O prefeito Rafael Greca durante reinauguração do bondinho da Rua XV.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

“Deixem em paz as capivaras, façam tranquilas o seu banho.” Esse é um trecho do Poema do Rio Iguaçu, cujo autor, Rafael Greca de Macedo , costuma declamar a qualquer momento, seja durante um discurso, entrevista ou conversa informal. Dono de um carisma peculiar, o prefeito de Curitiba pelo pequeno Partido da Mobilização Nacional (PMN) tem um jeito bonachão que agrada boa parte dos curitibanos – ao menos se considerado o resultado das últimas eleições municipais –, mesmo que a personalidade do curitibano médio seja descrita como “fechada”.

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Greca chora fácil, brada o amor pela cidade e pela esposa Margarita Sansone a todo instante, interrompe interlocutores e quebra protocolos sem pudor quando decide que é hora de se fazer ouvir. Depois de ficar afastado do protagonismo político quando estava no ápice da carreira pública ao ser obrigado a deixar o Ministério do Esporte e Turismo, no ano 2000, Greca encontrou em seu próprio jeitão uma forma de driblar a antipatia do eleitorado pela classe política, tão marcante nos últimos anos. Sua segunda passagem pela prefeitura rende situações que traduzem o perfil do político: apaixonado pelo que faz, profundo conhecedor da história e das pessoas de Curitiba, afeito à estética urbana, com pitadas de autoritarismo e vaidade.

A maneira de Greca falar, seu gestual e as expressões que usa são marcas que saltam aos olhos do interlocutor. O estilo caricato o aproxima das pessoas, mas também o torna alvo constante de paródias. “O Rafael Greca já tem humor em suas falas”, diz o humorista Diogo Portugal, que o imita desde a época em que o prefeito iniciava na carreira política, como vereador. “Minhas imitações nunca foram ofensivas. Costumava repetir o que ele mesmo havia falado, criando piada em cima do tema”, explica Portugal. Adversários também se aproveitam e, como o humorista, dizem que o segredo está na brincadeira com a língua.

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Participar de evento público ao lado do prefeito pode ser também um momento de tensão, mesmo para políticos rodados. De repente, ele pode entoar o hino de Curitiba a capela sem qualquer aviso – como aconteceu há algumas semanas, durante lançamento de uma operação da Guarda Municipal no Largo da Ordem [um vídeo do episódio já foi compartilhado mais de 1,6 mil vezes na internet]. Mas a situação pode ficar realmente complicada quando no meio de algum verso ele passa o microfone para a pessoa ao lado, que é pega de calças curtas. Já aconteceu com um constrangido ex-governador Beto Richa (PSDB) , que, transformado em backing vocal, ficou sem voz. Greca é assim, imprevisível e bom no improviso.

Pessoas próximas dizem que ele é um Google ambulante quando se trata da história de Curitiba. A diferença é que dispensa palavras-chave para dar respostas. Basta estar por perto. Muito mais do que conhecer os fatos e personagens da cidade, Greca é, por vezes, ator principal das estórias e polêmicas. 

Uma das mais recentes aconteceu durante a disputa no primeiro turno pela prefeitura, em 2016. “Nunca cuidei dos pobres, eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez quer tentei carregar um pobre e pôr dentro do meu carro, eu vomitei por causa do cheiro”, disse o então candidato, durante sabatina promovida nas dependências da PUCPR (veja o vídeo aqui). Mais tarde se desculpou. “Não tive a capacidade de explicar a dificuldade que vivi ao tentar realizar o trabalho de resgate social na minha juventude”. E atacou. “Mais uma vez, descontextualizam o que falo para tentar enganar as pessoas.”

Nunca cuidei dos pobres, eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez quer tentei carregar um pobre e pôr dentro do meu carro, eu vomitei por causa do cheiro.

Rafael Greca

O episódio não interferiu no resultado da eleição e Greca saiu vitorioso do segundo turno disputado contra Ney Leprevost (PSD). “Mais importante que esta coisa folclórica em torno do Greca, que de fato chama atenção, é o perfil de uma pessoa disposta, que fala bem de Curitiba e promove a cidade”, avalia Bruno Bolognesi, cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários. Ele sustenta que a fama de bom gestor de Greca e o orgulho que os moradores têm da cidade, reverberado por ele, foi determinante para o resultado das eleições municipais.

