O juiz federal Marcos Josegrei da Silva atua nos processos das operações Carne Fraca, Hashtag e Research.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Ele tem “caneta pesada”, linguagem sem afetação, julga com celeridade e ocupa uma das salas da Justiça Federal em Curitiba, de onde manda prender corruptos e outros acusados de desrespeitar a lei. Ele é Marcos Josegrei da Silva, titular da 14.ª Vara Federal, menos conhecido que o vizinho da 13.ª, Sergio Moro, mas que age, muitas vezes, de forma semelhante e está incumbido de analisar casos criminais de grande repercussão nacional, como as operações Carne Fraca, Research e Hashtag.

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Gaúcho de Porto Alegre, já se considera curitibano. Ao contrário de muitos, gosta do clima daqui. Mas ainda usa expressões como “gurizada”. Aos 27 anos desembarcou na capital do Paraná. Era janeiro de 2000. Começou, por coincidência, atuando justamente na mesma vara criminal em que está hoje, mas na época era substituto. Foi também juiz em Foz do Iguaçu, Guarapuava e Paranaguá. Uma caneca do Grêmio e uma bandeirinha tricolor sobre a mesa deixam bem claras as raízes. Outro “fator” que o faz lembrar sempre da terra natal é a esposa. Bianca Mazur é curitibana, mas atua como procuradora no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre. Vivem na ponte aérea.

Dos mais de mil processos recebidos na vara, a maior parte é por falsificação de documento, estelionato, sonegação de impostos, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro, além de casos de distribuição de pornografia infantil. A rotina era mais ou menos tranquila, fora dos holofotes, até meados do ano passado. Quando estourou a operação Hashtag, o nome de Josegrei também apareceu. Menos de um mês antes da Olimpíada do Rio, ele autorizou a prisão de suspeitos de terrorismo, que estariam planejando um atentado. Foi alvo de duras críticas, que viam exagero nas ações encabeçadas pela Polícia Federal e pela Agência Brasileira de Inteligência.

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Passado um ano, Josegrei não se arrepende. De lá para cá, condenou oito pessoas no caso, sendo considerada a primeira aplicação da lei antiterror no Brasil. Sem precedentes nacionais, se debruçou sobre a legislação de outros países. Tanto no regramento jurídico brasileiro como no estrangeiro encontrou respaldo para considerar que a intenção manifesta de organizar um atentado é suficiente para tirar de circulação quem pode causar danos irreparáveis à sociedade. “Todo terrorista é amador até fazer algo”, rebate. “Mas aí”, completa, “já é tarde demais”.

Para ele, os envolvidos mais do que comemoravam a morte de pessoas em atentados promovidos mundo afora. Eles eram agentes que disseminavam e banalizavam a violência, estimulando e fazendo propaganda positiva. Além de planejar agir, incentivavam que alguém tomasse a atitude de fazer algo. “Há uma discussão de conceito. Quem é terrorista? Só quem faz algo?”, questiona, já pronto para responder. O entendimento que adotou no julgamento é de que promover esse tipo de violência está sujeito à punição. Como paralelo, usou outras previsões legais, como a publicidade racista ou nazista – ou mesmo a disseminação de pornografia: mesmo que o sujeito nunca tenha encostado numa criança, o simples encaminhamento de uma imagem pornográfica infantil é tipificado como crime – não só pelo impacto na imagem e privacidade, mas como incentivo à prática do ato em si.

Questionado se acredita que algum ato terrorista aconteceria durante a Olimpíada do Rio, caso as prisões não tivessem sido realizadas, destaca que essa é a “resposta de um milhão de dólares”. Não adotar nenhuma medida pode representar um risco, segundo ele. “Tem coisas que não dá para deixar crescer”, pondera.

Na época, foi acusado de mandar prender ladrão de galinha. Todos os acusados negaram que planejassem um atentado, mas alguns admitiram simpatia pelo Estado Islâmico e consideravam legítimas as ações para exterminar “infiéis”. Eram quatro mais atuantes e quatro mais operacionais, que se estimulavam mutuamente. Com base na lei que estabelece que é crime “promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista”, foram condenados, em maio, a penas que variam de 5 a 15 anos de prisão. Quatro cumprem pena em penitenciária federal e aguardam recurso do TRF4.

