O empresário de Curitiba que precisa viajar a Londrina para uma reunião rápida não consegue fazer um voo bate e volta no mesmo dia, porque não há rotas diretas pela manhã cedo. Para uma família da capital que pretende passear em Foz do Iguaçu, é preciso se planejar com muita antecedência para fugir de um voo sem escala em São Paulo, mas não há como escapar do alto custo da passagem.
Essa é a nova realidade da malha aérea do Paraná, prejudicada pela falta de competitividade no setor, pela crise econômica que assolou o Brasil entre 2015 e 2016 e, de forma mais específica, pela política tributária da gestão do governo do estado.
INFOGRÁFICO: a queda da aviação regional no Paraná, em números
Até metade de 2015, o Paraná era bem servido de voos intraestaduais. O número de passageiros que chegavam ao Aeroporto Afonso Pena vindos do interior correspondia a 15,5% do total. Essa participação caiu para 8,9% em 2016 e agora, em 2017, está ainda menor: apenas 8,5% dos voos que pousam em São José dos Pinhais. Os dados são da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), todos referentes ao acumulado de voos regulares entre janeiro e agosto de cada ano.
Duas situações coincidiram com essa queda brusca. Primeiro, a recessão brasileira, que afetou todos os setores econômicos. Em 2016, o número de passageiros transportados em voos domésticos caiu 7,6% em todo o Brasil. No Paraná, os voos domésticos tiveram variação mais acentuada, de -12,5%, segundo dados da Anac compilados pela Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear).
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Essa queda coincidiu também com a elevação da alíquota de ICMS de querosene de aviação no Paraná. No ajuste fiscal comandado pelo secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, a tributação passou de 7% para 18%.
O governo estadual ouviu muitas críticas contra a majoração, mas se mostrou irredutível. Tanto que há dois meses, em audiência pública no Senado sobre um projeto que unifica a alíquota do querosene de aviação em todo o Brasil, Mauro Ricardo foi a única voz contrária. O secretário tentou convencer a plateia de que não adiantaria abaixar a alíquota, que a questão principal é a demanda. “Se não houver demanda, não adianta. Você pode botar alíquota zero que não vai haver demanda por voos naquela localidade”, afirmou, na audiência de 22 de agosto.
O discurso, porém, não sensibilizou os senadores da Comissão de Serviços de Infraestrutura, que na última terça-feira (24) aprovaram o Projeto de Resolução 55/2015, fixando o teto de 12% na alíquota de ICMS do combustível de aviação, de maneira a auxiliar empresas que usam querosene ou gasolina. O tema agora vai ao plenário do Senado, com pedido de votação em regime de urgência.
Mauro Ricardo ainda espera que o tema seja vetado em plenário. Na audiência pública, ele mostrou que o estado de São Paulo, que aplica alíquota máxima de 25%, seria o maior prejudicado, com perda de arrecadação estimada em R$ 295 milhões ao ano.
No Paraná, a perda seria de R$ 22 milhões/ano. “É um Robin Hood às avessas. Tira de quem mais precisa para dar a quem menos precisa. Do que é arrecadado com ICMS, 25% é destinado aos municípios, e, do que fica aqui no Paraná, vai para a educação, saúde, assistência social”. De todo modo, ele considera o projeto inconstitucional. “O Congresso só pode votar matéria tributária quando há conflito entre as unidades da federação. Não é o caso”, afirma.
A Abear, que defendeu a aprovação do Projeto de Resolução, diz que o combustível é o principal item de custo das aéreas, respondendo por 26% do total, e que a redução na alíquota do ICMS vai permitir a ampliação da malha de aviação brasileira. O presidente da entidade, Eduardo Sanovicz, afirmou que as empresas poderão lançar 74 novos voos diários de 60 a 120 dias após a aprovação do projeto, mas não definiu as rotas. Entretanto, em um ofício encaminhado ao Senado em 10 de outubro, a Abear cita a previsão de até 160 novas decolagens, das quais 11 no Paraná.
