Escolhido para comandar o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) no biênio 2019/2020, o decano da Corte, conselheiro Nestor Baptista assume a presidência nesta quarta-feira (23) prometendo apertar a fiscalização de licitações, das contratações públicas com o Terceiro Setor e em ampliar o apoio aos servidores públicos que atuam na prestação de contas.
Além de Baptista também assumem os novos postos o vice-presidente do TCE-PR, conselheiro Fabio Camargo, e o corregedor-geral, conselheiro Ivens Linhares.
Nascido em Ponta Grossa, Baptista tem 70 anos, é advogado e jornalista. Na vida pública foi deputado estadual entre os anos de 1979 e 1989, quando foi nomeado conselheiro do TCE-PR. Na corte, assumiu a presidência em duas oportunidades anteriores, nos biênios 1994/1995 e 2007/2008. Também esteve na vice-presidência do Tribunal em três mandatos e na Corregedoria-Geral em outros dois.
Principal responsável pelo orçamento de R$ 481 milhões separados para a Corte de Contas em 2019 (o equivalente a 1,9% das receitas do Estado) e por fiscalizar os gastos da máquina pública, Nestor Baptista concedeu entrevista à Gazeta do Povo na qual comentou pedidos e sugestões recentes pela redução nos percentuais destinados ao Legislativo e Judiciário e teceu críticas ao software da Secretara da Fazenda, pedra no sapato da vez do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) .
Confira a entrevista:
Temos uma série de questões sendo discutidas neste momento com relação justamente às contas públicas, uso de dinheiro, fala-se em tentar redução orçamentária dos poderes. Como o senhor avalia essas movimentações? Como o Tribunal poderia colaborar nessa discussão?
Primeiramente, eu devo dizer para você que ninguém gosta de ver o seu orçamento reduzido. Mas, ao mesmo tempo, nós temos que olhar com olhos de ver. Por exemplo, nós sabemos que hoje o Rio de Janeiro está completamente falido, nós sabemos que o Rio Grande do Sul há anos vem sofrendo e muito porque não tem dinheiro para pagar a sua folha. Outros estados estão na mesma situação e agora o estado de Goiás também declarou calamidade financeira. Eu tenho a impressão de que todos nós, Executivo, Legislativo, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas, temos que ter um horizonte definido e nos preocupar com o estado do Paraná. O que for melhor para o estado será melhor para todos, essa é a minha opinião.
Mesmo que seja uma redução orçamentária?
Olha, mesmo que seja. Eu acredito que vai ser até difícil reduzir (porque nós temos um orçamento próprio que é vinculado ao orçamento da Assembleia), porém acho que devemos conversar e conversar muito. Se houver essa necessidade eu tenho a impressão de que o tribunal vai colaborar com o Executivo, que sabe do aperto financeiro que vive o país.
O governador fala em dificuldades com o sistema da Fazenda [Sistema Integrado de Fianças Publicas do Paraná, SIAF], essas dificuldades alegadas já apareciam em momentos anteriores?
O sistema, o SIAF, da Secretaria da Fazenda, já desde 2014 vem apresentando problemas. Nós inclusive – eu e a minha equipe – fiscalizávamos a Secretaria da Fazenda e tínhamos muita dificuldade, mas muita dificuldade, para obtenção de dados. Chegamos a ceder um dos melhores funcionários do Tribunal de Contas para auxiliar na Secretaria da Fazenda a melhorar o sistema, a dar transparência ao sistema.
Eu me recordo que 2016/2017 o secretário da época [Mauro Ricardo Costa] contratou duas empresas para melhorar o sistema SIAF para que ele fosse aberto, para que todos pudéssemos consultar e ter um acompanhamento, e já no início de 2017 o sistema voltou a falhar. As empresas diziam que trabalharam dois ou três meses e não receberam. Nós consultamos na época a Celepar, que disse que não tinha condições de implantar o sistema na Secretaria da Fazenda, o que – para mim – representou uma piada pronta. Ora, se a Celepar não tem condições de trabalhar na implantação de um sistema, ela que só trabalha com tecnologia, com área de informática, com a modernidade tecnológica, eu é que não poderia fazer esse trabalho. Então, quando o governador fala que não tem acesso ao sistema é verdade, porque as empresas abandonaram o trabalho e a Secretaria da Fazenda praticamente ignorou naquele período [veja o que diz o governo anterior].