Nova fase

Um novo solavanco na carreira do juiz veio em fevereiro, com a deflagração da operação Research. Um esquema – considerado, até certo ponto, grosseiro pela Polícia Federal – capaz de desviar pelo menos R$ 7,4 milhões em dinheiro que deveria ir para o incentivo à pesquisa na Universidade Federal do Paraná. Para Josegrei, o caso revela a face banal da corrupção no Brasil, pois “mostra a ausência de cuidado com o dinheiro público, até nesse tipo de coisa”. Mostra também, segundo ele, o lado nefasto do compadrio, da “maldita amizade”, que leva ao favorecimento a pessoas próximas. “Causa um certo incômodo o fato da participação de terceiros. As pessoas têm que desconfiar, mas se dão ao luxo de assumir o risco.”

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Por decisão do TRF4, todos os réus da operação Research estão soltos – alguns com tornozeleira eletrônica, e proibidos de sair de casa em determinados horários – numa espécie de prisão domiciliar – e de fazer contato com outros envolvidos. As audiências para depoimentos estão previstas para outubro e, nesse ritmo, até o final do ano deve sair a sentença da primeira ação.

O caso segue em investigação pela Polícia Federal e pelo Ministério Público e mais processos judiciais não estão descartados. Além da questão criminal, a improbidade – má gestão do dinheiro público – deve ser alvo de cobrança na Justiça.

Podridão

Em meio a miniaturas de carros de corrida e aviões sobre a mesa, Josegrei fala de sua tarefa mais árdua. A operação Carne Fraca tem tomado os seus dias desde março, quando veio a público um esquema que estava sendo investigado nos meses anteriores e revelou as entranhas do setor frigorífico no Brasil.

Fã de churrasco, o juiz destaca que, pelo que foi evidenciado até agora, se trata muito mais de um caso de corrupção do que sanitário. Ele estudou a fundo todo o funcionamento do setor e não para de falar nem enquanto coloca o café na máquina. Faz questão de servir quem chega à sua sala – na maior parte do tempo, advogados em busca de sensibilizar, com memoriais, o juiz para soltar os presos. A Carne Fraca tem 18 réus espalhados por prisões país afora. Até por isso, os processos andam rápido – quando os envolvidos estão presos, os prazos são mais curtos.

As semanas do juiz estão tomadas por audiência. Foram arroladas 627 testemunhas. De julho a outubro, são quatro dias por semana ouvindo depoimentos. Acostumado a lidar com estelionatários, tidos como os criminosos com mais lábia, o juiz se mantém firme durante as sessões. Mas considera que ser rigoroso seja uma marca sua.

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“Sou um pouco, mas não me considero sistemático. Eu mudo de opinião, sem problema, se me convenço com os argumentos. Tenho a mente aberta (...) Mas quando há provas, não sou do tipo de que sente pena.”

Quando teve acesso à investigação – a partir dos pedidos judiciais de grampos telefônicos e prisões, Josegrei sabia que estava lidando com algo grave –, mas nem “sonhava” com a repercussão. “O pessoal ficou muito impressionado porque tinha a ver com comida. Gerou uma comoção”, comenta. Apesar de casos flagrantes de carne podre ou falhas na produção, o juiz ressalta que, até o momento, o que veio à tona foi a permissividade das relações entre empresas e fiscais do Ministério da Agricultura.

Josegrei conta que alguns técnicos do governo relataram que a operação foi o estopim para que uma série de medidas fossem tomadas para melhorar os processos. “Ajudou a sanear o mercado da carne no Brasil”, resume. Das cinco ações da Carne Fraca, duas estão mais perto de sentença. Mas, como o caso segue em investigação, mais indícios de irregularidade ainda podem surgir.

Informal no trato, Josegrei confirma que está, cada vez mais, fugindo da linguagem empolada e baseada no juridiquês que é tão presente no Judiciário. “Quando o juiz entra na carreira, quer demonstrar erudição. Mas não é um trabalho acadêmico. Tem a finalidade de resolver problemas. Não precisa escrever de um jeito que só poucos vão entender”, dispara. O medo permanente de todo juiz – condenar um inocente ou inocentar um culpado – foi sendo administrado ao longo do tempo. “No fim, você se convence. Trabalho com o cenário das provas. Não é um juízo de adivinhação.”