Oficialmente, nos termos da lei 14.794 de 2016, o único patrimônio imaterial da cidade de Curitiba é a carne de onça. Há outros candidatos, entretanto, que figurariam bem nessa lista e poderiam ser alvo do apoio de algum vereador: o sotaque leite quente, a florada dos ipês, os costelões 24 horas e – por que não? – a caixa preta da Urbs. Apesar de pouco ufanista, a ideia de assumirmos como patrimônio a opacidade das finanças do sistema de transporte coletivo de Curitiba faz cada vez mais sentido.
No dia 31 de agosto, com menos pompa e publicidade que a conferida à inauguração de um ponto de ônibus no Santa Cândida, a prefeitura reduziu em R$ 0,23 o valor da tarifa técnica do transporte coletivo. Ou seja, o valor que o Executivo repassa às empresas por cada tarifa paga caiu de R$ 4,03 para R$ 3,80 – valores arredondados, já que a tarifa técnica é definida até a quarta casa após a vírgula. Já o valor cobrado dos passageiros não foi alterado e, quase 30 dias depois da redução da tarifa técnica, continua estacionado em R$ 4,25.
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A redução de 5,7% no valor pago às empresas impacta a previsão financeira que havia sido feita para 2017 – tanto para os concessionários como para o Executivo. Entretanto, depois da publicação do decreto que alterou o valor, a prefeitura optou pelo silêncio. Para ser justo, houve um único – e lacônico – pronunciamento oficial sobre o assunto até agora:
“A redução publicada em Diário Oficial atende uma determinação do Tribunal de Contas do Estado. A Urbs vai avaliar os impactos, buscando a qualidade do serviço e o melhor benefício aos usuários”.
As empresas operadoras do transporte coletivo também não comentaram o tema detalhadamente. A única informação até agora é que o sindicato das empresas, Setransp, afirmou que buscaria reverter a situação na Justiça. Até a publicação desta reportagem, entretanto, não havia nenhuma decisão judicial sobre o tema.
Deste modo, faz quase 30 dias que cada passageiro pagante do transporte coletivo não sabe o destino de R$ 0,23 pagos em cada passagem. Sobre o tema, a Urbs disse somente que a arrecadação excedente “fica no FUC”, o Fundo de Urbanização de Curitiba. Diante do silêncio da prefeitura e dos empresários, saquemos a caneta de trás da orelha e vamos à conta de padeiro para estimar o tamanho do “colchão” que a prefeitura está fazendo.
Segundo estimativas da própria Urbs – que são questionadas pelas empresas, mas apeguemo-nos ao que temos de oficial –, a média mensal de passageiros pagantes é de 16,6 milhões. Portanto, levando em conta essa projeção, apenas no mês de setembro a redução da tarifa técnica e a manutenção da tarifa social em R$ 4,25 rendeu à prefeitura R$ 3,8 milhões.
A resposta de que o dinheiro “fica no FUC” não responde à indispensável questão sobre o destino dessa verba. Legalmente, os recursos do fundo podem ser usados para “atender aos programas de equipamento urbano e de infraestrutura, bem como, a promover os meios necessários à operação dos serviços públicos de transporte coletivo urbano de passageiros”. Há, portanto, uma variada lista de ações que a prefeitura pode promover com esse dinheiro.
Na prática, antes da redução da tarifa técnica, o prefeito Rafael Greca (PMN) disse que usaria os recursos para comprar novos ônibus e recompor a frota que hoje tem cerca de 480 veículos vencidos. Mas acontece que o prefeito também já disse – do modo impetuoso como se comunica pelo Facebook – que “se os empresários não ajustarem sua conduta” usará o dinheiro em outro lugar.
Expectativa frustrada
Em 2013, quando começou a instalar televisores nos ônibus e nos terminais de transporte, a Urbs tinha expectativas altas a respeito das receitas publicitárias que a exploração dos espaços poderia gerar. Um texto publicado no site da instituição no início de 2013 afirmava que a estimativa de receita previa que já em 2013 R$ 2,7 milhões seriam destinados ao transporte coletivo. No ano seguinte, 2014, a previsão era chegar a R$ 14,2 milhões. A receita seria fruto da instalação de televisores em 1.500 ônibus e também nos 21 terminais urbanos e no Terminal Guadalupe – na época, o transporte na capital ainda era integrado com a Região Metropolitana.
Quatro anos depois, a realidade não correspondeu às expectativas da Urbs. Curitiba conta, hoje, com 308 ônibus com mídia embarcada, além de monitores distribuídos em quatro terminais. Essa estrutura garante à Urbs uma receita anual de cerca de R$ 648 mil.
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