O juiz Fernando Fischer, da 13ª Vara Criminal de Curitiba, concordou com os apontamentos dos Ministério Público Estadual (MP) de que o ex-governador Beto Richa (PSDB) é o chefe da organização criminosa que fraudou o programa “Patrulha do Campo”. Ao determinar a prisão temporária do tucano, o magistrado viu indícios suficientes de que ele foi o principal beneficiado pelo esquema, que só funcionava graças ao aval dele aos subordinados como chefe do Executivo. Já a ex-primeira-dama Fernanda Richa é apontada como auxiliar do marido na lavagem do dinheiro desviado, por meio da compra de imóveis no nome de empresas da família. Veja abaixo o que dizem os presos.
A decisão do juiz levou em conta acordo de delação premiada firmado pelo ex-deputado Tony Garcia com o MP e já homologado pela Justiça, segundo o qual “os investigados se organizaram criminosamente buscando a obtenção de vantagem ilícita”. “Há substratos nos autos que apontam que os investigados se associaram para constituir uma organização criminosa hierarquizada, que mediante divisão de tarefas realizaram crimes de fraude à licitação, corrupção, lavagem de dinheiro, dentre outros”, afirma o magistrado.
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INFOGRÁFICO: Veja o organograma do esquema de desvio no “Patrulha do Campo”
Ao MP, Tony Garcia contou ter sido procurado por dois empresários – Osni Pacheco (já falecido), da Cotrans; e Celso Frare, da Ouro Verde – para fraudar a licitação do “Patrulha do Campo”, cujo edital, lançado em 2011, previa o fornecimento de maquinário para um programa de manutenção em estradas rurais no interior do estado. O montante envolvido era de R$ 72,2 milhões, em valores não atualizados. A proposta consistia em superfaturar os contratos e repassar 8% do faturamento bruto como propina a agentes públicos como contrapartida.
Segundo Tony Garcia, Beto Richa aceitou a oferta e o orientou a procurar Ezequias Moreira, Deonilson Roldo e Pepe Richa para implementar o esquema – Luiz Abi também entrou na lista de arrecadadores depois. Aos empresários, a quem caberia orientar a elaboração da licitação, se juntou Joel Malucelli, da J. Malucelli. Ao final do certame, cada um dos três lotes foi vencido por Cotrans, Ouro Verde e Terra Brasil − esta última empresa teria sido aliciada, posteriormente, para entrar na fraude. Em comum acordo, a Ouro Verde repassou parte das patrulhas a Malucelli e a Tony. Segundo a delação, Beto e Fernanda Richa lavaram o dinheiro ilícito por meio da compra de imóveis no nome de empresas da família.
Áudios reveladores
No despacho, o juiz justifica que a prisão temporária é necessária “quando se constata a possibilidade de que a manutenção da liberdade dos investigados pode ocasionar perturbações ao esclarecimento dos fatos”, como a destruição de provas e a influência no depoimento de testemunhas; e também está prevista “para os crimes de associação e de organização criminosa, tendo em vista a necessidade de integração do sistema gerada pelas sucessivas alterações legislativas”. Para o magistrado, esse crime está caracterizado em áudios ambiente, vídeos, mensagens de texto, registros telefônicos, relatório e edital de licitação e escrituras públicas.
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Fernando Fischer menciona uma conversa gravada em 12 de dezembro de 2012, na sede da Cotrans, entre Osni Pacheco, Celso Frare, Pepe Richa e Tony Garcia, na qual eles tratam do porcentual da propina. O acordo foi entregar na campanha metade do valor desviado e a outra metade seria repassada mensalmente a Aldair Petry, o Neco, ex-funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). “Fazemos um caixa pra campanha do Beto pra reeleição. Projeto político nosso”, diz Celso na gravação.
Outro áudio, entre Tony e Beto Richa em novembro de 2013, mostra o então governador reclamando de atrasos no repasse de Celso Frare e pedindo que o ex-parlamentar “vá pra cima”. O tucano relata que o dono da Ouro Verde agradeceu a entrada do “tico-tico lá que tava atrasado” e diz que “não sabe de nada” para não se envolver diretamente no esquema. “Deixa, você tem que ficar quieto. Fica na tua. Eu vou lá falar com ele”, promete Tony.
O magistrado ainda menciona um vídeo em que Celso Frare é filmado na casa dele “retirando maços de dinheiro que seriam destinados ao pagamento de propina do esquema criminoso”.
Veja como funcionava o esquema de desvio na “Patrulha do Campo”:
Outro lado
A defesa do ex-governador Beto Richa informa que não há razão para o procedimento desta terça-feira (11), especialmente em período eleitoral, segundo a advogada Antônia Lélia Neves Sanches. Ela completa que Richa está sereno e sempre esteve à disposição para esclarecimentos. De acordo com a advogada, não há vedação de prisão por conta do período eleitoral, “mas há oportunismo”. A defesa, que também representa Fernanda Richa, já ingressou com pedido de habeas corpus na Justiça.
A defesa de Deonilson Roldo disse que ainda não teve acesso aos detalhes da investigação. O advogado Roberto Brzezinski Neto falou que Roldo “está abalado” e que a prisão foi desnecessária, uma vez que ele já tinha se colocado à disposição da Justiça para prestar esclarecimentos.
A defesa de Luiz Abi Antoun disse que não irá se manifestar.
A reportagem ligou para o escritório do advogado de Ezequias Moreira, mas não conseguiu contato direto com o profissional. Uma pessoa da equipe do escritório avisou que entraria em contato com o advogado, mas a reportagem ainda não teve retorno.
Ao portal G1, a defesa de Pepe Richa informou que só vai se manifestar nos autos.
A assessoria de imprensa de Joel Malucelli informou que considera “as acusações injustas”, que nega qualquer irregularidade e que sempre esteve à disposição das autoridades para esclarecimentos. “O empresário desde 2012 se desligou das atividades e rotinas da empresa fundada por ele e se encontra na presente data em férias, fora do país, aguardando orientação de seus advogados, que ainda não foram notificados oficialmente sobre a operação.”
Por meio de nota, a J. Malucelli Equipamentos negou a participação em qualquer irregularidade e informa que “não firmou qualquer contrato com o Governo do Paraná relacionado às Patrulhas Rurais”.
A Ouro verde informou que “prestou serviços de locação de máquinas e equipamentos pesados ao Estado do Paraná durante o período de abril de 2013 a julho de 2015 após se sagrar vencedora em processo licitatório público e que cumpriu todas as suas obrigações legais no âmbito de tal contratação, inclusive havendo atualmente cobrança judicial contra o Estado por valores não pagos, apesar dos serviços prestados”. A empresa ressalta que em 45 anos de história “jamais se envolveu e nega qualquer envolvimento com relação a qualquer ato ilícito, e tem plena convicção de que demonstrará isso de forma cabal às autoridades competentes”.
O advogado Juliano Clivatti, que representa a Cotrans, disse que a empresa não foi alvo de nenhum dos mandados de busca nem das prisões cumpridas pela operação. “Ficamos sabendo das informações pela imprensa e não tivemos acesso ao processo. A partir de que tenhamos [acesso], vamos avaliar qual será a linha adotada”, disse. “A Cotrans prestou um serviço de locação de máquinas ao governo do Paraná, após ter se sagrado vencedora em procedimento licitatório. Não há nada de anormal.”
A Gazeta do Povo tenta contato com os demais envolvidos.
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