A abertura de 74 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) e o envio de 201 petições para instâncias inferiores contra dezenas de políticos citados nas delações de executivos da Odebrecht dificilmente terão efeitos na esfera eleitoral. Traduzindo, é praticamente zero a chance de governantes perderem o mandato ainda que fique comprovado o recebimento de caixa 2 – seja pelo que prevê a própria legislação brasileira para esses casos ou pela demora que deve marcar o andamento judicial dos processos.
Prática que consiste em não contabilizar recursos financeiros usados em campanhas, o caixa 2 configura crime eleitoral e, em tese, pode resultar em penas que vão além da perda do mandato. Enquanto o artigo 350 do Código Eleitoral fala em prisão de até cinco anos, o artigo 22 da Lei Complementar 64, de 1990, determina oito anos de inelegibilidade.
No entanto, o artigo 14 da Constituição Federal e o artigo 30-A da Lei Eleitoral 9.504, de 1997, estipulam prazo de apenas 15 dias após a diplomação dos candidatos eleitos para contestações judiciais de mandatos sob suspeita de irregularidades financeiras durante as eleições. Na prática, todo candidato eleito pode, a partir do 16.º dia da diplomação, confessar a prática de caixa 2 sem correr grandes riscos de ser punido – e é exatamente o que muitos fazem (veja quadro).
Além desse, outros dois fatores jogam a favor daqueles com mandato que foram delatados por executivos da Odebrecht. O primeiro deles é o longo caminho que os processos levarão até que haja uma sentença judicial. Dos 47 mandatários investigados no STF pela “primeira lista de Janot”, enviada à Corte em março de 2015, por exemplo, somente 5 viraram réus. Até agora, ninguém foi condenado ou absolvido em definitivo. Essa lentidão deve se repetir em relação a quase uma centena de políticos com foro nos tribunais superiores que estão na “segunda lista de Janot”.
Como o crime de caixa 2 prescreve 12 anos o fato, em relação a Beto Richa (PSDB), por exemplo, bastante tempo já se passou das eleições para prefeito de Curitiba em 2008 (prescrição em 2020) e para governador do estado em 2010 (prescrição em 2022), nas quais é acusado por delatores de ter recebido dinheiro ilícito na campanha. Também pesa contra ele a acusação de ter contado com recursos da Odebrecht não declarados à Justiça Eleitoral no pleito de 2014 (prescrição em 2026).
O mesmo raciocínio se aplica à senadora Gleisi Hoffmann (PT). Ela teria recebido caixa 2 nas eleições de 2008 e 2014, quando foi derrotada por Richa, e de 2010, quando se elegeu para o atual mandato de oito anos no Senado.
Anistia
Também há um forte movimento no Congresso para anistiar o crime de caixa 2, tipificando-o expressamente numa nova legislação. Como o ordenamento jurídico brasileiro não permite que uma nova lei seja aplicada retroativamente, os políticos apanhados pela Operação Lava Jato se livrariam de eventuais punições. Eles defendem que é preciso “separar o joio do trigo”: diferenciar o que é recebimento de doações não contabilizadas à Justiça para cobrir gastos de campanha e o que é obtenção de recursos ilícitos em eleições para enriquecimento pessoal.
Como contragolpe, além da tentativa dos integrantes da Lava Jato de conquistar apoio popular para barrar a aprovação dessa medida, o próprio Supremo, no mês passado, tornou réu o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) sob a acusação de ter recebido R$ 500 mil de propina no esquema do petrolão por meio de doação oficial, devidamente contabilizada na prestação de contas, para sua campanha ao Senado em 2010.
Prestação de contas
Veja casos recentes em que candidatos eleitos não sofreram qualquer sanção, mesmo tendo havido indícios de irregularidades em suas campanhas, ou que alegaram ter praticado caixa 2 para atenuar acusações mais graves.
Luciano Ducci (PSB), deputado federal e ex-prefeito de Curitiba
Na eleição de 2008, quando Ducci era candidato a vice de Beto Richa (PSDB), ex-candidatos do PRTB deixaram de concorrer a vereador para apoiar a campanha dos dois por meio do Comitê Lealdade, cujo aluguel da sede era pago pelo PSDB. Todos eles apareceram em um vídeo recebendo dinheiro no comitê, que teria sido usado para financiar despesas eleitorais, mas que não foi declarado à Justiça. Ducci, porém, foi inocentado porque não foi provado seu envolvimento no caso − Richa foi excluído do processo ao renunciar à prefeitura da capital para se tornar governador.
José Roberto Arruda (ex-DEM), ex-governador do Distrito Federal
Vídeos gravados com uma câmera escondida mostraram integrantes do governo do DF recebendo dinheiro vivo, fruto de propina paga por empreiteiras. Além de enriquecimento pessoal de aliados, os recursos serviriam para comprar os votos dos deputados distritais, o que deu ao escândalo o nome de mensalão do DEM. Arruda tentou alegar que o dinheiro era caixa 2 de campanha para escapar de punição, mas acabou sendo cassado por desfiliação partidária, já que havia deixado o DEM em meio às denúncias.
Jaqueline Roriz (PMN-DF), ex-deputada federal
A ex-parlamentar também apareceu nos vídeos do mensalão do DEM recebendo dinheiro. Diante do escândalo, ela reduziu o caso à caixa 2 de campanha, admitindo que não declarou os recursos na campanha de 2006. Absolvida pelos colegas deputados num processo de cassação por quebra de decoro, ela concluiu o mandato normalmente.
Angelo Vanhoni (PT), ex-deputado federal
Na campanha de 2010, o petista recebeu R$ 100 mil de uma concessionária de serviço público, o que é proibido pela legislação eleitoral. Alguns dias depois, ele devolveu o dinheiro à empresa. Para a Justiça Eleitoral, o mandato de Vanhoni não deveria ser retirado porque a prestação de contas dele já havia sido aprovada com ressalvas.
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