Coronel Audilene Rosa de Paula Dias Rocha , comandante-geral da PM-PR.| Foto: Jaelson Lucas/AEN-PR

Era uma manhã de sexta-feira, último dia 6. A coronel da Polícia Militar Audilene Rosa de Paula Dias Rocha se preparava para assistir à cerimônia de posse de Cida Borghetti (PP) no Palácio Iguaçu quando o celular tocou. Era a própria Cida do outro lado da linha. O desejo de Beto Richa (PSDB) de assumir uma cadeira no Senado abriu caminho para sua vice no Executivo estadual. Agora, Cida teria seis meses até as eleições para mostrar a que veio e, quem sabe, garantir um novo mandato, dessa vez inteirinho dela. Para um dos calcanhares de Aquiles do estado, não teve dúvida: acionou a amiga de longa, sua ex-chefe de segurança. “Ela me disse: ‘você será a minha comandante-geral [da PM do Paraná]’”. Era a primeira vez na história da corporação que uma mulher chegava ao posto máximo. Cinco dias depois ela estava em posição, empunhando uma espada à sombra de um sol escaldante, para assumir o comando de 21 mil homens (e mulheres) da força policial do estado.

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Já há um espaço na galeria de fotos da história paranaense para a cerimônia de troca de comando da PM da última quarta-feira (11), na Academia Militar do Guatupê, em São José dos Pinhais. Mas, se é preciso pulso firme para tal cargo, ele não pode ser engessado. Audilene terá muito mais trabalho a partir daí. Sobretudo para agradar trabalhadores que saem às ruas sem recursos, sem coletes balísticos adequados e com viaturas sucateadas. Do outro lado, precisará humanizar a imagem de uma PM ainda manchada pelo número alto de mortes e pela ação truculenta contra professores grevistas na “Batalha do Centro Cívico” – um episódio prestes a completar três anos. Uma operação, ironicamente, comandada por seu irmão, o coronel Arildo Luís Dias. Como se aprende na academia, não se aperta o gatilho sem estar atento ao coice da arma.

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Chefiar uma corporação majoritariamente masculina, onde a regra é ser durão, é tarefa árdua, claro. Mas Audilene, hoje aos 52 anos, nunca pegou atalhos. Nascida em uma família pobre em uma cidadezinha do noroeste do estado chamada Terra Rica – cuja população é cerca de três quartos do contingente da PM –, ela enxergou na carreira policial uma saída para a pobreza. Ainda nos primeiros anos, sua família mudou-se para Assis Chateaubriand. A caçula dos cinco irmãos, e única mulher, assumiu responsabilidades desde cedo. Pequena, ela subia em banquinhos para alcançar o fogão e a pia na cozinha. Enquanto via os policiais em ronda, sonhava em usar uma farda. Foi seu primeiro contato com a profissão. Mas seu primeiro uniforme foi a roupa batida usada na fabricação de tijolos em uma olaria caseira que sua mãe montou.

Foi também seu primeiro contato com o empoderamento feminino. “Minha mãe era uma mulher extraordinária e nunca teve problema em exercer um trabalho considerado de homem”, conta. “Ela fabricava e saía para vender tijolos, negociando com homens de igual para igual”.

Quando chegou à idade escolar, sua mãe não queria deixar a filha de lado. Para isso, atrasou em dois anos o estudo de um dos filhos. Assim, ele poderia acompanhar Audilene nos quatro quilômetros que separavam o sítio da escola rural em que estudavam. Essa foi a rotina até os 17 anos, quando decidiu encarar a cidade grande.

Audilene veio para Curitiba depois que um dos irmãos, Alvacir, se tornou soldado da PM. Ele viu as vagas para mulheres e incentivou a irmã a ingressar na corporação. Naquele ano, 1985, Audilene entrava em uma polícia ainda essencialmente masculina. “Logo no início, eles [população e policiais] não estavam acostumados com mulheres. Havia eventos em que todos eram surpreendidos. Fui a primeira mulher em muitas coisas. Fui a primeira e ir em uma operação de reintegração de posse, por exemplo”, relembra. Ela diz sempre ter se imposto contra o machismo. Às vezes fisicamente. “Eu tive uma ocorrência em uma sorveteria quando eu era segundo-tenente. O sujeito que era o manda-chuva do bairro, que todo mundo temia, empurrou uma senhora que estava com oito meses de gravidez. Eu estava à paisana. Quando ele soube que eu era policial, veio em minha direção, tentando me agredir. Dei uma chave-de-braço, um calço, joguei ele no chão e imobilizei. Tinha muitas pessoas em volta e elas ficaram na grade vibrando. Eu tinha 52 quilos, enquanto ele tinha 1,90 de altura e trabalhava carregando sacos. Então era muito forte”, conta.

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Com tanta energia, não demorou para Audilene comandar batalhões. São muitos no currículo: chefiou o Estado Maior da Polícia Militar, a terceira estrutura da PM do Paraná, foi chefe do 3º Comando Regional de Maringá, comandou interinamente o 8º Batalhão de Paranavaí e passou pelo Pelotão de Trânsito do 4º Batalhão de Maringá, onde foi chefe da Seção de Inteligência, sendo a primeira mulher a atuar na função. Na sua trajetória, se especializou em Segurança Pública e em Direito. E em gestão de pessoas – fundamental para sua atual função.

