Antes do feriado de carnaval, o líder do governo Michel Temer no Senado e presidente nacional do PMDB, Romero Jucá, se livrou de um dos 11 inquéritos abertos contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF). Não porque foi declarado inocente, mas pelo fato de o prazo para a condenação, em caso de culpa, ter prescrito sem que houvesse julgamento após 14 anos.
Caso parecido ocorreu com uma ação envolvendo o senador Aécio Neves (PSDB): em março do ano passado o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo, determinou o arquivamento das investigações contra o tucano após concluir que o crime atribuído a ele pelo ex-senador Sérgio Machado (CE) prescreveu. E em janeiro deste ano a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF o arquivamento, por prescrição, de um inquérito aberto em maio do ano passado para investigar o senador José Serra (PSDB-SP) a partir de delação premiada de Joesley Batista.
Os casos relatados acima são uma pequena amostra dos processos por corrupção que perdem o prazo para serem julgados pela demora da Justiça. O alto risco de prescrição é um dos temores de investigadores do Ministério Público, que travam uma batalha nos bastidores do Judiciário em meio ao chamado ‘vai e vem’ das ações em diferentes instâncias quando o crime envolve pessoas com foro privilegiado. No Paraná, duas das principais ações por corrupção, a Operação Quadro Negro – que investiga desvios de recursos de obras escolas – e a Operação Publicano – que apura um esquema de irregularidades na Receita Estadual – estão nesse rol de ‘sobe e desce’ dos tribunais.
Suspensão na Publicano
No último dia 9, em parecer com 42 páginas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) disse ao ministro Gilmar Mendes, do STF, que não concorda com a suspensão do inquérito que apura se o esquema de corrupção na Receita Estadual revelado pela Operação Publicano abasteceu a campanha de reeleição do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), em 2014. A denúncia foi feita pelo principal delator do caso, o ex-auditor fiscal da Receita Estadual Luiz Antônio de Souza. O governador e os responsáveis pela campanha negam qualquer irregularidade.
Em um trecho do parecer, o subprocurador-geral da República Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho demonstra preocupação com a possibilidade de prescrição e pede para que Gilmar Mendes dê prioridade ao julgamento do caso, “pois suspenso o inquérito pela liminar aqui deferida, não foi suspenso o prazo prescricional”.
O ministro Gilmar Mendes suspendeu o trâmite da ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em dezembro do ano passado, atendendo pedido da defesa do governador. Após a liminar de Mendes, a então relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, decidiu se afastar do caso, alegando “suspeição”. O processo teve então de ser redistribuído: por sorteio, ficou definido que a ministra Maria Thereza de Assis Moura é a nova relatora.
No começo deste mês, a nova relatora determinou o retorno das ações penais referentes às fases 1 e 2 da investigação à 3ª Vara Criminal de Londrina, onde originalmente os processos começaram a tramitar, em 2015. Os processos das fases 1 e 2 da Publicano – que trata de um esquema de propina entre empresários e fiscais da Receita Estadual – estavam paralisados desde setembro do ano passado, por decisão do STJ.
A fase 1 da Publicano já está em fase de recursos no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Dos 42 réus, apenas um deles desistiu de recorrer e aceitou a punição imposta pelo juiz Juliano Nanúncio, da 3ª Vara Criminal de Londrina. Já a fase 2, que tem mais de cem réus, teve as audiências canceladas devido à suspensão do STJ e, a partir de agora, poderá ser retomada.
Foro íntimo na Quadro Negro
A ministra do STJ Nancy Andrighi, que se declarou sob suspeição no caso na Publicano, não foi a única juíza a se afastar dos dois principais processos envolvendo corrupção no Paraná. Há menos de duas semanas, a juíza Danielle Nogueira Mota Comar, da 9ª Vara Criminal de Curitiba, declarou-se suspeita para prosseguir no comando das ações da Operação Quadro Negro, que apura o desvio de recursos na construção e reforma de escolas estaduais do Paraná.
