Prestes a completar três anos nos holofotes, o desvio de dinheiro destinado a obras de escolas, batizado de Operação Quadro Negro, chega a um momento crucial. Considerado o pivô do escândalo de corrupção, o engenheiro civil Maurício Fanini pode deixar a prisão, em Brasília, a qualquer momento, na esteira de um acordo de colaboração premiada que vem sendo desenhado desde o final do ano passado com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Além disso, Fanini vai se submeter a uma espécie de “reinterrogatório” em breve, no âmbito da principal ação penal da Quadro Negro, em trâmite na 9ª Vara Criminal de Curitiba desde janeiro de 2016. Desta vez, por estar na posição de quem pretenderia colaborar com o caso, Fanini não deve ficar em silêncio.
Salvo mudanças de última hora, o depoimento de Fanini está marcado para ocorrer no próximo dia 30, na 2ª Vara de Precatórios do Distrito Federal, em Brasília. A transferência – de Curitiba para a capital federal – ocorreu no início de maio, a pedido da PGR, que alegou motivos de segurança.
Embora o conteúdo das delações permaneça em sigilo, fonte da Gazeta do Povo, ligada a Fanini, confirma que os relatos acabam corroborando com a colaboração de outro réu do processo, Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor Construtora. A delação do empresário, feita com a PGR, foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro do ano passado. Os principais trechos foram divulgados na época pela imprensa: em 25 anexos, o equivalente a cerca de 40 páginas, o empresário narra em detalhes o que seria o esquema de corrupção e as figuras envolvidas.
Recentemente, Eduardo Lopes de Souza voltou a repetir o que já tinha dito à PGR, durante seu “reinterrogatório” naquela mesma ação penal na qual Fanini prestará depoimento em breve. Somente Fanini é citado 134 vezes na delação que o empresário fez a autoridades de Brasília.
No cargo de diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Secretaria da Educação entre 2011 e 2014, Fanini seria o responsável pela ponte entre empresários e políticos para fraudar contratos e desviar dinheiro, daí a natureza supostamente “bombástica” da delação do engenheiro civil. “Fanini dizia que nenhuma medição de qualquer obra da Secretaria da Educação era autorizada por ele sem que tivesse pagamento de propina”, disse o dono da Valor à PGR.
Parte dos recursos teria ido parar na campanha eleitoral de 2014 do então governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). O tucano nega e tem dito que o delator mente para obter benefícios. Outros nomes da cúpula política paranaense – do deputado federal Valdir Rossoni (PSDB) e do deputado estadual Ademar Traiano (PSDB), entre outros – também estão na narrativa do empresário. A dupla de tucanos rechaça o conteúdo da delação.
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Eduardo Lopes de Souza descreve na sua delação conversas e encontros (pessoalmente e por telefone) que ele próprio teria tido com Rossoni e Traiano (e também com pessoas ligadas aos parlamentares). Mas o empresário, ao falar de Beto Richa, o menciona indiretamente, principalmente “na voz” de Fanini.
“Quando a coisa começou a acontecer mesmo na Seed [Secretaria da Educação], eu me afastei um pouco do deputado Rossoni, porque o Fanini disse que só tinha uma pessoa para quem ele prestava contas, que era o governador Beto Richa”, contou Eduardo Lopes de Souza, como consta na sua delação, obtida pela Gazeta do Povo, em setembro do ano passado. “Fanini dizia que só tinha um senhor”, continuou o empresário.
Richa teria avisado Fanini sobre Quadro Negro
Eduardo Lopes de Souza disse aos investigadores, por exemplo, que Fanini foi avisado pelo próprio governador do Paraná, em meados de 2015, sobre a iminente deflagração da Operação Quadro Negro, a cargo na época do Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), que é ligado à Polícia Civil – no final daquele ano, o caso passou para as mãos do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR).
“Eu conversei com o Fanini umas quatro ou cinco vezes após a exoneração dele, em junho de 2015. Numa dessas conversas ele me contou que o governador Beto Richa tinha lhe avisado que o Nurce faria uma operação policial relativa aos desvios nas obras da Valor na Seed [Secretaria da Educação], na qual seriam realizadas buscas e apreensões e, portanto, era para o Fanini ‘limpar’ as coisas dele, especialmente tudo que se relacionasse a dinheiro e que o ligasse ao governador. O Fanini falou para eu fazer a mesma coisa e então eu fiz uma limpa na Valor. Eu tinha anotações sobre os repasses até então feitos aos agentes públicos e me livrei de tudo”, revelou Eduardo Lopes de Souza aos investigadores.
Ao longo das quase 40 páginas da delação, Beto Richa é citado 25 vezes pelo empresário. Rossoni aparece 39 vezes; Traiano surge em 28 situações.
Dinheiro para campanha
Na narrativa do empresário, Fanini seria o “administrador” do dinheiro desviado, definindo o destino dos recursos. “Ele [Fanini] disse que a gente ia fazer várias antecipações de medições, mesmo sem a obra ser executada, como forma de arrecadar dinheiro para o caixa da campanha do governador”, resumiu Eduardo Lopes de Souza. “Nesse esquema eu entreguei para o Fanini cerca de R$ 12 milhões desviados das obras da Valor na Seed [Secretaria da Educação] para serem destinados à reeleição”, relatou o empresário à PGR, se referindo à campanha de 2014.
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Já em janeiro de 2015, ainda de acordo com o delator, a “arrecadação” já estaria sendo feita a pretexto da campanha eleitoral de 2018. “O Fanini me chamou (...) e me disse ‘tive uma reunião com o governador e a gente vai ter que dar R$ 100 mil por mês para ele, porque o Beto vai ser candidato a senador, o Pepe [Richa] vai ser candidato a deputado federal e o Marcelo [Richa] a deputado estadual’. Eu concordei e, a partir de janeiro de 2015, repassei ao Fanini, a pretexto de colaboração para aquelas campanhas, a quantia de R$ 100 mil, mensalmente, até o mês anterior ao da sua exoneração, em junho de 2015, quando ele deixou o governo estadual”, acrescentou o empresário aos investigadores de Brasília.
Relação próxima
Fanini também é peça central na investigação em função da relação próxima que ele detinha com Beto Richa, desde os tempos de faculdade, passando pela prefeitura de Curitiba, até a ensaiada nomeação para a Fundepar, autarquia ligada à Secretaria da Educação. “Com a criação da Fundepar, o Fanini ficaria com poder muito maior para fazer as contratações e os pagamentos, e o esquema de desvio de dinheiro ficaria muito mais fácil”, afirmou Eduardo Lopes de Souza na sua delação.
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“Ele [Fanini] dizia que era amigo pessoal do governador, com quem jogava tênis frequentemente e as famílias se frequentavam mutuamente. Mas parece que a proximidade entre eles deriva principalmente da relação de sua esposa [Betina] com a primeira dama [Fernanda]. (...) Algum tempo depois, surgiu o comentário de que o governador faria uma ‘viagem da vitória’ e que o único que teria sido convidado para ir com ele teria sido o Fanini. Posteriormente, eu conversei com o Fanini e ele confirmou que em novembro 2014 iria viajar com o governador e as respectivas esposas para o Caribe e Miami, nos Estados Unidos. Ele inclusive pediu 20 mil dólares para mim, porque ia viajar. Eu comprei um total de 40 mil dólares”, disse o dono da Valor.
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