Até 15 de agosto, prazo final para homologação das candidaturas oficiais nos tribunais eleitorais, vale quase tudo na internet, segundo a minirreforma na legislação aprovada no Congresso em 2015. A avaliação é de especialistas consultados pela Gazeta do Povo.
A pré-campanha que antecede a corrida propriamente dita é regulada pelo artigo 36-A da lei eleitoral (Lei 9.504/1997) e, pelo entendimento majoritário, propaganda antecipada não configura infração, desde que não envolva pedido explícito de voto, para si ou para outros. Para os congressistas e a Justiça Eleitoral, a sociedade precisa ouvir e discutir propostas e ideias antes do pleito porque esse panorama é próprio do sistema democrático. É o que permite que os pré-candidatos ao governo do Paraná, por exemplo, continuem publicando as próprias agendas, reuniões e conteúdo elogioso nas redes sociais.
Essa liberdade imaginada foi contestada pela primeira vez em 2016, na eleição municipal, e motivou uma reflexão ainda mais profunda por parte da Justiça Eleitoral em junho deste ano. As preocupações se direcionam principalmente na utilização de materiais de grande impacto visual de diversos tamanhos (banners, outdoors, faixas), proibidos na campanha oficial, e o uso desmesurado de recursos financeiros com impulsionamento de mensagens nas redes sociais.
Desde então, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) programou algumas diretrizes para entendimento dos tribunais regionais, um meio-termo entre liberdade de expressão e igualdade de oportunidades para os pré-candidatos. Ou seja, o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, configura propaganda antecipada irregular independentemente da forma utilizada ou da existência de recursos, mas atos publicitários não eleitorais sem conteúdos relacionados (direta ou indiretamente) com a disputa consistem em “indiferentes eleitorais”.
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Nesse ponto o TSE encontrou algumas exigências. As exaltações de qualidades próprias para o exercício do mandato e a divulgação de plataformas de campanha ou plano de governo precisam atender a alguns parâmetros, sobretudo quando há uma expressão econômica minimamente relevante. O voto do ministro Luiz Fux diz que a utilização de formas proibidas durante o período oficial de campanha, como outdoors e brindes, deve ser vetada, com respeito ao alcance das possibilidades do que se convencionou chamar de “pré-candidato médio”, com punições de eventuais excessos sob o viés do abuso de poder econômico. Mas a extensão desse “pré-candidato médio” ainda é incerta.
“Até 2015 a lei era muito rígida com a pré-campanha. Havia uma ficção de que a eleição, as candidaturas, brotavam espontaneamente no dia do registro, que a sociedade não debatia antes. O Congresso flexibilizou isso. As pessoas podem se manifestar inclusive nas redes sociais sobre as pré-candidaturas, podem se afirmar, criticar a gestão, afirmar propostas”, explica o advogado Fernando Neisser, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, que trabalhou na campanha de Fernando Haddad (PT) à prefeitura de São Paulo em 2016.
“Quando entrou em vigor esse entendimento, os tribunais eleitorais ficaram muito apreensivos. Muitos bateram de frente com a nova lei. Tem a questão do pedido subliminar de voto. Com essa decisão de junho do TSE, veio a inovação: se houver ‘cheiro de eleição’ valerá o conjunto de regras da campanha em relação ao tamanho de placa, material impresso, etc.”
Dessa maneira, deve haver uma espécie de respeito ao alcance do “pré-candidato médio”, ou seja, uma exigência de bom senso dos partidos e candidatos, de modo a evitar o uso desmesurado de dinheiro como forma de fulminar a igualdade.
“Os pré-candidatos são figuras públicas, têm sites de relacionamento com os eleitores, páginas nas redes sociais. No meu ponto de vista, os pré-candidatos podem manter o que vinham fazendo para divulgar as ideias, propostas, só não pode haver pedido explícito no voto. É a única vedação da lei eleitoral”, argumenta o advogado João Fernando Lopes de Carvalho, especialista em direito eleitoral e sócio de um escritório em São Paulo.
O voto do ministro Luiz Fux cita que “às cortes eleitorais cabe o papel de assegurar a máxima amplitude do debate, somente intervindo em hipóteses estritas, inevitáveis e excepcionais quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, para a própria integridade da disputa”. E, ao mesmo tempo, destaca que “uma posição liberal, absolutamente tolerante com a injeção de recursos financeiros em momento anterior à campanha, teria o condão de comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos, frustrando a expectativa de que o discurso antecipado funcione como um instrumento para a equiparação das chances de cada postulante na disputa”.
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“É preciso, portanto, buscar meio-termo, isto é, uma forma de acomodar as garantias constitucionais em evidência, tendo-se como parâmetro, obviamente, o quadro normativo posto, com o fim de evitar a imposição de restrições”, resume o ministro.
