Inauguração de ponto de ônibus, de “devolutômetro”, de totem do Detran e até de campinho de futebol. O que poderia passar como ações corriqueiras realizadas pelas gestões do Executivo estadual e municipal transformou-se neste ano em inaugurações com a presença de lideranças do estado e da capital.
GALERIA DE FOTOS: Veja imagens das inaugurações incomuns no estado nos últimos meses
O governador Beto Richa (PSDB) e o prefeito Rafael Greca (PMN) celebraram, no dia 23 de maio deste ano, a inauguração do primeiro totem para autoatendimento do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) nas ruas da cidadania da capital. O equipamento começou a funcionar na unidade do Pinheirinho.
Já em 26 de julho, inaugurou no Centro de Curitiba um painel que mostra quanto o governo já devolveu aos cidadãos que participam do programa Nota Paraná. Inspirado no “Impostômetro” mantido pela Associação Comercial do Paraná (ACP) tamém na região central da capital do estado, o equipamento foi batizado de “Devolutômetro”.
No dia 28 de agosto passado, Greca foi ao bairro Santa Cândida para inaugurar, na companhia do vereador Bruno Pessuti (PSD), um ponto de ônibus, parte da extensão da linha São Benedito.
Ao longo deste ano, o ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Urbano e deputado estadual Ratinho Jr. (PSD) inaugurou canchas de futebol society em várias cidades do Paraná. O primeiro ato de lançamento do projeto “Meu Campinho” ocorreu em São João do Triunfo em fevereiro.
Esse tipo de ação não é exclusividade de políticos paranaenses. Em seu primeiro dia de mandato, o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), se vestiu de gari para lançar um programa de zeladoria e limpeza urbana em uma ação no centro da cidade. No dia 20 de agosto, o tucano inaugurou uma obra de revitalização de um campo de futebol no Parque do Ibirapuera, zona sul da capital paulista. Com o ex-jogador Ronaldo, o corinthiano Jô e os atletas do salto com vara Fabiana Murer e Thiago Braz, Dória fez embaixadinhas ao lado do Fenômeno e apresentou o local, que ganhou grama sintética, iluminação e traves novas. A obra foi uma parceria da prefeitura com a Nike.
Os exemplos se espalham pelo país e não vêm de hoje: em 2010, o então prefeito da cidade de Elísio Medrado (BA), Everaldo Caldas, inaugurou uma lombada com uma garrafa de champanhe.
Folclore
“Se por um lado isso não é novidade e faz parte do folclore da política brasileira, parece ser uma reação tardia e talvez de baixa eficácia de recuperar a imagem dos políticos diante da profusão de escândalos de corrupção e mau uso dos recursos públicos”, analisa o cientista político Paulo Roberto Neves Costa, professor do departamento de Ciência Política da UFPR. Ainda que tais ações possam vir na esteira de uma crise institucional profunda enfrentada pelo país, somada a um contexto de escassez de recursos, para Costa a divulgação de tais ações deveria ocorrer de outro modo. E exige um olhar atento do eleitor.
“Na melhor das hipóteses, não estariam fazendo mais do que sua obrigação enquanto gestores, e a divulgação disso deveria se reduzir a informar a população. Daí a importância de a população estar atenta a isso e procurar comparar as ações com o que se espera de cada autoridade pública, e as promessas feitas em campanha”.
Já na visão de Doacir Quadros, cientista político da Uninter, expedientes como os protagonizados por políticos soam como uma tentativa de gestores e pré-candidatos de ser aproximar de um eleitor mais popular, com menos acesso à informação.
“A estratégia é se aproximar de um perfil de eleitorado de baixa sofisticação política, que define seu voto a partir de ações mais pontuais, mais claras para ele. Então, a creche, o ponto de ônibus, uma cancha de futebol, isso tem capacidade de conquistar esse eleitor”, avalia.
Quadros sugere ainda que, em Curitiba, tais agendas nascem também de um desejo de distanciamento da impressão que acabou pairando sobre a gestão do ex-prefeito Gustavo Fruet (PDT). Em sua campanha à reeleição, o pedetista enfatizou ter sido o líder do Executivo municipal que menos gastou com publicidade – os gastos caíram 65% na comparação com a gestão anterior, que abrangeu os trabalhos de Richa e Luciano Ducci (PSB).
Assim, para o analista, as inaugurações de obras e serviços de menos impacto podem ser uma tentativa de “mostrar serviço”, adotando a máxima de que é melhor pecar pelo exagero do que pela omissão. “Uma das explicações para as derrotas de Ducci e Fruet é a de que eles não estavam nas ruas, mostrando a realização das suas gestões. Quando fizeram, já era tarde, e isso contribuiu para a ideia de que se o político não fez ‘nada’ na sua gestão, por que continuar?”, pondera Quadros.
É a democracia
É preciso, entretanto, entender alguns aspectos de um sistema democrático ao observar tais inaugurações, reflete Costa. E nessa avaliação, sugere o professor, o senso crítico do eleitor também deve estar apurado, de modo a permitir identificar intenções e resultados apresentados pelas gestões.
“A população tem que saber que algumas coisas são normais e características das democracias. Por mais que possam parecer ridículas para algumas pessoas, devem ser aceitas com certa naturalidade e com atenção para reconhecer quando se trata de um bom trabalho ou um mero jogo de propaganda”, orienta. “A democracia exige empenho e atenção dos cidadãos, não só dos políticos.”
O professor entende esse tipo de programação como uma tentativa de estabelecer uma “agenda positiva” em que os gestores prestariam contas do que está sendo realizado ao longo dos mandatos e mostrariam à população e à mídia que estão trabalhando, apesar das dificuldades. “Infelizmente, isso pouco altera a forma como se faz política e como se trata a coisa pública em nosso país”, lamenta. “O resultado eleitoral [gerado por essas ações] vai depender da forma como a população vai reagir a isso, e os políticos e seus assessores certamente estarão atentos”.
Legado
Em julho, cinco dos 12 projetos que compõem o pacote fiscal do Greca foram aprovados pela Câmara Municipal. Para enxugar as contas do município, o pacote suspende, por exemplo, os planos de carreira dos servidores municipais, com prazo de três meses para a formação de comissões que revisarão os planos, cujos trabalhos devem terminar em até 18 meses; limita os gastos públicos com propaganda a 0,6% da Receita Corrente Líquida; e amplia a previsão do déficit municipal deste ano, de R$ 303 milhões para R$ 2,19 bilhões.
Quadros acredita que esse cenário de torneiras fechadas e, portanto, poucas obras de impacto sendo realizadas afeta a agenda dos gestores, que veem nas intervenções urbanas menos relevantes a possibilidade de “estar na rua”. O resultado disso, avalia, é a perspectiva de um legado menor.
“Elas (obras como ponto de ônibus e quadra de esportes) não deixam um legado. As grandes obras sim, quando se fala em parques, em sistemas de transporte, isso é legado para a cidade”, reflete.
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