Mauro Ricardo ponderou que as empresas não colocam em convênios oficiais essa ampliação de rotas. Além disso, disse que não vai haver redução no preço da passagem caso caia a alíquota do ICMS. “Isso vai ampliar a margem de lucro das companhias e uma parte será absorvido pelas distribuidoras de combustíveis”, diz. Ele aponta que a crise econômica e a alta do dólar é que ocasionaram a queda na demanda e o aumento no preço das tarifas.
Demanda existe
Por outro lado, em um discurso contraditório, a Abear minimiza o impacto da alíquota de 18% vigente no Paraná, e diz que as questões de demanda são cruciais. Em busca de explicações sobre a queda acentuada dos embarques domésticos, a Abear apontou que o perfil econômico do Paraná pode ter influenciado: o agronegócio, que responde por uma parcela grande do PIB paranaense, não teria necessidade de tantas viagens, observou a fonte que conversou com a Gazeta do Povo. “O setor aéreo não está negligenciando a demanda existente no Paraná. Sempre que houver a condição econômica que viabilize uma conexão, isso será feito”, afirmou a fonte.
A demanda por voos, porém, existe sim. “Tivemos na semana a reunião mensal da Fiep, com empresários de todo o estado. Todos tiveram que vir na véspera, por falta de opções de manhã cedo”, diz o secretário-executivo do Conselho de Infraestrutura da Fiep, João Arthur Mohr.
Ele conta que, na semana anterior, voltou de Londrina à noite de ônibus, pois tinha compromisso às 8 horas em Curitiba. O pior, diz ele, é quando um evento deixa de ser realizado no interior, pela dificuldade logística. “Perde todo mundo, a indústria, o comércio, o turismo, a economia como um todo. O único que ganha talvez seja a empresa de ônibus, mas é uma situação muito ruim para o estado, que tem o programa Paraná Competitivo, que participa de feiras internacionais para atrair investimento, mas que não tem malha suficiente para atender”, acrescenta.
Segundo o diretor-executivo do Iguassu Convention & Visitors Bureau, Basileu Tavares, havia sete voos diários entre Curitiba e Foz do Iguaçu até poucos anos atrás. Agora são três. “Perdemos 400 mil assentos nesta rota, contando ida e volta. Durante muitos anos o estado ocupou a primeira posição como estado emissor de turistas ao Parque Nacional do Iguaçu. Mas desde 2015, quando tivemos a redução dos voos entre Foz e Curitiba, o Paraná caiu para a segunda posição”, explica.
Ele também não vê queda na demanda. “É mais barato ir de Curitiba para o Nordeste do que para Foz do Iguaçu. Como a demanda continuou grande, mesmo com a redução dos voos, os que não foram cortados tiveram suas tarifas aumentadas”, conta.
O custo alto das passagens é o principal problema atual, endossa o empresário Adonai Aires de Arruda Filho, presidente do Curitiba Convention & Visitors Bureau (CCVB). “A gente sempre questionou a elevação do ICMS. Se baixa o ICMS, o estado pode ganhar de outros lados: no consumo interno, na hospedagem, nos empregos gerados. É uma visão cega essa de aumentar a porcentagem para arrecadar mais”, critica. Ele destaca o voo direto lançado entre Natal (RN) e Buenos Aires. Em 2015, o governo potiguar reduziu a alíquota do ICMS de 17% para 12%.
Com a alíquota majorada, porém, o governo do Paraná ampliou a arrecadação, e não pretende abrir mão dessa receita. Segundo dados da Secretaria da Fazenda, a venda de querosene de aviação gerou R$ 51,9 milhões em tributos de janeiro a setembro de 2017, contra R$ 35,4 milhões no mesmo período de 2013. E isso mesmo com redução no volume comercializado no Paraná. A queda foi de 9,2%, no acumulado de janeiro a agosto de cada ano, segundo dados do Sindicato Nacional de Distribuidores de Combustíveis (Sindicom).
Incentivos
O ICMS é uma ferramenta importante para incentivar a aviação. O Paraná fechou acordo com a companhia Azul, que ganha uma redução de 2 pontos percentuais na alíquota a cada nova cidade atendida com voos regulares. Em 2016, a companhia passou a atender Ponta Grossa, mas com voos apenas para Campinas. A empresa pretende começar a operar os voos em novembro a partir de Pato Branco, mas depende do aval da Anac.