Para o advogado Fernando Neisser, ainda há um grau de nebulosidade nesse entendimento, o que pode ser alcançado a partir das decisões tomadas neste ano. “Existe um problema nisso porque as pessoas não partem do mesmo ponto. Por exemplo, um pré-candidato pode ter impulsionado a sua página no ano passado. Ele falava para mil pessoas e agora fala para milhões. Não havia essas regras eleitorais. Agora esse candidato tem um microfone de som mais alto. Mas para a Justiça Eleitoral, hoje, é indiferente. Não me preocupa alguém que tenha mais visibilidade na rede por conta da história política, mas há uma diferença para um que esteja ingressando apenas agora. Me preocupa alguém que tenha usado recursos maiores para comprar esse microfone mais potente no passado”, comenta.
Neisser cita um caso do Mato Grosso. O Ministério Público Eleitoral abriu um processo em desfavor do grupo “Avança Lacerda” tendo em vista a afixação de um outdoor na cidade de Pontes e Lacerda, contendo fotografia e nome do pré-candidato às eleições presidenciais Jair Bolsonaro (PSL).
O juiz Paulo Cezar Alves Sodré afirmou na decisão que a caracterização da propaganda antecipada “sempre foi assunto controvertido”, antes de mandar retirar o cartaz. “Primeiro, porque a lei eleitoral não explicita a partir de quando pode um ato ser considerado propaganda antecipada; segundo, porque apesar de inúmeras leis regulamentando o assunto, ainda pairam dúvidas e incertezas em relação a determinados aspectos da legislação. O fato trazido ao conhecimento deste juízo consiste em um outdoor contendo uma imagem de Jair Bolsonaro, tendo ao fundo a bandeira do Brasil, com os seguintes dizeres também em primeiro plano ‘Contra a Corrupção Bolsonaro é a Solução’.”
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“Por evidente que a mensagem divulgada através do outdoor não se enquadra em nenhuma das exceções previstas no art. 36-A da Lei 9.504/97; por outro lado, há de se registrar que não há menção à candidatura ou cargo que se pretende exercer (fatos esses permitidos pela legislação) e muito menos pedido explícito de votos. Por ora, como se vê, leva à conclusão de que os dizeres contidos nos outdoors mencionados na representação não se caracterizam como propaganda antecipada, o que tornaria a veiculação do apoio a Jair Bolsonaro um ‘indiferente eleitoral’. Contudo, entre as diretrizes fixadas há a ressalva quanto à ‘impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial (outdoor, brindes) se considerados com conteúdo eleitoral, o que é exatamente o caso dos autos”, afirma a decisão, que estabeleceu prazo de 24 horas para a retirada do conteúdo.
No Paraná
Esse entendimento eleitoral mais livre permite que os pré-candidatos ao governo estadual, por exemplo, continuem a divulgar as suas trajetórias, conquistas e reuniões.
A agência de notícias do governo estadual parou de publicar conteúdo sobre as ações de Cida Borghetti (PP) à frente da máquina pública no dia 7 de julho, em respeito e cautela à legislação eleitoral que veda o “uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”. Mas, no último dia 12, a atual governadora apareceu na página oficial do Facebook do prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), e na sua própria página visitando as obras de uma ponte de concreto sobre o Córrego Buda, entre o Santa Cândida e o Atuba, que utiliza recursos dos cofres do Paraná. Há três vídeos que somam mais de 10 mil visualizações, totalmente legítimos, segundo os especialistas.
“Essas medidas tentam reduzir a diferença que existe e sempre vai existir numa eleição entre quem está no cargo e quem não está, porque aquele que está continua trabalhando. Tem também o telhado de vidro. Mas há uma diferença clara de atenção”, aponta Neisser. O advogado João Fernando Lopes de Carvalho também vê a balança mais pesada. “Na medida em que se permite a um titular de cargo do Poder Executivo candidato à reeleição, se autoriza que ele tenha exposição na mídia diferente de outros candidatos, para o bem e para o mal. As medidas estabelecidas para campanha e pré-campanha são uma maneira de frear as disparidades.”
Osmar Dias (PDT), também pré-candidato ao governo estadual, afirmou em duas postagens recentes na sua página oficial que ouviu “importantes sugestões que vão contribuir para o meu projeto de governo” e assumiu “compromisso de que mulheres vão ocupar funções estratégicas em meu governo”. Já o deputado estadual Ratinho Júnior (PSD) compartilhou uma notícia falando sobre a sua pré-candidatura com a expressão “vem com a gente” e Dr. Rosinha (PT) afirmou nesta quarta-feira (18) que “está certo de ter o melhor programa de governo”. Por enquanto ninguém foi notificado por abuso.
A partir do dia 15
De acordo com os especialistas, o panorama muda a partir do dia 15 de agosto. “As páginas dos candidatos serão informadas à Justiça Eleitoral, haverá uma página de Facebook de campanha. Depois todo gasto passa a ser contabilizado e isso é informado ao TSE”, afirma Carvalho. Até então, a página pessoal é encarada apenas como pessoal, com liberdade de expressão.
Neisser também explica que os impulsionamentos nas redes sociais só poderão ocorrer pelas páginas indicadas. “Não pode uma página aliada impulsionar com dinheiro da campanha. Além disso a propaganda tem que ser positiva. Não há margem para atacar ninguém nos impulsionamentos”, conta.
A resolução que trata de propaganda eleitoral na internet prevê, por exemplo, que as ordens judiciais de remoção de conteúdo “serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral”, segundo o TSE.
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