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Mesmo animado pela vitória, o prefeito eleito não escondeu uma de suas características mais intensas – não reagir bem quando é contrariado. Ao participar de entrevista pela Gazeta do Povo seguida ao resultado positivo, Greca foi sarcástico e interrompeu o repórter quando ainda elaborava uma pergunta sobre os caminhos da vitória, após anos amargando revezes. O entrevistado pegou na mão do jornalista e cantarolou: “Pela estrada afora eu vou bem sozinha levar estes doces para a vovozinha...”. Ao final, emendou: “Pare de ser lobo mau!”. Após insistência, acabou respondendo. “Essa característica de fazer chacota com música e ser rude com a imprensa, em certa medida, é uma característica de gente autoritária, líderes que acham que nunca podem ser questionados”, aponta Bolognesi. 

Em 2000, o principal episódio que marcou a saída melancólica do governo do então ministro do Esporte e Turismo, que chegou com status de estrela ao substituir outra celebridade, o Rei Pelé, foi a acusação de fazer parte da Máfia dos Caça-níqueis – da qual acabou inocentado em 2012, mas que lhe custou a cabeça na época. Assim como o emblemático fiasco da Nau Capitânia, construída sob os olhos de seu ministério especialmente para a comemoração dos 500 anos de descoberta do Brasil. A embarcação custou na época R$ 3,8 milhões (cerca de R$ 11 milhões em valores atuais), porém não conseguiu cumprir o plano de navegar até Porto Seguro, partindo de Salvador. Atualmente, a réplica da caravela portuguesa está atracada no Rio de Janeiro. Rebatizada de Nau do Descobrimento, está disponível para visitação pública.

Marcas

Eleito prefeito em 2016, um de seus primeiros atos no comando do Palácio 29 de Março foi a limpeza do calçadão da Rua XV. Empunhando uma mangueira, Greca deu as primeiras esguichadas nas pedras de petit-pavé, o que foi classificado por adversários como ação de marketing. Mais recentemente, encarnou o papel de pintor durante ação da prefeitura para remover pichação de prédios históricos no centro da cidade. “As características espalhafatosas pouco importam. As pessoas enxergam o que mais importa, que ele fez uma gestão gerencial de Curitiba no primeiro mandato”, classifica Bolognesi. Segundo o professor da UFPR, estudos mostram que a política local nas cidades pequenas e médias é de gerenciamento, ou seja: asfaltar rua, pintar muro, construir posto de saúde, parques, escolas. “Isto é que as pessoas lembram”, diz.

Cada governante tem a obrigação de deixar sua marca na cara da cidade. É um fraco aquele que passa só se lamentando, não deixando efetivas marcas na cidade.

Rafael Greca

O desejo de deixar um legado por meio da realização de obras vultuosas e o orgulho pelo paternalismo aos necessitados acompanham Greca desde o primeiro mandato como prefeito. Durante entrevista concedida a Sylvio Sebastiani e Eneas Farias, exibida no dia 5 de maio de 1996, descreveu assim uma visita a uma unidade de assistência social da capital: “Quando entrei na sala de triagem estavam os homens de rua da cidade que se levantaram para me cumprimentar. Perguntei: ‘vocês sabem quem eu sou?’. Porque eram tão despossuídos, tão excluídos, tão pobres. Eles responderam: ‘claro, é o nosso prefeito Rafael!”, contou ainda exibindo cabelos castanhos. “Poucas vezes os pobres poderão dizer ‘é o nosso prefeito!’”, completou, orgulhoso.

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Aos dois entrevistadores, Greca também garantiu que ainda iria fazer muitas obras como a conclusão do Parque Tingui, construção do Parque Tanguá, Ruas da Cidadania, Faróis do Saber, “umas fontes, urbanizações no centro da cidade, porque a beleza também é uma função urbana”. “Cada governante tem a obrigação de deixar sua marca na cara da cidade. É um fraco aquele que passa só se lamentando, não deixando efetivas marcas na cidade”, concluiu, há 22 anos.

