todos, independentemente se moram na periferia ou em áreas ricas.

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O engenheiro diz que ocorreram avanços na discussão do plano de saneamento e no novo contrato com a Sanepar. Segundo ele, inicialmente havia a discussão para a companhia destinar apenas 0,5% do faturamento para o Fundo Municipal, percentual que foi elevado. Outra mudança feita foi a criação de uma Câmara Técnica dentro do Conselho do Meio Ambiente para fiscalizar o cumprimento das metas. “Como ambientalista, vejo que o meio ambiente é algo integral, relacionado aos resíduos sólidos, à questão hídrica, à preservação da biodiversidade. Nada mais lógico e estratégico que fique a cargo do conselho esse acompanhamento”, acrescenta.

Bueno afirma que há boa vontade da prefeitura em aprimorar as metas e o serviço de coleta e tratamento de esgoto. Ele participou também das discussões sobre a primeira versão do PMSB, de 2014, e diz que a gestão de Rafael Greca fez um diálogo diferente com o governo estadual – na gestão de Gustavo Fruet (PDT), essa parceria não ocorria. Mas critica a forma como o meio ambiente é tratado no Paraná. “O meio ambiente não é levado com o devido respeito pelo governo do Paraná. A Sanepar infelizmente descumpre o verdadeiro modelo do tratamento à agua. Faz muito greenwashing [apropriação de virtudes ambientalistas por meio do marketing]. Mas se isso fosse verdade, a multa milionária por sujar nossos rios não teria acontecido”, opina, em relação à sanção imposta pelo Ibama no valor de R$ 49 milhões, por um caso de poluição no Rio Iguaçu descoberto na Operação Água Grande, da Polícia Federal. A empresa paranaense, uma das maiores devedoras de multas ambientais, sempre questionou a metodologia usada nos casos em que foi autuada. Ela é uma das grandes beneficiadas por um decreto federal de outubro de 2017 que converte a pena pecuniária em prestação de serviço.

Conta de água e esgoto sobe 5,12% em maio

O novo acordo da prefeitura de Curitiba com a Sanepar, que depende ainda do aval da Câmara Municipal, prevê de forma clara que a tarifa aplicada será a mesma de todo o estado, visando o subsídio cruzado entre os sistemas, para garantir o abastecimento e tratamento em todas as regiões. O valor das tarifas é definido pela Agência Reguladora dos Serviços de Infraestrutura do Paraná (Agepar) – para 2018, o órgão já definiu reajuste de 5,12%, válido a partir de maio.

O contrato atual era vago em muitos pontos, mas tinha uma cláusula específica: o da tarifa social, equivalente a 10 metros cúbicos de água. Em maio de 2017, a companhia reduziu em 50% esse volume (5 m³), mas a redução na conta foi de apenas 10%. Segundo a secretária municipal do Meio Ambiente, Marilza Dias, o município poderia questionar a Sanepar, já que a mudança contrariou o previsto no contrato. “Mas entendemos que a mudança trouxe benefícios, porque havia uma parcela da população que não consumia todo aquele volume e tinha que pagar mesmo assim”, explica. Segundo ela, mesmo com a nova modelagem, o município mantém a titularidade do serviço, com prerrogativas de questionar decisões tomadas pela Agepar.

Tanto a minuta do novo contrato como o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), seguindo a política nacional para o setor, preveem a modicidade das tarifas. Segundo Marilza, os investimentos previstos devem levar em conta o tempo para amortização e a condição do usuário em pagar. “Lembrando que o plano pode ter revisão a cada quatro anos. Podemos mudar as metas, inclusive. Se houver mudanças, existe um estudo de viabilidade técnica-econômica do contrato, que vai mostrar o impacto disso. E aí tem que se trabalhar as metas de forma a não onerar a tarifa”, diz.

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