Beto Richa, ex-governador de Paraná| Foto: Orlando Kissner /    ANPr

Ao optar por se candidatar a uma vaga na bancada do Paraná no Senado Federal, Beto Richa (PSDB) foi obrigado a renunciar ao cargo de governador do Paraná no último dia 6. Assim, a primeira consequência imediata para o tucano é a perda do foro especial por prerrogativa de função, o conhecido “foro privilegiado”. Na prática, isso significa que todos os processos criminais nos quais Beto Richa eventualmente figura como investigado, denunciado ou réu, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, podem ser transferidos para a primeira instância, no Paraná. 

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No caso de Beto Richa, a Gazeta do Povo identificou ao menos três processos envolvendo o tucano que até aqui tramitam no STJ: uma ação penal e dois inquéritos (um inquérito é uma fase anterior a um eventual oferecimento de denúncia e, na sequência, uma eventual abertura de ação penal, quando a pessoa, antes investigada, é transformada em réu, sendo daí processada e julgada).

Sobre a perda do foro privilegiado, a assessoria de imprensa de Beto Richa tem dito que o tucano “está tranquilo” e que “apresentará sua defesa em qualquer instância e ciente que todos seus atos foram pautados pela legalidade”.

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A ação penal contra o ex-governador, relativa a gastos na área de saúde (AP 687), já está sendo encaminhada para a Justiça Federal do Paraná, por decisão do relator do caso no STJ, ministro Herman Benjamin, publicada na segunda-feira (16).

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“Tendo em vista a renúncia de Carlos Alberto Richa ao cargo de Governador do Paraná e a consequente perda do foro por prerrogativa de função no STJ, determino a remessa desta Ação Penal à Justiça Federal no Paraná, para distribuição a uma das Varas com competência criminal da Subseção Judiciária de Curitiba”, escreveu o relator, em despacho assinado no último dia 10.

Quando a ação penal chegar à Justiça Federal do Paraná, em Curitiba, ela poderá ser distribuída para três varas criminais: 12ª, 14ª ou 23ª. A definição ocorrerá por sorteio eletrônico e exclui a 13ª Vara Criminal, do juiz federal Sergio Moro, voltada apenas aos processos relacionados à Operação Lava Jato.

Há ao menos um inquérito envolvendo Beto Richa - o INQ 1181 - que pode cair nas mãos do juiz Moro, temido por investigados e réus que o criticam sobre duração de prisões estabelecidas de forma preventiva. O magistrado também é conhecido entre advogados pela celeridade que dá aos processos.

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O inquérito que pode ser enviado ao juiz Moro foi aberto a partir de delações de ex-executivos da Odebrecht, que apontaram “caixa 2” em três campanhas eleitorais de Beto Richa. Neste caso, pelo fato de as delações se relacionarem com a Operação Lava Jato, o processo pode ficar na 13ª Vara Criminal. Há outra corrente, contudo, que defende que o caso seja tratado no âmbito da Justiça Eleitoral, tal qual ocorreu com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), em decisão recente da ministra do STJ Nancy Andrighi. O destino do inquérito do paranaense está nas mãos do ministro Og Fernandes.

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Há ao menos mais um inquérito (INQ 1164) envolvendo Beto Richa que deve “descer” para o Paraná. Como o caso está conectado à Operação Superagui, deflagrada a partir de uma investigação da Promotoria de Justiça de Paranaguá, o processo pode acabar na Justiça Estadual do Paraná. A decisão, contudo, é do ministro Herman Benjamin, e ele ainda não se manifestou sobre o assunto. 

Tanto a Procuradoria-Geral da República (PGR), que conduz os dois inquéritos em Brasília sob o guarda-chuva do STJ, quanto a defesa de Beto Richa, podem contestar a decisão dos ministros Herman Benjamin e Og Fernandes, caso não concordem com o novo destino dos processos. A contestação poderia ser feita através de um agravo regimental, um recurso a ser levado para análise da Corte Especial do STJ. Lá, atuam os 15 magistrados mais antigos do STJ.

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Diferenças

Mas, na prática, qual a diferença entre ser investigado, denunciado, processado e julgado pelo STJ e passar pelo mesmo trâmite no primeiro grau? Há pontos que têm sido destacados nos debates atuais sobre o tema, como a diferença em relação à quantidade de recursos. Quando uma ação penal é aberta no primeiro grau, a sentença derivada dela pode ser alvo, em tese, de mais recursos de apelação, pois há mais instâncias a procurar para tentar mudar o resultado dela. “Se for analisar apenas a possibilidade de recursos, é melhor ser julgado desde a primeira instância”, pontuou à Gazeta do Povo o especialista João Paulo Martinelli, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados. 

De modo geral, uma sentença que sai primeiro de uma vara da Justiça Federal do Paraná, por exemplo, ainda pode ser modificada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Depois, ainda cabe recurso especial ao STJ ou recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF). Já uma sentença que sai primeiro da Corte Especial do STJ, por exemplo, só encontra possibilidade de recurso no STF. 

Outro exemplo: uma sentença que sai da Justiça Eleitoral do Paraná pode ser modificada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, por fim, no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Mas, nem sempre os recursos conseguem chegar aos tribunais superiores, em Brasília. A própria admissibilidade dos recursos passa pelo aval da instância inferior e, em determinados casos, eles são barrados antes mesmo de alcançarem o STJ ou o STF, ponderou Martinelli. 

Antes e depois do mensalão

Um caso emblemático envolvendo possibilidade de recursos é o do Mensalão, a ação penal 470 julgada pelo STF. “Até o Mensalão, a competência para julgar parlamentares era do Pleno do STF. Então, aqueles condenados não tinham a quem recorrer, pois não tem nenhum órgão acima do Pleno do STF. Na época, falou-se de violação ao duplo grau de jurisdição, previsto no Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Aí, no pós-mensalão, houve uma mudança no Regimento Interno do STF. Agora, a competência originária para julgar parlamentares é das Turmas do STF. Da decisão das Turmas, agora cabe recurso ao Pleno”, lembrou João Paulo Martinelli. 

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Antes da alteração no Regimento Interno do STF, continua o doutor em Direito Penal, contra uma decisão do Pleno só cabiam os chamados embargos de declaração ou infringentes, que não têm a finalidade de modificar resultados. “Um recurso de apelação serve para atacar a decisão. Já os embargos de declaração, por exemplo, servem apenas para esclarecer alguma coisa, algum ponto obscuro da decisão, dificilmente vão gerar um novo desfecho”, resumiu o advogado.

Velocidade

Há outros aspectos presentes no debate em torno do foro privilegiado, como o tempo que cada esfera do Judiciário tem levado para julgar seus casos. Para João Paulo Martinelli, é preciso ponderar que, embora haja em tese menos possibilidade de recursos nas instâncias superiores, especialmente o STF tem ficado “sobrecarregado”, o que tem interferido no ritmo dos processos que tramitam por lá. 

“O STF é uma Corte constitucional, com a função originária de julgar, por exemplo, se uma lei federal ou uma lei estadual fere ou não a Constituição Federal. Mas o STF passou a ser também uma Corte jurisdicional, uma instância a mais, julgando casos concretos, específicos. E quase todos os casos vão parar lá”, observou o advogado.