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Vilas gastronômicas, como Mercado Sal, estão se espalhando pela cidade. | Leticia Akemi/Gazeta do Povo
Vilas gastronômicas, como Mercado Sal, estão se espalhando pela cidade.| Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo

O tempo de Curitiba, com fama de carrancudo, não foi capaz de evitar que os polos gastronômicos, que reúnem diversas opções de alimentação e bebidas num mesmo espaço, caíssem no gosto do consumidor local. As “praças de alimentação independentes” vêm se multiplicando desde a primeira iniciativa, em 2015, e até o final de 2018 o número pode chegar a 15 empreendimentos na cidade. Cada um deles tem dezenas de milhares de visitantes ao mês, centenas de empregos gerados e entraves para a regularização. A falta de regramento específico dificulta o processo, no entendimento da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar), do Sindicato das Empresas de Gastronomia, Entretenimento e Similares (Sindiabrabar) e também de parte do empresariado.

O problema, segundo Fabio Aguayo, presidente da Abrabar, está na necessidade de adequação dos novos modelos às leis já existentes que tratam de outros tipos de estabelecimento, “jeitinho” que pode inviabilizar o negócio por desconsiderar suas peculiaridades. “A principal preocupação do empresário é sempre ter segurança jurídica. Quando se tem uma atividade econômica sem regulamentação exata, você fica no vácuo da legislação. Eles [os complexos gastronômicos] caem no critério dos shoppings, o que não é a realidade do novo segmento”, avalia Aguayo, ao defender a movimentação do setor para sugerir uma legislação exclusiva.

A sugestão de minuta de normatização foi apresentada ao município. Conforme o advogado Rubens Bueno, integrante da comissão que elaborou o texto, o objetivo é que a prefeitura analise a proposta, com a possibilidade de fazer o regramento por meio de decreto.

O texto proposto detalha normas para três tipos de complexos: container malls, vilas gastronômicas e bulevares, tratados como empreendimentos em espaço aberto ou semiaberto, com atividades de alimentação ou serviços. No modelo redigido, há dois pontos que merecem destaque: o suposto caráter temporário dos empreendimentos e o método construtivo utilizado, com sistemas não convencionais. É aqui que está a principal argumentação do empresariado para cobrar o regramento diferenciado. Erguidos com a utilização de estruturas modulares e contêineres, os complexos gastronômicos passam longe dos investimentos e do impacto dos gigantes de alvenaria e, por isso, não deveriam ser cobrados da mesma maneira, dizem os interessados.

O empresário Ricardo Buzzi, sócio do Mercado Sal, afirma que, “por serem transitórios e com uma vida útil menor do que os empreendimentos tradicionais, eles devem também ser permeados por legislações mais flexíveis no que tange alguns parâmetros urbanos”.

O cálculo das vagas de estacionamento é um dos itens em que se pede tratamento menos rígido. A ideia é que a disponibilização de espaço para os veículos possa ser menor do que aquela estabelecida para os centros comerciais regulares, sob a alegação de que seria contraditório incentivar o uso do carro entre frequentadores de espaços que ofertam bebida alcoólica.

A construção de caixas de contenção de águas pluviais também preocupa empresários, pelo alto custo da estrutura, exigida por causa da impermeabilização do solo promovida pelas construções. Ainda que tenham impacto, ele é menor no caso dos polos gastronômicos, defende Buzzi, reforçando que as regras precisam ser ajustadas às características específicas dos mesmos: “os cálculos e as exigências têm que ser compatíveis, já que não é uma construção convencional. É como você pedir para que um circo atenda as mesmas legislações dos centros de eventos”, compara. “Shoppings são empreendimentos de R$ 300 milhões, os complexos têm investimentos de R$ 3 milhões. Não é a mesma coisa”.

Na mesma esteira (da lógica da necessidade de regras claras para o bom funcionamento dos negócios), Alexandre Lopes, diretor de expansão do Sirène, que tem operações em dois dos maiores complexos gastronômicos de Curitiba, espera mais segurança com as perspectivas de uma lei própria. Segundo ele, as tentativas de regularização acabam frustradas ou demoram a ter resposta por causa das indefinições, que impactam até mesmo a condução dos processos dentro da prefeitura. Como resultado, a manutenção dos empreendedores na ilegalidade, sem alvará e documentação, que custam a sair por dificuldades de enquadramento.

Porte e uso

O empresariado garante que o que se pede não é privilégio ou afrouxamento de regras, mas maleabilidade para que o poder público leve, de fato, em conta as características do setor. Entretanto, o secretário de governo de Rafael Greca e presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Luiz Fernando Jamur, pontua que a regulamentação de negócios e empreendimentos na cidade não tem relação com o tipo de construção, o que pode fazer cair por terra a sugestão encaminhada ao município.

“Um empreendimento com diversas lojas na nossa legislação é um centro comercial. Então, quando você passa a ter um conjunto de lojas, caracterizado como centro comercial, tem uma série de regras estabelecidas, que diz respeito ao pátio de carga e descarga, estacionamento, praça de alimentação”, esclarece Jamur, que continua: “para o município de Curitiba, conforme o que estabelece o código de obras e posturas e as regras do plano diretor e da lei de zoneamento, o tipo da construção não é o que define [o regramento]; é, sim, o porte e o uso”. Ainda assim, o secretário garante que a prefeitura está aberta ao diálogo e fará a análise das reivindicações do setor e da sugestão protocolada.

Mesmo com toda a mobilização conduzida pela Abrabar, a questão não encontra apenas apoiadores entre os donos de complexos do gênero. Contrário a uma nova regra, Achilles Colle, proprietário do Ca’dore, defende uma postura distinta: de regramento simplificado e menos rédeas colocadas pelo poder público. “O problema é mais grave e é institucional. A legislação não deve ser específica, porque daqui a pouco vai surgir um outro negócio diferente e a prefeitura vai se ver de novo em palpos de aranha por não ter uma legislação específica”, prevê o empresário.

A solução para o caso, na avaliação de Colle, passa pela definição de uma lei geral e controle a partir das regras punitivas vigentes. “A prefeitura emperra o alvará porque não conhece, não sabe como fazer. Não pode ser assim. Dê o alvará e as pessoas começam o seu negócio, se não estiver de acordo com normas de segurança, com a vigilância sanitária, se não está de acordo com outro tipo de exigência já tem leis para punir. Não precisa de uma legislação preventiva para atrasar o empreendimento e praticamente inviabilizá-lo”, argumenta o empresário.

Além de secretarias de Governo e Urbanismo e demais órgãos ligados à prefeitura, outro canal aberto para o tema é o Legislativo municipal. Envolvido nas discussões, o vereador e presidente da comissão de Urbanismo da Câmara de Curitiba, Helio Wirbiski (PPS), acredita na viabilidade de um projeto de lei intermediário, de modo a aliar os interesses do empresariado e as exigências consideradas indispensáveis pelo município. “Nós resolvemos fazer o caminho inverso. Vamos mexer na legislação e para que eles possam se adequar e os novos venham dentro de uma nova legislação”, defendeu o vereador.

Colega de Wirbiski no colegiado, Bruno Pessuti (PSD) pondera que a discussão terá que se inserir nos debates da revisão da lei de zoneamento, elaborada pelo Ippuc, a ser protocolada na Câmara em 2018. “É um novo formato e os critérios têm que ser diferenciados. É evidente que o debate se prolongará nesse sentido, porque são polos geradores de fluxo e de impactos, como geração de resíduos, e é preciso definir de que modo vão se adequar ao uso do solo na cidade”.

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