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Dois grupos do MP -- Gaeco e Gepatria -- investigam as supostas fraudes em licitações de ônibus. | Gerson Klaina/Tribuna do Paraná/Arquivo
Dois grupos do MP -- Gaeco e Gepatria -- investigam as supostas fraudes em licitações de ônibus.| Foto: Gerson Klaina/Tribuna do Paraná/Arquivo

Deflagrada há pouco mais de um ano pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), a Operação Riquixá – que investiga fraudes em licitações de transporte coletivo – já chegou a diversas cidades de cinco estados. As denúncias oferecidas à Justiça apontam que o núcleo investigado conseguia direcionar as licitações para grupos empresariais que aderiam ao esquema por meio de um “pacote-fraude”. O mecanismo foi detalhado em duas denúncias oferecidas à Justiça no Paraná – em Guarapuava e em Paranaguá – e na colaboração premiada de um advogado que integrava o grupo acusado e que representou o sindicato das empresas de ônibus de Curitiba.

Segundo o MP-PR, o esquema foi articulado por um “núcleo técnico”, formado por advogados e uma empresa de consultoria em logística. Esse grupo se associava a municípios e a “núcleos empresariais”, atuando de forma a elaborar editais que permitiam direcionar as licitações às viações de ônibus que integravam a fraude. Contavam, para tanto, com a participação de prefeitos e outras autoridades municipais.

“Em todas as fases da operação [Riquixá], a gente constatou a existência de uma organização criminosa complexa, que se especializou em oferecer um ‘pacote-fraude’ que privilegiava os grupos empresariais que se associavam a essa organização”, diz a promotora Leandra Flores, do Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio Público (Gepatria) de Guarapuava, do MP-PR.

Conforme as investigações, o direcionamento da licitação se dava na elaboração do edital, em que se atribuía maior pontuação a itens que favoreciam os grupos empresariais que participavam do esquema. Desta forma, segundo os promotores, os consórcios mantinham o monopólio do sistema de transporte das regiões em que atuavam.

“Os grupos empresariais atuavam de forma cartelizada”, sintetiza o promotor Vitor Hugo Nicastro Honesko, coordenador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Guarapuava. “O objetivo da organização era não só obter a licitação, mas ‘capturar’ o serviço público. O esquema oferecia às empresas todo o comando do sistema, desde a fórmula tarifária a formas de reajuste da tarifa”, acrescenta a promotora Leandra Flores.

Direcionamento

Em Paranaguá, por exemplo, a denúncia oferecida à Justiça pelo MP-PR descreve que o edital da licitação “previu excessiva valoração atribuída à proposta técnica em detrimento da proposta de tarifa”. A nota por atributos técnicos das empresas tinham peso de 70%, enquanto a nota em razão da tarifa que seria cobrada tinha peso de 30%. Dando mais pontos aos aspectos técnicos, a licitação previa pontuação maior a itens que as empresas que integravam o esquema já cumpriam – principalmente porque já operavam na cidade.

Na avaliação do MP-PR, esse peso dado aos atributos técnicos “garantiu a impossibilidade de que outra empresa (...) vencesse o certamente (ou simplesmente que concorresse), porque foi combinada com descrições técnicas que somente a operada histórica (o grupo empresarial que já trabalhava na cidade) poderia preencher”, consta da denúncia.

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Entre as especificações que favoreciam a viação que acabou vencendo a licitação está a pontuação por infraestrutura e garagem e pela distância da garagem ao terminal central da cidade. Todos os itens podiam ser atendidos com folga pela empresa denunciada. Para o MP-PR, “a valoração técnica do instrumento convocatório foi feita sob medida para as características da empresa” denunciada.

As investigações comprovam que os empresários receberam o edital por e-mail, enviado pelo “núcleo técnico”, antes de o certame ter sido lançado oficialmente. Para os promotores, isso sugere que os próprios empresários sugeriam mudanças no texto final do edital, de modo a garantir que a vitória na licitação.

Esquema replicado

A mesma lógica consta da denúncia ofertada em Guarapuava. Mas não é só. Segundo os promotores, há indícios de que o mesmo modus operandi tenha sido replicado pelo “núcleo técnico” no Distrito Federal (DF), São José do Rio Preto (SP), Jaú (SP), Campo Grande (MS), Farroupilha (RS), Bento Gonçalves (RS), Telêmaco Borba (PR), Foz do Igauçu (PR), Maringá (PR), Apucarana (PR), e Curitiba (PR).

“O ‘núcleo técnico’ era sempre o mesmo. O que podia variar era o ‘núcleo empresarial’. Separamos as investigações por licitações que ocorreram em municípios ligados a um mesmo ‘núcleo empresarial’, para depois partir para outro”, diz o promotor Vitor Hugo Nicastro.

A Operação Riquixá está fechando o cerco, por exemplo, à licitação de ônibus em Curitiba, vencida por consórcios de empresas ligadas ao Grupo Gulin – que também venceu os certames em Paranaguá e em Guarapuava e que teve empresários denunciados nessas cidades. Na capital paranaense, a CPI dos Transportes conduzida pela Câmara Municipal já havia apontado pelo direcionamento da licitação, por meio do favorecimento das viações nas especificações do edital. Além disso, o ex-advogado do Sindicato das Empresas de Transporte de Curitiba e Região (Setransp) Sacha Reck foi denunciado na operação e firmou um termo de colaboração premiada, em que menciona a licitação de Curitiba.

A licitação de ônibus em Curitiba foi iniciada em 2009, quando o prefeito da capital era o hoje governador do estado, Beto Richa (PSDB). O certame foi homologado no ano seguinte, quando o prefeito era Luciano Ducci (PSB).

Outro lado

Em nota assinada pelo advogado Rodrigo Sanchez Ríos, o Grupo Gulin afirma que já tomou conhecimento do teor da denúncia oferecida pelo MP-PR, mas que só se posicionará após o recebimento ou não pela Justiça. “No entanto, é preciso ressaltar que as empresas do Grupo Gulin são atuantes há décadas no transporte público em diversos locais do território nacional, sempre desenvolvendo suas atividades profissionais com ética e lisura, no marco do princípio constitucional da livre iniciativa”, aponta o texto.

O Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo de Curitiba e Região (Setransp) disse que as declarações prestadas pelo advogado Sacha Reck em sua colaboração premiada não são verdadeiras e que a entidade vai comprovar isso na Justiça. Além disso, o sindicato aponta que o próprio MP-PR já havia analisado o processo de licitação realizado em Curitiba, não constatando irregularidades.

O resultado da análise a que o Setransp se refere foi divulgado em fevereiro deste ano, quando o MP-PR arquivou um inquérito civil que havia sido instaurado para investigar o certame. Na ocasião, o órgão avaliou que o edital de licitação levava em conta as especificidades técnicas de Curitiba e que as exigências feitas às empresas eram indispensáveis à execução dos serviços de transporte coletivo na capital paranaense.

No arquivamento, o Ministério Público lembrou ainda que a licitação já havia sido alvo de uma ação popular em 2010, que foi julgada improcedente. “Na ocasião, a manifestação do MP-PR foi no sentido de inexistência de lesão à moralidade administrativa ou ao patrimônio público”, consta de nota emitida pelo órgão.

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