Eu acredito que vai ser até difícil reduzir (porque nós temos um orçamento próprio que é vinculado ao orçamento da Assembleia), porém acho que devemos conversar e conversar muito. Se houver essa necessidade eu tenho a impressão de que o tribunal vai colaborar com o Executivo, que sabe do aperto financeiro que vive o país
E, convenhamos, uma secretaria poderosa como a Secretaria da Fazenda, com um secretário que foi trazido de fora por causa da sua alta capacitação técnica e um conhecedor profundo dessa área, é inadmissível que essas falhas possam ter ocorrido. Então, o que o governador falou agora é verdadeiro, mas o tribunal já apontou isso em 2014, em 2015, 2016, na prestação de contas, fez determinações, recomendações. Aliás, após a determinação do Tribunal de Contas é que as pessoas foram contratadas para resolver o problema do SIAF, ou seja, do Sistema da Secretaria da Fazenda; e não resolveu.
O senhor acredita que ainda é possível uma solução a partir desse sistema – mesmo com tantas falhas, há tanto tempo?
Eu confesso a você que eu não conheço o atual secretário da Fazenda [Renê de Oliveira Garcia Junior] trazido como um cidadão profundo conhecedor da área. Nos primeiros passos dentro da secretaria ele já detectou inúmeras falhas [...], então eu espero que ele realmente possa resolver. Eu acredito, mas com muita tranquilidade, que se houver boa vontade (me parece que o governador assim se manifestou), boa vontade política, boa vontade para com a população do Paraná, para a sua própria segurança como governador, o sistema tem que ser resolvido imediatamente para que a população possa ter esse acompanhamento.
Pode ter problemas inclusive com financiamentos, convênios com a União, repasses financeiros. Porque se o Estado não tem transparência no seu sistema financeiro, ele pode ser considerado um estado inadimplente, e como inadimplente pode ter dificuldades com a União, com o Tesouro Nacional, etc.
Quais seriam as prioridades do TCE nesse momento? Alguma área do estado merece mais atenção?
Se a gente não tiver sonho, a gente está aniquilando parte do futuro, então nós temos que sonhar agora para poder realizar daqui para frente. Em 2008, eu estava na presidência, criei a Escola de Gestão Pública do Tribunal. Pela escola passaram quase 250 mil pessoas [servidores públicos que passaram pela escola]; a primeira turma de graduação em gestão pública, nós escolhemos os municípios mais pobres das proximidades de Curitiba até Irati, para capacitação - municípios como Dr. Ulisses, Palmeira, Ipiranga, Teixeira Soares, nós quisemos ajudar os pequenos municípios. [...] Vou fazer um foco novamente com graduação, pós-graduação, é o primeiro passo.
O segundo que é um problema seríssimo no país: área de licitações. Exemplo: licitação de ônibus (agora recentemente tivemos problema com a licitação de ônibus de Londrina); questão do lixo, a coleta de lixo é um negócio muito sério pelo acompanhamento, quantas toneladas que são recolhidas, quem fiscaliza, como fiscaliza, o edital de licitação como estava feito. Vamos acompanhar isso com inspeções, com equipes trabalhando já nos editais para evitar fraude. [...]
O Terceiro Setor, que está tão falado e voltou a ser falado novamente, vai merecer uma atenção muito grande do Tribunal de Contas. Já em 2006 eu propus a realização de várias auditorias. Nacionalmente, agora, tivermos ONGs que praticamente desviaram R$ 22 bilhões dos cofres públicos - são dados do TCU. Aqui no Paraná, OCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público) tiveram 81 processos julgados pelo Tribunal de Contas, desvios de R$ 196 milhões; já encaminhamos para o Ministério Público, já tem ações na Justiça Federal, porque a maior parte de desvio é dinheiro da área de saúde, há ações também tramitando no Tribunal de Justiça. É um espanto e nós vamos voltar a falar desse assunto. No ano passado, o nosso procurador-geral, Dr. Azambuja Berti [Flávio de Azmbuja Berti, do Ministério Público de Contas], detectou as maiores prefeituras do Paraná, selecionou umas 50, todas contratando empresas que, para burlar o concurso, contratavam mão de obra num montante que chegava aproximadamente – naquelas cidades – a R$ 250 milhões, sem concurso, é contratação direta e nós vamos centrar o foco nessa situação também.
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