Por mês o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) paga R$ 3,79 milhões de auxílio-moradia aos seus juízes e desembargadores. Mas nem todos recebem a verba indenizatória, que passou a ser paga pelos cofres públicos há três anos e meio, em julho de 2014. Cruzando dados obtidos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com informações do Portal da Transparência do TJ, o Livre.jor identificou que 4% dos 904 magistrados não recebem o benefício mensal de R$ 4.377,73 no Paraná. Especial para a Gazeta do Povo, procuramos esses 35 membros do Tribunal de Justiça para saber o que eles pensam da polêmica em torno dos seus vencimentos.
Poucos magistrados, contudo, responderam as perguntas da reportagem, que consistiam em saber o motivo de eles terem desistido do auxílio-moradia, uma vez que a esmagadora maioria dos colegas (96%) não abdicou da vantagem. Também foi questionado o argumento das associações profissionais, sobre a verba ser uma compensação pela falta de reposição inflacionária em seus salários. Nenhum declinou fixar um valor do que seria uma remuneração justa, que dispensasse os “penduricalhos”, mas dois comentaram a crise de imagem pela qual passa o Poder Judiciário no Brasil.
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“Desculpe a minha descortesia, porém prefiro não me manifestar a respeito do tema” e “não gostaria de falar publicamente sobre isso, porque sou filiado à Amapar [Associação dos Magistrados do Paraná], a qual tem defendido o pagamento do auxílio”, por exemplo, são uma amostra das negativas recebidas pela reportagem, dadas por juízes que pediram para não ser identificados. A apuração mostrou que isso se deve, provavelmente, ao fato de que a maioria desses 35 casos estarem enquadrados na norma do CNJ que proíbe o pagamento em duplicidade do auxílio-moradia a casais onde um dos cônjuges já recebe a verba indenizatória.
Inclusive, diferente de outro caso noticiado pela Gazeta do Povo, a reportagem foi incapaz de identificar, no Tribunal de Justiça do Paraná, um magistrado como o juiz do Trabalho Celso Karsburg, no estado do Rio Grande do Sul, que abdicou do auxílio-moradia desde o início, por considerá-lo “imoral” - mesmo isso significando ter desistido, até hoje, de R$ 172 mil. Chegamos a pedir uma relação dos magistrados ao Tribunal de Justiça, na expectativa de localizar situação semelhante no Paraná, mas o órgão limitou-se a indicar o Portal de Transparência como fonte - em que não há informação detalhada sobre a motivação dos 35 que não recebem o auxílio-moradia.
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Procurada pela reportagem, a Amapar não questionou os números da apuração, mas a exemplo do TJ-PR não forneceu, nem admitiu ter feito, levantamento a respeito do assunto. Presidida pelo juiz Geraldo Dutra de Andrade Neto, que recebe o auxílio-moradia, a associação dos magistrados defende que a indenização “é devida aos magistrados nos termos da lei e que não há qualquer afronta à moralidade no exercício de um direito previsto há tantas décadas” - a previsão do que hoje é chamado auxílio-moradia, argumenta ele, consta em lei de 1979. “Os magistrados do Paraná são profissionais altamente qualificados, exercem suas funções com esmero e devem receber vencimentos compatíveis com a importância e relevância social do cargo que exercem”, disse o presidente da Amapar.
“Dentro do subsídio”
“Não concordo com o pagamento de despesas cotidianas como moradia, saúde e alimentação com verbas próprias. Tudo deveria estar dentro do subsídio”, afirmou o juiz João Zarpellon, da 1ª Vara Judicial de Cianorte. Primeiro a responder a reportagem, tão logo recebeu as perguntas em seu e-mail institucional, ele é um dos que não tem o auxílio-moradia por ser casado com magistrada que recebe a verba indenizatória. Ele entende que a remuneração dada aos magistrados é insuficiente, mas diz que “a base legal [para o pagamento do auxílio-moradia] é frágil”. “E os juízes, a quem são destinadas a aplicação e a correta interpretação da lei, não podem judicar em causa própria num tema tão claro”, complementa.
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Para o juiz Zarpellon, além da ausência de reposição inflacionária, os magistrados acumulam funções pelas quais não são pagas. “O ganho [líquido, depois dos descontos legais no subsídio] é menor do que a profissão exige. Apenas como exemplo, cumpre-se plantões de feriados, fins de semana, não há horários de jornada que nos impeçam de atender advogados e demandas urgentes, acumulamos - ao menos na minha comarca - jurisdição federal delegada sem receber nada mais por isso, estamos em vias de perder também a possibilidade de indenizarem as férias, que muitos não tiram por excesso de serviço”, argumenta.
“Desgaste evidente”
Bastante direto em suas respostas, o posicionamento do desembargador Fernando Prazeres é similar ao do juiz de Cianorte. Ele também defende a incorporação dos “penduricalhos” à remuneração, “com as consequências tributárias pertinentes”. “O senhor deve ter acesso à minha folha de pagamento pelo Portal de Transparência do TJ-PR. Após 28 anos de carreira, recebo, líquido, R$ 19,8 mil por mês. É justo e razoável que as perdas inflacionárias sejam repostas como, aliás, manda a Constituição Federal”, diz o magistrado, que também não recebe o auxílio-moradia em decorrência do casamento.
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Sobre a situação atual do Poder Judiciário, Prazeres entende haver um “desgaste evidente” da imagem dos tribunais. “A exposição diária e massacrante da mídia a respeito de supostos privilégios contribui para que os magistrados sejam vistos somente como privilegiados, sem levar em conta a importância e a relevância da nossa atividade. Posso garantir que, todos os dias, produzimos milhares de decisões que refletem positivamente na sociedade. Garantimos direitos fundamentais do cidadão frente ao Estado e resolvemos uma incontável gama de litígios entre particulares, todos os dias!”, alega o desembargador.
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