A principal ação penal da Quadro Negro na Justiça Estadual havia sido retomada no dia 22 de janeiro, na esteira de um imbróglio envolvendo o STF e o STJ, já que nomes de autoridades detentoras de foro privilegiado surgiram ao longo da investigação, antes restrita a Curitiba.
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A ação já estava em fase próxima de uma sentença. Agora, o processo fica nas mãos do Tribunal de Justiça (TJ-PR), que deve nomear um novo juiz, da mesma vara criminal, para seguir com o caso.
Antes da desistência da juíza Danielle Comar, o promotor Carlos Alberto Choinski já havia sido afastado do caso. Ele estava atuando na operação desde o início, em 2015. “Logo após as notificações das autoridades, eu fui chamado na Subprocuradoria-Geral de Justiça, onde fui repreendido verbalmente por ter feito a notificação dessas autoridades”, relatou, deixando no ar suspeita de pressão externa sobre o trabalho dos investigadores. Por meio da assessoria do MP, o sub-procurador Eliezer Gomes da Silva, citado por Choinski, disse na época que não se manifestaria sobre o caso.
Foro privilegiado
Dias antes de o promotor Choinski ter se afastado da Quadro Negro, a juíza Danielle Comar havia decidido enviar tudo para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde tramitava na época um inquérito que tratava do suposto envolvimento no caso do conselheiro Durval Amaral, presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).
Entre as razões alegadas pela magistrada estava a possibilidade de um dos réus da Quadro Negro no primeiro grau da Justiça Estadual, o engenheiro civil Maurício Fanini, fechar um acordo de colaboração premiada. Na delação, Fanini implicaria o nome do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), que detém foro especial no STJ.
Além disso, outro réu no primeiro grau, o empresário Eduardo Lopes de Souza, também já mencionou o governador do Paraná ao longo da sua delação, homologada pelo STF no ano passado. Lopes de Souza também citou o deputado federal licenciado e secretário-chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni (PSDB), cujo foro especial é no STF. Os envolvidos nas delações negam as irregularidades apontadas.
Por causa dessas implicações, o STJ encaminhou os processos ao ministro Fux, do STF, que agora mandou devolver parte das ações à primeira instância, em Londrina.
A prescrição
No Direito Penal, a prescrição ocorre quando o Estado perde o direito de punir por não ter feito dentro de um determinado lapso de tempo. O artigo 109 do Código Penal prevê os seguintes prazos prescricionais antes de transitar em julgado a sentença final:
- Em 20 anos, se o máximo da pena sentenciada é superior a 12 anos de prisão
- Em 16 anos, se o máximo da pena é superior a 8 anos e não excede a 12
- Em 12 anos, se o máximo da pena é superior a 4 anos e não excede a 8
- Em 8 anos, se o máximo da pena é superior a 2 anos e não excede a 4
- Em 4 anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a 2
- Em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a um ano
Entenda
O que envolvem as duas principais investigações de corrupção no Paraná:
Operação Quadro Negro
A Quadro Negro foi deflagrada em julho de 2015. De acordo com as investigações do Gepatria e do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ligados ao Ministério Público do Paraná, mais de R$ 20 milhões foram desviados de obras de escolas estaduais. O dono da Valor Construtora, Eduardo Lopes de Souza, declarou em delação premiada que o dinheiro desviado abastecia a campanha de reeleição do governador Beto Richa(PSDB). O delator destacou que o então superintendente de Educação, Maurício Fanini, esperava arrecadar R$ 32 milhões com os desvios relacionados à Valor. Além disso, Lopes de Souza apontou envolvimento do chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni (PSDB), e dos deputados Ademar Traiano (PSDB) e Plauto Miró (DEM). Todos negam as acusações.
Operação Publicano
As investigações começaram em 2014, mas a operação foi deflagrada em março de 2015. A Publicano desarticulou um esquema criminoso em que, segundo as investigações, auditores fiscais cobravam propina de empresários e facilitavam a sonegação fiscal. O principal delator do caso, Luiz Antônio de Souza, detalhou que o dinheiro obtido a partir do mecanismo de corrupção teria abastecido a campanha de reeleição de Beto Richa, via caixa 2, em 2014. O governador nega qualquer envolvimento com os desvios.
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