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O ex-deputado Tony Garcia garante que Beto Richa estava ciente de que licitação da PR-323 envolvia pagamento via caixa 2. | Leticia Akemi/Gazeta do Povo
O ex-deputado Tony Garcia garante que Beto Richa estava ciente de que licitação da PR-323 envolvia pagamento via caixa 2.| Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo

A delação do empresário e ex-deputado Tony Garcia não se restringiu às declarações que culminaram na Operação Rádio Patrulha – que chegou a levar à cadeia o ex-governador e candidato ao Senado, Beto Richa (PSDB). Ele também detalhou os bastidores de negociações relacionadas à licitação da rodovia PR-323, no Noroeste do Paraná, investigada na Operação Lava Jato. Segundo as apurações, a licitação foi direcionada à Odebrecht, que, em contrapartida, repassaria R$ 4 milhões à campanha de reeleição de Richa, em 2014. Os citados negam irregularidades (veja aqui o que eles alegam).

Em entrevista exclusiva concedida à Gazeta do Povo, Tony Garcia reiterou o que disse em sua delação. O empresário relatou uma série de reuniões e conversas com Richa – de quem era amigo – e assegurou que o então governador sabia que as negociações em torno do direcionamento da licitação da PR-323 envolviam o pagamento de propina. “É claro que ele sabia. Ela conversava disso diretamente comigo, então é claro que ele sabia”, disse.

VÍDEO: Veja as declarações de Tony Garcia em entrevista à Gazeta do Povo

Início

Tony Garcia narra que em 2013 passou a intermediar reuniões de representantes do Grupo Bertin com o governo do Paraná. O holding tinha interesse em um projeto para vender ativos de termoelétricas em Aratu, na Bahia, à Companhia Paranaense de Energia (Copel). O delator diz ter agendado uma reunião dos empresários com o então chefe de gabinete de Richa, Deonilson Roldo – que hoje está preso e que é réu na Lava Jato.

“Ficaram quase duas horas em reunião e saíram de lá com uma carta de confidencialidade”, disse Garcia.

Com o lançamento do edital de licitação da Parceria Público-Privada (PPP) da PR-323, o Grupo Bertin teria acionado Garcia no início de 2014, manifestando interesse em participar do certame e pedindo para ele fizesse uma espécie de lobby junto ao governo. Segundo o delator, o Bertin tinha condições de bancar um preço cerca de 60% menor do que o da Odebrecht, o que jogaria o preço do pedágio a R$ 2,60 – ante os R$ 4,10 propostos pela concorrência.

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O delator relata que Richa teria se entusiasmado com a oferta, mas teria perguntado se o negócio envolvia “ajuda na campanha”. “Eu procurei o Beto e fui expor pra ele como funcionava o negócio (...). Ele me falou assim: ‘Não precisa nem botar [o valor do pedágio] em R$ 2,60. Se botasse a 3 reais estava ótimo. Politicamente pra mim estaria bom demais, só de sair da casa dos 4 reais... Nossa. Eu estendo tapete vermelho se eles fizerem isso’, mas, vírgula, ‘eles ajudam a gente na campanha?’, ele me perguntou”, contou Garcia.

O empresário disse que, então, procurou novamente o Grupo Bertin, para esmiuçar a proposta. A holding teria pedido um adiamento de 15 dias na licitação – para viabilizar a documentação para participar do certame – e acrescentado que se o projeto Aratu e a PR-323 ficassem com o Bertin, Richa receberia R$ 100 milhões via caixa 2, para financiar sua campanha.

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“Voltei depois de alguns dias na casa dele [de Richa] e disse: ‘Se der tudo certo, os dois negócios, tanto o da Copel, quanto isso [a PR-323], tem R$ 100 milhões para a campanha. Você resolve tudo!’”, narrou Garcia.

Gravação

Logo depois, em fevereiro de 2014, o empresário Pedro Rache foi a Curitiba, após ter recebido ligações do chefe de gabinete de Richa. Rache era presidente da Contern – construtora do Grupo Bertin. Orientado por Garcia, o empresário gravou a conversa com Deonilson Roldo, que disse que a licitação da PR-323 já estaria “comprometida” com outra empresa, dando a entender que a construtora deveria desistir da concorrência. O conteúdo do áudio foi revelado em maio.

