O impasse que se formou em torno do “mercado de sangue” atinge diretamente mais de 1,5 mil paranaenses que possuem algum tipo de “coagulopatia hereditária”, e dependem de forma permanente dos remédios ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Os remédios são obtidos pelo Ministério da Saúde principalmente a partir de contratos com a Hemobrás, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia constituída em Pernambuco, no ano de 2004, que está no centro de uma novela que se arrasta desde julho deste ano. Na ocasião, o Ministério da Saúde resolveu suspender a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) que a Hemobrás mantém desde 2012 com a Shire Farmacêutica Brasil para a produção e transferência de tecnologia referente ao “fator VIII recombinante”, um medicamento essencial para pacientes com “hemofilia A”.
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O chamado “Fator VIII” é um medicamento que pode ser produzido através do plasma (e a matéria-prima é o próprio sangue humano) ou através de uma engenharia genética, quando se utiliza o “sangue sintético”, transformado justamente no “Fator VIII recombinante”.
No Paraná, os medicamentos são entregues quase que quinzenalmente pelo SUS ao Centro de Hematologia e Hemoterapia, o Hemepar, que possui 22 unidades espalhadas em todo o estado, com maior ou menor estrutura clínica, dependendo do número de pacientes que vivem na região. “Nós temos um cadastro de pacientes e é desta forma que planejamos anualmente a quantidade de remédios que pedimos ao SUS”, explica Paulo Hatschbach, diretor do Hemepar.
São três as coagulopatias hereditárias mais comuns: a hemofilia A, a hemofilia B e a doença de von Willebrand. No caso do Paraná, o cadastro de pacientes do Hemepar hoje registra 668 pacientes com hemofilia A, 141 com hemofilia B e 620 com doença de von Willebrand. Em todo o país, de acordo com dados fornecidos à Gazeta do Povo pela Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), são cerca de 10 mil pacientes com hemofilia A, aproximadamente 2 mil com hemofilia B e mais de 7 mil com doença de von Willebrand.
Custos elevados
Os medicamentos utilizados no tratamento das coagulopatias hereditárias têm custo elevado e trata-se de um mercado hoje dominado por laboratórios estrangeiros. Tanto que a Hemobrás, desde sua constituição, tem estabelecido as chamadas Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) com grupos privados estrangeiros para aos poucos receber a tecnologia e, até a conclusão da transferência, garantir o fornecimento de medicamentos ao SUS. É justamente uma dessas PDPs que está hoje no centro da polêmica envolvendo o ministro da Saúde, Ricardo Barros.
Na avaliação do ministro, após cinco anos de PDP, não houve evolução satisfatória na transferência de tecnologia, daí a suspensão. A Shire já fez uma proposta de readequação da PDP, considerada vantajosa pela Hemobrás, mas a pasta da Saúde alega que ainda examina o caso. Enquanto isso, duas liminares da Justiça Federal (uma do Distrito Federal e outra de Pernambuco), além de um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), já determinaram que a PDP seja mantida, inclusive por razões de economicidade. Mas a Shire sustenta que o ministro da Saúde tem ignorado as decisões.
O último contrato feito pelo Ministério da Saúde no âmbito da PDP suspensa – e que envolve cerca de R$ 300 milhões – garante o fornecimento do medicamento até fevereiro de 2018. Em setembro, o Ministério da Saúde abriu um processo licitatório para compra do “Fator VIII recombinante”, com a intenção de “cobrir” o primeiro semestre do ano que vem até a conclusão do reexame da PDP. Mas a licitação ainda está em andamento.
“Nós tivemos uma redução no número de medicamentos durante um período ali entre 2015 e 2016, quando houve aquela auditoria na Hemobrás, mas nada que chegasse a atrapalhar no tratamento dos pacientes. Desde então, não houve problema nenhum. Temos recebido os medicamentos normalmente e o Ministério da Saúde está ciente da importância [da entrega regular] para os pacientes. Acho que não há risco de desabastecimento”, disse Paulo Hatschbach, diretor do Hemepar.
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Proposta do Tecpar
O ministro da Saúde já recebeu uma proposta do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) para transferir parte da produção de hemoderivados hoje concentrada em Pernambuco para a cidade de Maringá, através de uma parceria com outra gigante farmacêutica, a suíça Octapharma.
A ideia ventilada seria transferir a produção do “Fator VIII recombinante” para o Paraná, deixando a Hemobrás com a produção dos demais hemoderivados, como “Fator VIII (plasmático)”, “Fator IX” (para tratamento de hemofilia B) e “Fator de von Willebrand”.
A Hemobrás tem resistido à mudança. Entre outros motivos porque, dentro do seu portfólio, o medicamento “Fator VIII recombinante” é financeiramente o mais vantajoso para a empresa pública. Assim, tirá-lo do seu leque de produtos poderia levar a Hemobrás à falência, na visão da própria estatal.
De acordo com Paulo Hatschbach, diretor do Hemepar, “a tendência é o uso cada vez maior do recombinante pelos pacientes”. “Ele é mais caro sim, mas, clinicamente, a qualidade dele é maior”, afirma.
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