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As políticas que deveriam frear os crimes de feminicídio no Paraná ainda resvalam na resistência, no preconceito e na falta de estrutura de apoio às vítimas, alertam especialistas. De 2015 – ano em que a lei que tipifica este tipo de crime entrou em vigor – até a última segunda-feira (6), o Ministério Público do estado (MP-PR) dava conta de 555 inquéritos abertos para apurar o assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres. Destes, 474 já foram denunciados ao Poder Judiciário, incluindo o que relaciona o biólogo e professor Luiz Felipe Manvailer, de 32 anos, à morte da advogada Tatiane Spitzner, 29, em Guarapuava, no Centro-Sul paranaense, no último dia 22 de julho.

A suspeita é de que Tatiane tenha sido jogada pelo companheiro do 4º. andar do prédio onde eles moravam. O crime ganhou ainda mais impacto depois que imagens que mostram as agressões sofridas pela vítima momentos antes de morrer vieram à tona. Na sequência registrada pelas câmeras de segurança do prédio é possível ver o professor estapeando e chutando a mulher dentro do carro, na garagem e no elevador. Os vídeos ajudaram a embasar a denúncia oferecida pelas 10ª e da 12ª Promotorias de Justiça de Guarapuava, nesta segunda-feira (6).

O pedido é de que o professor seja julgado pelo crime de feminicídio e outras três qualificadoras: morte em meio cruel, por motivo torpe e dificultar defesa da vítima. Ele também foi denunciado pela prática dos crimes de cárcere privado, por ter impedido a saída da esposa do apartamento, e fraude processual, já que removeu o corpo da advogada do local do crime e tentou limpar as manchas de sangue deixadas no elevador. Em nota, a defesa de Manvailer disse que vai aguardar o resultado de exames periciais para se pronunciar, já que comentários nesse momento estarão “tratando de hipóteses especulativas, baseadas em fragmentos, que destoam de comprovação técnica científica”.

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Mas, independentemente de provas, o caso de Tatiane chocou o país e se somou a uma sucessão de casos que escancararam a vulnerabilidade das vítimas no Paraná. Dias depois da morte da advogada, um homem foi preso suspeito de matar a própria mulher a tiros, em um parque aquático de Irati, a 100 km de Guarapuava. O crime foi na frente dos dois filhos do casal. Na semana passada, a morte da jovem Renata Larissa dos Santos, de 22 anos, que ficou desaparecida por mais de dois meses na região metropolitana de Curitiba, foi atribuída a um policial militar que a matou depois de estuprá-la. Os abusos foram registrados em vídeos feitos pelo celular do soldado, que pode ter estuprado ao menos outras 11 mulheres do ano passado para cá.

Cruel, o cenário traduz muito mais do que a falta de um controle de segurança pública - tanto que a própria família de Tatiane Spitzner decidiu criar páginas no Facebook e no Instagram para se engajar na luta contra o feminicídio. De acordo com especialistas, a Lei Maria da Penha, que completou 12 anos nesta terça-feira (7), trouxe as políticas de combate à violência contra a mulher para um novo patamar, mas sua resposta efetiva depende de uma estrutura que ainda deixa a desejar. “As investigações sobre os crimes de feminicídio ainda são um desafio”, afirma a Promotora de Justiça Mariana Dias Mariano, coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero do MP-PR em Curitiba.

Segundo ela, por ser uma tipificação recente, os trabalhos contra o feminicídio ainda encontram entraves e resistências em todas as esferas de apuração, daí a necessidade de correr contra o tempo e trabalhar na conformação de diretrizes que ajudem a diminuir os desencontros e aumentar a efetividade das respostas.