Mohr, da Fiep, pondera que uma política de desenvolvimento regional poderia ampliar os benefícios fiscais. “O governo acertou ao fomentar novas rotas. Mas agora poderia pensar em reduzir o ICMS para voos diretos entre cidades do Paraná. Esse é um atrativo para atração de indústrias e multinacionais”, observa o secretário-executivo. Ele reconhece que há bastante voos ligando o interior a São Paulo, mas ressalta que as empresas têm questões a resolver em Curitiba. “É na capital do estado que são resolvidos problemas burocráticos, questões trabalhistas, judiciais, tributárias”, resume.
A redução do ICMS no querosene de aviação, aplicado pelo Rio Grande do Sul em setembro de 2013, mostrou resultados positivos na época. O estado beneficiou companhias que ofertassem voos entre cidades gaúchas. Com isso, o número de passageiros transportados mais que triplicou: passou de 15,2 mil para 49,8 mil em 2014. Nos anos seguintes houve redução, por causa da recessão econômica, mas o estado continua com a política de incentivo fiscal para a aviação regional.
Sem concorrência, aéreas agem como querem
Governo e companhias aéreas dizem que a queda da demanda no interior está por trás da redução de voos intraestraduais, mas os dados da Anac apontam para outra realidade. Entre janeiro e agosto de 2013, 308,5 mil passageiros viajaram do interior do Paraná para Curitiba. No mesmo período de 2017, foram apenas 173,1 mil, uma variação de -44%. Por outro lado, os embarques de Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu e Cascavel com destino a São Paulo passaram de 538 mil para 682,7 mil, alta de 27%. Na média, considerando todas as origens, o número de passageiros que chegou ao estado de São Paulo aumentou apenas 9,3%.
O número de passageiros embarcados de São Paulo para Curitiba aumentou 13% no período, contra uma média de 10% de todos os destinos. Isso pode ser reflexo da nova realidade da malha paranaense: para chegar à capital, os passageiros do interior precisam fazer uma escala, aumentando o tempo de viagem e os custos envolvidos.
Em São Paulo, a alíquota do ICMS do querosene de aviação é de 25%, maior do que a praticada no Paraná. Mas há vantagem para as companhias concentrarem suas operações lá. “Quer seja Congonhas ou Campinas, vale a pena para a empresa aérea fazer conexão lá para depois levar do interior para a capital. Claro que prejudica o cliente, a sociedade. Mas as empresas tentam se equilibrar assim”, observa o professor de transporte aéreo da UFRJ Respício do Espírito Santo Junior. Ele ressalta que o ICMS tem influência sobre a operação, mas avalia que um problema mais grave é a falta de concorrência no setor aéreo.
“Temos quatro companhias, a Latam, Gol, Azul e Avianca, que são responsáveis por mais de 98% do transporte de passageiros no Brasil em âmbito doméstico. Elas que definem que rotas cortam ou deixam de cortar. Precisaríamos de aeronaves com oferta de assentos apropriada para as rotas regionais. Mas as quatro grandes têm outros interesses”, observa. Para o professor da UFRJ, a saída é abrir o mercado para multinacionais – hoje a participação do capital estrangeiro nas companhias áreas é limitado a 20%. Entretanto, é preciso haver definição de rotas, para que elas não atuem em mercados já saturados. Ele diz que o investidor estrangeiro é uma saída melhor do que incentivos públicos.
“Ninguém discute que ICMS é fator importante, cria uma desvantagem competitiva. Mas pode ter acontecido é que o ICMS, adicionado ao fator crise, prejudicou o Paraná”, observa o professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Alessandro V. M. Oliveira. Ele levanta ainda outro ponto: “Curitiba ficou de fora das privatizações de aeroportos, que atraem companhias porque imaginam que vão negociar melhor os contratos e ter mais liberdade de ação”. Oliveira também aponta para o risco de a capital paranaense não conseguir deslanchar a aviação. “A proximidade com São Paulo talvez atrapalhe. Se São Paulo crescer muito, é provável que Curitiba perca conexões”, acrescenta. Uma observação que causa arrepios no empresariado paranaense.
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