A ex-secretária de Desenvolvimento Social, Fernanda Richa (PSDB) – mulher do ex-governador Beto Richa (PSDB) – disse em interrogatório que o contador das empresas da família tinha autonomia para fechar negócios imobiliários. Ela afirmou que, por isso, as perguntas relacionadas às acusações de lavagem de dinheiro teriam que ser dirigidas a ele - que alega ter agido sempre dentro da legalidade nos negócios da família do político tucano. Fernanda foi ouvida pelos promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) no dia 14 de setembro, mas o vídeo da oitiva (veja aqui) foi disponibilizado no processo nesta segunda-feira (24).
Fernanda, Beto e outras 13 pessoas chegaram a ser presos temporariamente na Operação Radio Patrulha, que apura um esquema de corrupção no programa Patrulhas do Campo, executado na gestão Richa. Segundo as investigações, parte do dinheiro desviado era lavado a partir de transações imobiliárias. Pelo menos dois imóveis teriam sido adquiridos permutados a partir de empresas ligados à família Richa, que teria recebido mais de R$ 2,3 milhões de forma oculta.
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Segundo Fernanda, o contador Dirceu Pupo – que é um dos investigados na operação e que também foi preso temporariamente – presta serviços à família há mais de 40 anos e goza de plena confiança do clã. Em razão disso, a ex-secretária afirmou que o contador tinha total autonomia para comprar e vender imóveis para as empresas Ocaporã e BFMAR – ambas dos Richa.
“Temos muitos imóveis. E muitos imóveis são negociados, vendidos, comprados para que a gente possa ter renda. O Dirceu tem autonomia de poder vender, de poder comprar, de avaliar se é o melhor momento ou não”, disse. “Eu confio plenamente no Dirceu e vou continuar confiando. (...) Ele tem autonomia [para fechar negócios]. Se for um bom negócio, sim”, acrescentou.
No entanto, quando questionada sobre duas operações específicas que são alvo da operação, Fernanda Richa não soube dar detalhes específicos. Ao longo do interrogatório, que se estendeu por 46 minutos, em várias ocasiões a ex-secretária respondeu os promotores assim: “Isso o senhor tem que perguntar para o Dirceu”.
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Transações imobiliárias
Uma das transações investigadas é a aquisição de um lote de dois mil metros quadrados no condomínio Paysage Beau Rivage, em Santa Felicidade, mediante permuta com dois terrenos localizados no Alphaville Graciosa, que pertenciam a Ocaporã Administradora de Bens. Segundo os promotores, causou “estranheza” que os dois terrenos dados no negócio pela família Richa estavam avaliados em R$ 500 mil, enquanto o lote do Paysage Beau Rivage estaria avaliado em R$ 2 milhões.
“Eu não posso dar essa resposta, porque nem acredito que seja isso [esses valores]”, relatou a ex-secretária.
Os promotores mencionaram ainda a delação do empresário Tony Garcia, que afirmou que a transação teria envolvido o repasse oculto – não declarado – de R$ 900 mil, o que configuraria lavagem de dinheiro. Fernanda disse que o contador sempre fazia os negócios da empresa a partir de transferências bancárias (TED) e pôs em dúvida as palavras do delator.
“Sinceramente, não acredito. Entre as palavras deste tal senhor com as atitudes do Dirceu, não acredito. Dirceu não faria isso. É uma pessoa justa, honeste, decente”, declarou.
O outro negócio foi a aquisição de salas comerciais – onde hoje funcionam as sedes Ocaporã e BFMAR. Segundo as investigações, o imóvel foi trocado por um apartamento que a família Richa tinha em Balneário Camboriu, que estava registrado por R$ 400 mil. Os promotores, a transação envolveu ainda R$ 1,4 milhão em espécie – dinheiro que também não teria sido contabilizado. O montante teria sido entregue por Dirceu Pupo, na presença de testemunhas já ouvidas pelo Gaeco.
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“O senhor tem que perguntar isso para o Dirceu”, respondeu Fernanda, mais uma vez. Perguntada sobre quem teria dado a ordem para fazer o pagamento por fora, caso isso tenha acontecido, a ex-secretária se eximiu: “Não [foi ordem] minha”, disse.
Fernanda também confirmou que Beto Richa tem participação na BFMAR, embora o nome do ex-governador não conste da composição societária da empresa. A ex-secretária também ressaltou que sua “origem financeira” provém da herança deixada por seu pai e que as empresas são a principal fonte de renda da família. Ela disse que cada um dos três filhos tira um pró-labore mensal de R$ 20 mil e que as empresas deveriam dar lucro porque o que os vencimentos que o casal Richa recebe na vida pública não bastam para o padrão de vida que eles mantêm.
“O salário que ele [Richa] ganha e que eu ganho não condiz com a vida que eu tenho”, disse.
A operação
Beto, Fernanda, Pepe e Ezequias foram presos temporariamente na manhã de 11 de setembro, pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-PR, no âmbito da Operação Rádio Patrulha. As investigações apuravam fraudes no programa Patrulhas do Campo, executado pelo governo do Paraná na gestão de Richa. Os envolvidos negam as acusações.
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Segundo os promotores, a licitação foi direcionada a três empresas, que, em contrapartida, pagavam propina ao núcleo político de Richa. Áudios entregues pelo empresário Tony Garcia – que se tornou delator do esquema – mostram os empresários definindo o valor da propina (8% do que receberiam como pagamento). Em outra gravação, o próprio Richa diz ter entrado um “tico-tico” na conta de um dos empresários e orienta Garcia a “ir pra cima”. O Gaeco aponta o ex-governador como chefe do esquema.
Defesa
A defesa do contador Dirceu Pupo Ferreira já havia negado qualquer irregularidade por meio de nota divulgada à imprensa no último dia 16. Nela, diz que “os atos praticados por Dirceu Pupo Ferreira, em nome da família Richa, foram legais e serão devidamente esclarecidos”.
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