Foi em atividade que se aproximou de Cida Borghetti. As duas se conheceram no final da década de 1980, logo que Ricardo Barros (PP), marido da governadora (ainda fora da carreira política), havia sido eleito prefeito de Maringá. “Ela se casou com ele e foi para Maringá, ser primeira-dama. Houve um problema e eu fui designada para resolver. Foi aí que nos aproximamos. Ela sempre acompanhou meu trabalho, sempre viu meu profissionalismo e eu também a respeito e admiro muito. É uma grande mulher, uma grande profissional, sempre muito preocupada com o ser humano”, diz em tom amistoso a comandante-geral.

A amizade atravessou os planaltos. Em 2014, Cida convidou Audilene para chefiar sua segurança. Com tanta proximidade, não era surpresa que seu nome estivesse cotado para o comando-geral quando a progressista se tornasse governadora – uma hipótese que já vinha sendo ventilada há tempos. “A expectativa havia, mas eu não sabia se seria chamada para comandar a polícia, se seria convidada para ser a secretária-chefe da Casa Militar. Eu não sabia qual seria a minha função”, conta.

Era a mais importante: do ponto de vista organizacional e de luta feminina. Pela primeira vez em 163 anos a PM paranaense teria uma mulher em sua cadeira mais nobre. E é, ainda hoje, um dos poucos nomes femininos no Brasil a figurar nos cargos de chefia da polícia. “No Brasil, apenas duas mulheres assumiram esse posto. A comandante vai trazer a serenidade, a determinação, o compromisso e a força da mulher para a polícia do Paraná”, destacou a governadora pouco antes da cerimônia de troca de comando.

Ainda assim, seu tom é apaziguador para a corporação. “O machismo não é um problema na PM. É um problema da sociedade brasileira. É mundial. Eu nunca me preocupei se haveria uma barreira por ser mulher. Minha preocupação nunca foi essa”, diz. “Meu grande desafio sou eu mesma. Não me preocupo se eu tenho que superar homens ou mulheres. Na corporação existe disciplina e hierarquia. E quando você assume um cargo de chefia e de comando, sempre tem crítica, independente de ser homem ou mulher”. É uma fala quase política.

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E como há que se fazer boa política. A nova comandante-geral herda uma polícia militar com sérios problemas, agravados principalmente nos últimos anos. Notícias de falta de coletes balísticos (ou fora do prazo de validade) pipocaram nos veículos de comunicação. Também são constantes as reclamações sobre viaturas sucateadas. “Sair todo dia encarando a falta de equipamento adequado mexe com a cabeça de quem está na rua. Olha a desvantagem em relação ao bandido”, disse na condição de anonimato um policial militar na ativa.

A solução está acima do comando, é claro, já que depende de orçamento disponibilizado pelo estado para a segurança pública. Mas é na sala de Audilene Rocha, no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, no Rebouças, que as reclamações vão chegar. “Na segurança pública, você nunca consegue completar. Ela é dinâmica. Quando você resolve um problema, sempre surge outro. Queremos acompanhar e dar condições de trabalho aos PMs para planejamento, análise criminal e estatística. Vamos continuar trabalhando pela melhoria da prestação do serviço”, ressaltou. “Queremos buscar cada vez mais autonomia para algumas decisões da corporação e atender às principais reivindicações dos policiais, que são viaturas adequadas, coletes à prova de bala e armamento portátil. Mas sabemos que isso fica atrelado às questões financeiras e orçamentárias”, apontou.

O risco para os trabalhadores é a questão mais delicada. Mas há outro ponto. Audilene precisa resgatar a confiança em uma polícia militar tida como truculenta. Dados levantados pelo blog Caixa Zero, da Gazeta do Povo, mostram que o Paraná teve 144 casos de confrontos policiais com morte no primeiro semestre de 2017. Em 2016, quando o primeiro semestre foi semelhante, com 149 casos, o ano terminou com 253 mortes em confronto. Some-se a isso casos emblemáticos, como a mancha deixada em abril de 2015, na chamada “Batalha do Centro Cívico”. Tropas policiais avançaram contra professores grevistas durante uma votação na Assembleia Legislativa. O saldo do massacre foi de 237 feridos: 213 manifestantes, 3 profissionais de imprensa, 1 deputado e 20 policiais. “O problema é que, embora o discurso seja de humanização da polícia, as pessoas no comando não mudaram, só trocaram de posto”, disse uma fonte ligada ao comando, em condição de anonimato. Um dos irmãos da nova comandante-geral, o Coronel Arildo, foi o responsável por chefiar a operação do centro Cívico. Ele chegou a ser processado pelo Ministério Público, mas foi absolvido. Hoje é o subcomandante de Audilene. Ela não falou sobre o assunto até o fechamento da reportagem.

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É um jogo que não aceita iniciantes. Enquanto Cida Borghetti rasgava elogios à comandante-geral para um batalhão de jornalistas, momentos antes da troca de comando, Audilene ainda passava despercebida por aquela massa humana. Algo que, a partir de agora, não voltará a se repetir tão cedo (ao menos nos próximos meses). Os holofotes estão nela. Haja segurança. “Está nervosa?”, pergunto em um tom informal, de conversa. “Até agora não estava, mas agora estou”, diz, com um sorriso meio tímido.