Garcia diz que levou a gravação da conversa ao irmão de Richa, o então secretário de Infraestrutura, Pepe Richa e ao próprio Deonilson Roldo. O delator afirma que também tentou apresentar o áudio ao governador. “Fui até a casa do Beto [Richa] e quis mostrar o pen drive pra ele. Ele não quis ouvir, quis ligar para o Deonilson pra brigar (...). Eu disse: ‘Mas ouça. É importante você ouvir. É gravíssimo. É do lado da sua sala’”, relatou.

Em junho deste ano, Garcia entregou a cópia do áudio ao Ministério Público Federal, que anuiu a delação formalizada junto ao Ministério Público Estadual. A gravação é uma das provas usadas na 53ª fase da Lava Jato, que levou Roldo à prisão. E evidência também é mencionada na denúncia aceita pela Justiça Federal e que tornou o ex-chefe de gabinete de Richa réu no processo.

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Vitória da Odebrecht e “problema”

Com o Grupo Bertin fora do páreo, a Odebrecht acabou vencendo a licitação da PR-323. A obra, no entanto, nunca saiu do papel. Pouco depois, ainda em 2014, a construtora se tornou um dos alvos da Lava Jato e teve presos seus mais altos executivos. Segundo Garcia, naquele momento, ele teria orientado Richa a revogar a licitação, mas Roldo teria sido contrário à ideia, porque a Odebrecht já teria “adiantado” o pagamento de propina.

“Eu falava: ‘Beto [Richa], isso vai dar problema. Tem coisa errada, tem aquela gravação [de Roldo]. Isso está na delação da Odebrecht. Você vai cair”, relatou Garcia. “Aí, o Deonilson [Roldo] falou na frente dele [de Richa]: ‘Só tem um problema. Vai fazer o quê com o que eles adiantaram?’. Eu falei: ‘Devolve!’. (...) Como se nada tivesse acontecido, tocaram em frente”, completou.

Na Operação Lava Jato, executivos da Odebrecht que se tornaram delatores – como Benedicto Junior, Luciano Pizzato e Luiz Antônio Bueno Junior – detalharam que o direcionamento da licitação à construtora estava condicionado ao pagamento de R$ 4 milhões à campanha de Richa, via caixa 2. Deste total, os colaboradores afirmam que R$ 3,5 milhões foram efetivamente pagos. Nas planilhas da Odebrecht, Richa era identificado pelo codinome “Piloto” – em alusão a sua paixão pelo automobilismo.

Segundo Garcia, no entanto, outros agentes públicos podem ter recebido propina no esquema, em um total que passaria de R$ 11 milhões. “Pelo que fiquei sabendo da parte da Odebrecht, [a contrapartida] era R$ 4 milhões, mas eu sei que tinha outros envolvidos, que o valor somou mais de R$ 11 milhões”, afirmou.

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Outro lado

Por meio de sua assessoria de comunicação, Richa disse que “qualquer manifestação sobre o referido processo se dará nos autos. Persiste a confiança na Justiça”.

A reportagem entrou em contato com os advogados de Roldo, mas não houve posicionamento. Quando a gravação veio a público, o ex-chefe de gabinete negou irregularidades, direcionamento na licitação ou recebimento de vantagens. Disse ainda que estava sendo vítima de “chantagem continuada” e classificou a gravação de “premeditada e ilegal”.

A defesa de Pepe Richa disse que se manifestará nos autos do processo.

Na ocasião do vazamento do áudio da conversa entre Rache e Roldo, a Copel emitiu nota em que disse que “nunca recebeu do Governo do Estado pedido ou orientação para aquisição do Complexo Termoelétrico Aratu ou qualquer outro empreendimento ou ativo. A empresa tem administração independente e autonomia em suas decisões, vinculadas a protocolos de governança inerentes à regulação do setor elétrico, Comissão de Valores Mobiliários, Securities Exchange Commission e Lei Sarbanes Oxley (a Copel está listada na Bolsa de Nova Iorque), além de toda a legislação aplicável”.

Quando o áudio foi publicado, a Contern - do Grupo Bertin - emitiu nota em que disse que “participou da licitação da PR 323, do mesmo modo que concorreu em outros tantos processos licitatórios. O engenheiro Pedro Rache exerceu durante vários anos funções de direção na Contern, tendo sob sua responsabilidade interação com os órgãos públicos aos quais as licitações estavam vinculadas. Em nenhum momento, a Contern recebeu sinais de que o referido processo licitatório estaria direcionado para uma ou outra determinada construtora”.

Confira o vídeo com as declarações de Tony Garcia:

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