Embates virtuais e reais

Ativo nas redes sociais, o prefeito faz questão de postar vídeos dos feitos em seus perfis. Greca se comunica com seus seguidores, vez outra, e fica extremamente chateado com reações negativas. De acordo com assessores, ele busca unanimidade e cobra que seu time demova os críticos de argumentos. Esse posicionamento já lhe rendeu debates virtuais até com celebridades como Luciano Huck, quando este comparou uma área na Caximba, a Vila 29 de Outubro, ao Haiti. Além de corrigir equívocos na postagem do apresentador, Greca completou escrevendo que “pode até parecer Haiti, mas é Curitiba, e aqui não tem vodu. Temos a Luz dos Pinhais, a vontade de servir nossa gente”.

Outro embate, desta vez ao vivo e com um anônimo, também viralizou pela internet. Durante a campanha para prefeitura municipal, em 2016, Greca, que participava de entrevista ao vivo pela televisão com participação do público, foi surpreendido pela pergunta de um telespectador sobre sua orientação sexual. O homem pediu para que escolhesse qual opção lhe cabia: gay, bissexual ou assexuado. Demonstrando claro descontentamento com a interpelação de baixo calão, Greca lembrou que era casado com Margarita e disparou (para muitos, “mitou”): “Essa pergunta só teria sentido se eu governasse com a bunda, mas como vou governar com a cabeça é uma bobagem”. 

Essa pergunta [sobre a minha sexualidade] só teria sentido se eu governasse com a bunda, mas como vou governar com a cabeça é uma bobagem.

Rafael Greca

O longevo casamento é um dos fatores que também explica a popularidade do prefeito entre os mais conservadores. “Ele fala da Margarita todo o tempo. As pessoas gostam do casal que está a vida toda junto e valorizam este casamento”, opina Daniela Drummond, mestre e doutoranda de Ciência Política pela UFPR. “Além disso, tem a imagem de pessoa culta, bem educada, refinada e que entende de arte”, completa.

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Para os analistas, o fato é que Rafael Greca traz consigo a áurea de quem comandou a cidade nos tempos de franca urbanização, com olhar gerencial e cuidado à memória de Curitiba. Também é ponto positivo o relacionamento com as pessoas, e por conhecer não só a cidade, mas o nome e a história de pessoas comuns, pipoqueiros, engraxates, donas de casa. Quando perambula pelas ruas de Curitiba é tratado com deferência de celebridade, e, como tal, também pode demonstrar temperamento de estrela.

Reeleição

Depois de uma eleição com dois turnos em 2016, Greca comemorou a vitória em êxtase, chegando a pronunciar a seguinte frase: “ganhamos de carochinhas e ratinhos”. Talvez o prefeito não imaginasse que Ratinho Junior (PSD) se elegeria governador dois anos depois. Apesar do apoio do prefeito à concorrente derrotada Cida Borghetti (PP) , a aproximação com o atual governador já está acontecendo, garantem interlocutores. “O antagonismo entre eles não tem a mesma dimensão do que foi [Gustavo] Fruet e [Beto] Richa, por exemplo”, destaca o professor Bolognesi. A aproximação significa que a capital não deverá perder apoio do governo do estado, pelo menos na questão administrativa.

De acordo com informações de bastidores, o mais importante para uma tentativa de reeleição é administrar o apoio na Câmara Municipal. Apesar de possuir maioria entre os vereadores, o que permitiu a aprovação de medidas amargas para equilibrar as contas do município, como o Plano de Recuperação Fiscal, hoje há clima de descontentamento. A base, ou seja, os futuros cabos eleitorais, espera compensação pelos esforços impopulares, o que significa a liberação de verbas para emendas parlamentares que a prefeitura está travando. 

Para Greca, a maior ameaça era a possível candidatura de Fernanda Richa. Mas essa possibilidade minguou depois da prisão temporária dela e do marido dia 11 de setembro, durante a Operação Rádio Patrulha, conduzida pelo Ministério Público do Paraná. Por isso, o atual prefeito entende que depende somente dele para garantir mais quatro anos no cargo. 

A estratégia envolve o difícil equilíbrio de realizar obras visíveis – para não incorrer no mesmo erro do antecessor, Gustavo Fruet (PDT) – ao mesmo tempo em que controla as contas públicas para não ficar no vermelho mais adiante. O sucesso da empreitada será possível se Greca tiver lábia para convencer aliados de que vale a pena eles amargarem vacas magras hoje para desfrutarem de um banquete amanhã. Em outra leitura, é encarnar hoje São Francisco de Assis para amanhã festejar como Baco.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]