A emblemática decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu o chamado “foro privilegiado”, há cerca de dois meses, também já tem sido aplicada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o segundo grau da Justiça Federal para o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Até o novo entendimento do STF sobre foro especial por prerrogativa de função, o TRF4 recebia todos os processos relativos a crimes federais eventualmente cometidos por autoridades como prefeitos de municípios e deputados estaduais. Há dois meses, contudo, desembargadores federais junto ao TRF4 também passaram a reexaminar seus casos sob a nova ótica adotada no STF: se o crime federal apontado não tiver nenhuma conexão com o mandato – de prefeito de município ou de deputado estadual -, o processo migra para a primeira instância da Justiça Federal.
ELEVADOR PROCESSUAL: Acompanhe os processos envolvendo parlamentares do Paraná
Procurado pela Gazeta do Povo, o TRF4 informou não possuir um levantamento de quantos processos no total já foram remetidos para o primeiro grau da Justiça Federal do Paraná, a partir da mudança de entendimento sobre o foro privilegiado, mas encaminhou à reportagem dois exemplos de transferências aplicadas na esteira de Brasília. Os processos envolvem os prefeitos dos municípios paranaenses de Nova Aliança do Ivaí, Adir Schmitz (PP), e de Marumbi, Adhemar Francisco Rejani (MDB).
Nos dois casos, sob relatoria da desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene, os prefeitos das cidades são acusados de crimes que não teriam relação com o atual mandato no Executivo, pois se referem a gestões anteriores deles mesmos, daí a remessa das ações penais para o primeiro grau da Justiça Federal.
Marumbi
Em Marumbi, o Ministério Público Federal (MPF) aponta um desvio de 34 máquinas de costura industrial, adquiridas com recursos públicos da União, mas utilizadas em empresa de confecção particular, de propriedade de Marlon Castro Pavesi Pini e Edson Luiz Valentim. O último é cunhado de Adhemar Francisco Rejani, que era o prefeito de Marumbi na época dos supostos delitos (entre abril de 2005 e abril de 2007) e também é o atual chefe do Executivo local.
“No caso em exame, não se nota qualquer elemento a permitir a manutenção do processamento e julgamento desta ação penal junto a este Tribunal Regional Federal da 4ª Região, visto que o delito remanescente imputado ao detentor de cargo público não foi levado a efeito durante o exercício do atual cargo e, concomitantemente, de forma relacionada com as presentes funções desempenhadas”, escreveu a desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene, em despacho assinado em 10 de maio. No despacho, a magistrada envia os autos para a Justiça Federal de Apucarana.
No processo, a defesa sustenta a “inexistência do fato delitivo, uma vez que fora dada destinação lícita aos bens públicos [máquinas de costura industrial] por meio de contrato de comodato com o município”. A defesa ainda acrescenta que, no contrato de comodato, “resta claro que o interesse público fora preservado, uma vez que a cessão de bens públicos somente se operou diante da contrapartida da empresa em fornecer cursos de capacitação da mão-de-obra local”.
Nova Aliança do Ivaí
Em Nova Aliança do Ivaí, o MPF aponta que o atual prefeito da cidade, Adir Schmitz, não teria prestado contas de uma verba federal recebida entre 2011 e 2012, de aproximadamente R$ 30 mil, e destinada à alimentação escolar. Naqueles anos, Schmitz também era prefeito da cidade. No processo, a defesa alega que o prazo de entrega da prestação de contas encerrou-se em 30 de abril de 2013, quando já havia iniciado outra gestão no Executivo.
Por não se tratar de supostos crimes cometidos durante o atual mandato, a desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene também declinou da competência em 9 de maio, encaminhando o processo para a Justiça Federal de Paranavaí.
Ao justificar a remessa para o primeiro grau, a magistrada destaca que o ministro do STF Roberto Barroso “expressou firme entendimento de que, para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções - e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade - é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo [atual], consignando que a experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade”.
Além do TRF4, o TRF3 também já registrou ao menos uma remessa de processo para o primeiro grau, como revelou o site Migalhas. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) é o segundo grau da Justiça Federal para São Paulo e Mato Grosso do Sul.
E no Tribunal de Justiça?
Quando não se trata de crimes federais, deputados estaduais e prefeitos de municípios paranaenses têm foro privilegiado no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), mas, no segundo grau da Justiça Estadual, não há informação sobre processos que tenham sido remetidos para a primeira instância na esteira da decisão do STF.
Advogado e professor de Direito Processual Penal das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), João Rafael de Oliveira diz que, desde a decisão do STF sobre a prerrogativa de foro, há uma “tendência dos tribunais de Justiça e tribunais regionais federais” para que se adote a mesma interpretação.
“Eles não são obrigados a aplicar porque não foi uma decisão que atingiu a competência deles, foi uma decisão restritiva à competência originária do STF, limitada a deputados federais e senadores da República. Se a decisão do STF tivesse sido adotada no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou mesmo de um Recurso Extraordinário (RE), que têm uma repercussão geral, aí seria diferente”, explicou o professor.
A decisão do STF, referente à restrição do foro privilegiado a parlamentares federais, é de 3 de maio de 2018. Na esteira da Corte máxima do Judiciário brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também aplicou a mesma interpretação para governadores de estados e conselheiros de tribunais de contas dos estados, em 20 de junho de 2018.
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