O processo envolve desde o treinamento do olhar dos profissionais para o crime até a necessidade de fazer as equipes driblarem o preconceito e aceitarem a existência da morte de mulheres em condições específicas. “A gente ainda tem bastante desafio nesse sentido ate por uma questão de preconceito. Muitas pessoas ainda dizem que o fato de ser mulher não deve qualificar o crime. Realmente tem mais homicídios de homens, mas não ocorrem pelo fato de ser homem que está andando num lugar ermo, que não cumpriu as tarefas domésticas que deveria cumprir”, justifica Mariana Dias. “E também tem que ter a questão da consciência de quem está no início das investigações e de quem vai passar a interferir nisso mais tarde. Uma mulher que caiu de uma sacada, por exemplo; o fato de se questionar se ela real caiu ou se foi jogada dessa sacada é importantíssimo para não deixar de responsabilizar uma pessoa que matou”, acrescenta.

Antes de tudo, apoio

Se por um lado as falhas nas investigações continuam evidentes, por outro também é preciso reparar as brechas que fazem com que as situações de violência fujam ao controle e cheguem ao seu desfecho extremo.

De acordo com a promotora, embora seja nítida a intenção dos órgãos envolvidos de buscarem respostas mais efetivas, as políticas de apoio às vítimas não evoluem na mesma rapidez. “A gente tem muitas poucas casas de passagem, muitos poucos abrigos. A gente vê, no dia a dia, algumas vítimas que querem denunciar, mas não tem pra onde ir. É preciso melhorar essa estrutura também quando ela busca ajuda. Se não se acreditar na palavra da vítima no primeiro momento, essa vítima vai ficar vulnerável. Acolher essa vítima pode evitar um mal maior”.

Para a advogada criminalista Mariel Muraro, professora do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), não são poucas as mulheres que reclamam por não encontrarem o respaldo que esperam, até mesmo pela falta de agilidade em que os processos tramitam. “Nas diversas esferas do estado o que falta também é um número suficiente de pessoas para conseguir atender a demanda dessas mulheres”, alerta a professora, especialista em trabalhos de combate à violência contra a mulher.

No entanto, a advogada ressalta que os problemas não são apenas estruturais, uma vez que não é apenas a esfera penal que ajuda a evitar os casos de feminicídio.

De acordo com Mariel, a discussão do papel da mulher na sociedade é um passo importante para diminuir os índices de violência, enraizados também na educação e na cultura do poder. “Nos casos de feminicídio, a mulher ainda é tratada como objeto, ainda e vista como sujeito que não tem tantos direitos. O desejo da mulher não tem o mesmo valor do homem e isso leva a mulher a ser vítima de violência psicológica, física e que acaba resultando em casos mais graves”.

Com a aproximação das eleições, a professora orienta que este é um tema que precisa ser cobrado dos candidatos, principalmente no que diz respeito à implementação de políticas públicas. “Precisamos cobrar propostas de políticas públicas que deem mais valor às mulheres e que criem espaço para elas no mercado de trabalho, nos vários setores, e que esses espaços sejam igualitários”.

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Capacitações

A delegada Márcia Rejane Vieira Marcondes, da Coordenadora das Delegacias da Mulher (Codem), diz que há um grupo de trabalho mantido em conjunto com outros órgãos – como o Ministério Público e o Poder Judiciário – que caminha no sentido de adaptar as diretrizes nacionais ao contexto local. Isso, afirma, vai ajudar a facilitar o trabalho integrado das instituições envolvidas nas investigações dos casos de feminicídio no Paraná.

Conforme a delegada, ainda que não caiba à Polícia Civil fazer o suporte de assistência social e psicológica das vítimas, investigadores lotados nas 21 Delegacias da Mulher do estado passam por capacitações periódicas que ajudam a diminuir a repulsa das vítimas a esses locais. “Eles precisam entender que a mulher, quando ela esta sem situação de violência, ela não está na mesma condição de uma mulher que foi vítima de um roubo. A sensibilidade dela é outra. A gente sabe que nossos policiais têm preparo intelectual do ponto de vista policial e investigativo, mas temos que treinar essa sensibilidade com eles. Quanto a isso, estamos avançando sim”.

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