A denúncia oferecida à Justiça pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), nesta sexta-feira (13), detalhou como funcionava o esquema que, segundo as investigações, fraudou a licitação do sistema de transporte coletivo de Curitiba. No total, 14 pessoas – entre às quais empresários e autoridades públicas – foram denunciadas pelos crimes de organização criminosa, fraude a licitação e falsidade ideológica.
De acordo com as investigações da Operação Riquixá, conduzidas pelo Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio Público (Gepatria) de Guarapuava, o esquema foi articulado por um “núcleo técnico”, formado por advogados e por uma empresa de consultoria em logística. Esse grupo se associou a um “núcleo empresarial” – empresários do Grupo Gulin, que já atuavam no transporte coletivo de Curitiba –, com vistas a proceder o direcionamento da licitação, mantendo-os à frente do sistema de ônibus da capital.
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O MP-PR apontou que, para participar da licitação – a concorrência pública nº 005/2009 –, as empresas do Grupo Gulin se dividiram de modo que passassem a integrar três consórcios – que compunham de forma majoritária. A licitação que seria lançado previa exatamente três lotes.
Modelo de licitação
Na denúncia, o MP-PR anexou e-mails do advogado Sacha Reck – que integrava o “núcleo jurídico” e que, posteriormente, se tornou um delator – que comprovam que, em dezembro de 2008, os empresários receberam a minuta do decreto que regulamentaria o serviço de transporte de passageiros e que sugeriram a alterações no documento a então diretores da Urbanização Curitiba S/A (Urbs). O decreto foi publicado pelo então prefeito Beto Richa (PSDB) dias depois.
Ainda segundo o MP-PR, o delator “confirmou que a contratação da organização criminosa [os advogados] foi realizada pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Curitiba (Setransp)” e que Reck comprovou suas declarações a partir de e-mails apreendidos.
O MP-PR aponta ainda que o grupo interferiu na elaboração do edital, de modo a beneficiar as empresas do Grupo do Gulin – que já atuavam no sistema. Segundo a denúncia, os advogados e representantes do Setransp apresentaram aos diretores da Urbs um modelo de licitação que já havia sido usado em outras cidades onde a organização criminosa atuava.
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“Prova de que a minuta entregue fora montada no interior do Setransp é o e-mail enviado de SACHA RECK para ele mesmo, em 24/08/2009, intitulado ‘Edital Curitiba’” e contendo a minuta em formato ‘.doc’”, pontuou o MP-PR. A Urbs alterou o documento, mas o devolveu para que o “núcleo técnico” da organização denunciada, “que inseriu as cláusulas de direcionamento em favor das empresas integrantes do Setransp que já vinham sendo discutidas desde o início daquele ano”.
O departamento jurídico da Urbs chegou a apontar que havia irregularidades na minuta do edital proposto – apontando que, daquela forma, beneficiaria as empresas que já atuavam na capital. Ainda assim, o então presidente da Urbs, Marcos Isfer, publicou o edital.
Pagamentos
Numa planilha de pagamentos que seria feito pelo Setransp aos advogados – e enviada por e-mail –, há referência a “EL”, que os promotores apontam se tratar de “Edital de Licitação”. Conforme as investigações, o “núcleo técnico havia pedido R$ 1,1 milhão “por todo o trabalho de fraude”, mas o sindicato teria ofertado uma contraproposta de R$ 900 mil.
Direcionamento
Segundo o MP-PR, o direcionamento se dava porque o edital atribuía mais pontos a itens que privilegiava os consórcios integrados por empresas do Grupo Gulin. Entre estes, estava maior pontuação para empresas que comprovassem experiência em linhas de transporte de canaletas ou faixas exclusivas. Os três consórcios com participação do Grupo Gulin venceram a licitação, que foi homologada em 2010 por Marcos Isfer.
Além disso, o edital previa maior pontuação a lotes que pudessem operar dentro de 90 dias a partir da conclusão da licitação. Em ambos os casos, as empresas que já atuavam em Curitiba sairiam beneficiadas, segundo a denúncia. Em todo esse processo, o MP-PR aponta a atuação decisiva de Isfer e dos ex-diretores da Urbs Fernando Ghignone e Luiz Filla.
Esquema replicado
A mesma lógica consta da denúncia ofertada em Guarapuava. Mas não é só. Segundo os promotores, há indícios de que o mesmo modus operandi tenha sido replicado pelo “núcleo técnico” no Distrito Federal (DF), São José do Rio Preto (SP), Jaú (SP), Campo Grande (MS), Farroupilha (RS), Bento Gonçalves (RS), Telêmaco Borba (PR), Foz do Iguaçu (PR), Maringá (PR), Apucarana (PR) e Curitiba (PR).
Outro lado
Por meio de nota, o Setransp, que representa as empresas de ônibus que operam o sistema em Curitiba e região, informou que “seu corpo jurídico vai aguardar o recebimento da denúncia para se posicionar”.
Fernando Ghignone emitiu nota em que “informa que o edital de licitação do transporte coletivo de Curitiba foi encaminhado pela Urbs ao Ministério Público do Estado do Paraná, ao Tribunal de Justiça do Paraná e ao Tribunal de Contas do Estado para dar ciência do seu conteúdo e solicitou aos órgãos que fizessem o acompanhamento do certame. Tudo muito antes da sua realização. Não houve nenhuma manifestação. Esta licitação já foi analisada por todos os órgãos, inclusive pelo Nurce [Núcleo da Polícia Civil]. Sempre restou comprovada a sua lisura”.
O advogado Rodrigo Muniz, que representa Felipe Gulin, disse que ainda não havia analisado todo o teor da denúncia, mas refutou as acusações. “Essa denúncia foi oferecida desconsiderando que, a respeito dos mesmos fatos, houve duas investigações - uma civil e uma criminal - e ambas foram arquivadas. Não há nenhum fato relevante que a motive”, disse Muniz. “Além disso, o Felipe [Gulin] não teve participação na confecção dos editais nem de qualquer ato referente a isso”, completou.
O advogado Juliano Breda, que representa Dante Gulin, classificou a denúncia de ilegal. Ele diz que o próprio MP-PR já havia pedido o arquivamento de denúncias relacionadas à licitação e que a Justiça Estadual já considerado que não houve irregularidades no processo licitatório. “Sem nenhum fato novo,o Ministério Público de Guarapuava ofereceu essa acusação, que viola a decisão expedida pela Justiça em Curitiba”, observou.
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