Ao menos 200 policiais civis vivem uma situação tão inusitada quanto irregular no Paraná. Às vésperas de completarem três anos de corporação, eles ainda não passaram pelo curso de formação da Polícia Civil – sem o qual, não podem sequer portar armas funcionais. Oficialmente, esses agentes só poderiam cumprir serviços administrativos, mas, na prática, acabam participando de operações nas ruas e “quebrando o galho” em muitas delegacias, principalmente no interior. Na gíria da corporação, esses policiais são conhecidos como “Pokémons”.
“Eles são chamados de Pokémon, porque ainda não evoluíram. Porque só quando passam pelo curso [de formação] é que eles viram policiais de fato”, explicou um delegado, que concedeu entrevista com a condição de não ser identificado.
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Além deste, a Gazeta do Povo ouviu outro delegado – que ministra aulas no curso de formação da Polícia Civil –, dois policiais “Pokémons” e um agente que acabou de passar pelo curso. Todos relataram o limiar de um dilema: a orientação do Departamento da Polícia Civil é de que eles desempenhem apenas serviços administrativos. No entanto, por causa da defasagem de efetivo na corporação – conforme a Gazeta do Povo mostrou no mês passado –, os policiais sem formação têm ido pra rua, participado de investigações e do cumprimento de mandados de prisão.
“Eles ficam no ‘limbo’. É uma situação esdrúxula, em que o cara é policial e não é”, apontou um delegado. “Supostamente, eles ficam fazendo serviço administrativo, mas é uma mentira. Esse pessoal vai pra rua, cumpre mandado. Você vai fazer o quê? Se não tem ninguém, você escala o ‘Pokémon’ mesmo”, disse outro delegado.
Um dos “Pokémons” ouvidos pela reportagem está lotado há três anos em uma delegacia do Noroeste do Paraná. Ele se sente desprotegido, porque, apesar de desenvolver trabalho policial, anda sem arma. E desta forma – desarmado – já participou de quatro operações, além de inúmeras investigações. “Eu ainda vou pouco pra rua, porque o delegado segura e só manda [fazer serviço externo] quando realmente não dá. Mas tem colegas de outras cidades que é todo dia”, disse. “A gente fica na pilha pra fazer o curso. Eu fiz concurso pra policial, não pra auxiliar de escritório”, acrescentou.
Reflexos
Para um delegado que é professor da Escola Superior da Polícia Civil, a demora na formação dos agentes é prejudicial, porque além de os policiais atuarem sem treinamento (o que pode implicar em sérios riscos de segurança), pode gerar prejuízos irreversíveis ao próprio profissional. “O cara fica três anos na rua antes de fazer a escola, aí já vem com todos os vícios, que nenhum treinamento é capaz de corrigir. Ele já foi contaminado. Quem perde é a sociedade”, detalha o professor.
Um agente que acabou de concluir o curso de formação contou que ele só não andava desarmado porque já tinha porte e usava sua pistola particular em serviço. Já com a arma funcional em mãos, ele elogiou bastante o curso, principalmente as aulas práticas de tiro e de técnicas de operações. “As aulas foram excelentes, mas, infelizmente, não condiz com a realidade das delegacias. [Nas aulas,] as progressões vão seis, oito policiais. Tem até bomba. No nosso dia a dia, vamos em dois, só com a arma e olhe lá”, disse.
“Os alunos aprendem o certo na Escola de Polícia. Mas na hora de aplicar, não tem o efetivo necessário. Tem delegacias que tem dois policiais de plantão e eles têm que ficar cuidando de presos”, apontou o presidente do Sindicato das Classes Policiais (Sinclapol), André Gutierrez.
120 policiais começaram treinamento nesta semana
O Departamento da Polícia Civil informou que, nesta segunda-feira (12), uma nova turma de 120 policiais começou o curso de formação. A previsão é de que outros 80 agentes passem pelo curso em setembro. “Com isso, todos os servidores terão o curso de formação”, informou a instituição.
Segundo a Polícia Civil, é necessário que o policial conclua o curso de formação para passar pelo estágio probatório – que é de três anos na corporação. Por causa disso, mesmo os agentes que tiverem sido nomeados há mais de três anos, mas que não tiverem frequentado as aulas, não terão a estabilidade. Esse fenômeno gerou críticas de quem faz parte da instituição.
“É uma anomalia você ter um policial que já passou pelo período [de três anos], mas que não passou pelo estágio probatório, porque não fez o curso de formação. O policial não deixou de fazer a escola por sua vontade, mas por deficiência do Estado”, disse um dos professores da Escola de Polícia.
O Departamento da Polícia Civil afirma que “mais de 40% dos servidores foram contratados pelo atual governo. Com isso, as turmas são fechadas conforme a capacidade da escola. Somente nos dois últimos anos, a escola formou cerca de mil servidores”.
Entidades defendem que formação seja uma das etapas do concurso
Entidades como a Associação dos Delegados do Paraná (Adepol) e o Sindicato das Classes Policiais (Sinclapol) defendem que o curso de formação dos agentes seja incluído como uma das etapas do concurso público. Com isso, os policiais só poderiam ser nomeados para exercerem suas respectivas funções quando tiverem passado pela Escola de Polícia.
“A gente defende isso, até para evitar esse tipo de coisa, que é completamente irregular”, disse o presidente do Sinclapol, André Gutierrez.
No dia 31 de maio, o governo do Paraná publicou na Agência Estadual de Notícias uma matéria sobre a formatura de 118 policiais. O texto mencionava que os agentes haviam sido nomeados, dando a entender que haviam sido contratados. A publicação fez com que a Adepol emitisse uma nota de repúdio, após a qual o texto do governo foi corrigido.
“Na verdade, os bravos investigadores (..) foram contratados no ano de 2014 e, por incompetência e desorganização do governo do estado, aguardaram longos 3 anos para que pudessem realizar o Curso de Formação Profissional. Neste período, os servidores em questão já estavam lotados em unidades policiais e exercendo funções, mesmo sem a devida formação técnica, sem poder fazer uso de armamentos e expostos a todos os riscos comuns à falta de capacitação adequada”, consta da nota de repúdio.
Além disso, os delegados apontam um enfraquecimento na Escola de Polícia. Os que dão aulas no curso não são remunerados e sequer ganham pontos para promoção. “Gera um efeito cascata, porque ninguém quer ir [dar aula]. Aí o coordenador tem que sair catando professor à unha, pedindo pelo amor de Deus. Aí entram os abnegados ou então um pessoal que não é tão qualificado para dar aula”, disse um professor.
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