Uma das consequências da recente homologação do acordo de colaboração premiada do empresário Eduardo Lopes de Souza, na esteira da Operação Quadro Negro, pode ser a abertura de uma investigação para apurar qual o envolvimento do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), com os fatos narrados pelo delator. Se a apuração for iniciada, o tucano se tornará, pela quarta vez, alvo de um inquérito criminal em Brasília.
Réu da Quadro Negro em processos que tramitam no Paraná, Lopes de Souza recorreu a investigadores da Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília, para relatar que nomes de políticos com mandato e, portanto, com foro especial, foram os principais beneficiados do esquema que tirou ao menos R$ 18 milhões inicialmente previstos para a construção e reforma de escolas públicas, durante o primeiro mandato de Beto Richa no governo do Paraná.
Nas páginas da delação, homologada no início do mês pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), o nome do governador do estado é citado ao longo de praticamente todo o conteúdo. Lopes de Souza sustenta que a maior parte do dinheiro que ilegalmente repassou a Maurício Fanini, então diretor na Secretaria da Educação e amigo de Beto Richa, seria destinado a um caixa 2 da campanha de reeleição do tucano, em 2014: teriam sido, no cálculo do empresário, cerca de R$ 12 milhões. “Fanini disse que só tinha uma pessoa para quem ele prestava contas, que era o governador Beto Richa. Ele dizia “eu só tenho um senhor” (...)”, contou Lopes de Souza às autoridades.
LEIA TAMBÉM: Defesa tenta tirar da prisão ex-diretor da Seed envolvido na Quadro Negro
Beto Richa nega veementemente: “Nunca estive com ele, nunca pedi nada para ele, nunca autorizei ninguém que pedisse alguma coisa para ele”, disse o tucano à imprensa, ao ser questionado sobre o conteúdo da delação. Até aqui, Maurício Fanini, que está atualmente preso em decorrência da Quadro Negro, também vem negando ter cometido crimes durante seu período na pasta da Educação.
“O Fanini tinha me contado que em certa ocasião teria comentado com o governador Beto Richa, durante uma partida de tênis, que havia algumas empresas, dentre elas a Valor Construtora, que estariam “ajudando” e que seriam necessários alguns aditivos nos contratos dessas empresas. Ele disse que o governador perguntou “são de confiança, né?”, no que ele respondeu que sim. Então, o governador deu o ok”, falou Lopes de Souza aos investigadores da PGR.
Em outro trecho da delação, o dono da Valor Construtora comenta que “não tem como o governador dizer que não sabia o que se passava” e ainda sustenta que, durante outro diálogo com Fanini, soube que o próprio Richa teria alertado o ex-diretor da Secretaria da Educação sobre a deflagração da Operação Quadro Negro, em meados de 2015, pelo Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), da Polícia Civil do Paraná. “Numa dessas conversas ele me contou que o governador tinha lhe avisado (...) e, portanto, era para o Fanini “limpar” as coisas dele”, afirmou Lopes de Souza.
Políticos citados
Outros nomes da cúpula da política paranaense também estão na delação de Lopes de Souza: os deputados estaduais Ademar Traiano (PSDB), Plauto Miró (DEM) e Tiago Amaral (PSB); o deputado federal licenciado Valdir Rossoni (PSDB), atual secretário-chefe da Casa Civil de Beto Richa; e o presidente do Tribunal de Contas do Paraná, Durval Amaral. Todos negam terem se beneficiado com dinheiro ilegal.
Os cinco nomes, contudo, já são alvos de investigação mesmo antes da homologação da delação de Lopes de Souza pelo STF. Outros delatores da Quadro Negro – como ex-sócias laranjas da Valor Construtora – já haviam apontado o envolvimento das mesmas autoridades, gerando a abertura de inquéritos criminais. Todas as investigações correm de forma sigilosa. No caso de Beto Richa, a PGR não confirma à imprensa se houve uma abertura de inquérito específica contra o tucano.
Em 2 de março de 2017, o então vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, ao pedir para o STJ a abertura de inquérito sobre a relação entre o conselheiro Durval Amaral e a Quadro Negro, informou que ainda não era o momento de pedir a mesma investigação contra o governador do Paraná.
“Por outro lado, no tocante à menção ao governador do Paraná Carlos Alberto Richa, é prudente que se aguarde a realização das diligências investigatórias iniciais, tendo em vista que a citação ao seu nome deu-se de forma lacônica e desacompanhada de qualquer outro elemento indiciário”, escreveu Borges de Andrada na ocasião, em referência aos depoimentos de duas ex-sócias da Valor Construtora, Vanessa Domingues de Oliveira e Tatiane de Souza.
Na época, ainda não havia o acordo de colaboração premiada entre a PGR e o empresário Lopes de Souza, que posteriormente também mencionou Durval Amaral. Agora, o conteúdo da delação do empresário e os elementos levados por ele aos investigadores também podem ser acrescentados ao inquérito que trata do conselheiro.
Inquéritos no STJ
No STJ, Beto Richa já é alvo de três inquéritos, dois deles também tratam de suposto dinheiro ilegal para a campanha eleitoral de 2014.
Na Operação Publicano, o ex-auditor fiscal Luiz Antônio de Souza, que firmou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR), sustenta que parte da propina arrecadada no âmbito da Receita Estadual foi parar no caixa 2 de Beto Richa. Já na Operação Lava Jato, delatores da Odebrecht relatam repasses a pessoas ligadas ao tucano. Um terceiro inquérito foi aberto para apurar supostos interesses pessoais do governador tucano na concessão de licenças concedidas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão do governo estadual.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”