O plano de privatizações de Jair Bolsonaro (PSL) e de sua equipe econômica é arrojado, com previsão de obter R$ 1 trilhão. O presidente eleito é sempre questionado se vai vender a Eletrobras, a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Mas, na verdade, não são essas grandes holdings os maiores ralos estatais de dinheiro público, em comparação ao tamanho das empresas e aos serviços prestados, mas sim empresas menores, dentro dessas estruturas.
Juntas, 25 estatais registram patrimônio líquido negativo de R$ 35,2 bilhões, segundo o novo Painel de Panorama das Estatais, do Ministério do Planejamento. Ou seja, mesmo se venderem todos os seus ativos pelo valor que está no balanço, essas empresas não conseguem nem sequer pagar suas dívidas.
Elas causam prejuízo a seus acionistas (a União como o principal deles) e ainda dependem de aporte de recursos do Tesouro Nacional para continuar existindo, corroendo recursos públicos que deixam de ir para áreas de serviço fundamentais, como saúde e educação.
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Mas são dez empresas (cinco delas reunidas em um mesmo grupo) que concentram o maior rombo patrimonial desse conjunto. Juntas, elas registram dívidas que superam seu valor patrimonial em R$ 30,8 bilhões.
O governo Michel Temer (MDB) tentou, sem sucesso, privatizar alguns desses ralos de dinheiro. Lobbies no Congresso e questionamentos na Justiça impediram a sequência de alguns desses processos. Tais entraves terão de ser enfrentados pela nova equipe de privatizações, que será encabeçada pelo empresário Salim Mattar, escalado por Bolsonaro para ser o secretário de Privatizações.
Abaixo, conheça as dez empresas e qual a situação desses grupos:
Cinco distribuidoras da Eletrobras: Amazonas Energia, Ceron, Cepisa, Ceal e Eletroacre
Em 2016, os acionistas da Eletrobras decidiram que seis distribuidoras estatais, nos estados do Norte e Nordeste, seriam devolvidas para o governo. Mas o caminho até a privatização não tem sido fácil. Enquanto isso, quem pagou para que a Eletrobras siga operando essas empresas foram os consumidores de energia elétrica do todo o país, através da conta de subsídios.
O governo conseguiu leiloar cinco das seis, mas ainda resta uma: a Ceal, de Alagoas. A data do leilão da Ceal já foi alterada diversas vezes e agora deve finalmente ocorrer em 19 de dezembro, após a superação de liminares que impediam a venda. A Ceal deve seguir o mesmo caminho da Amazonas Energia (AmE), arrematada na última segunda-feira (10), também após muitos obstáculos.
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Em novembro, o governo federal deu uma última cartada para privatizar as duas empresas que restavam, com a edição da medida provisória 856, que define o fim de março de 2019 como prazo final para uma tentativa de privatização. Depois disso, essas empresas serão liquidadas e seus funcionários demitidos.
As distribuidoras da Eletrobras são o exemplo do que a má gestão pública pode fazer numa empresa. O pior rombo, segundo o Painel das Estatais, é o da AmE, com patrimônio líquido negativo em R$ 11,9 bilhões, em 2017. Ou seja, a empresa de distribuição de um dos estados com menor densidade populacional do país tem uma dívida que é maior até do que o resultado de sua própria holding. Grande parte da dívida da empresa amazonense é com a Petrobras, para a compra de diesel para alimentar geradores e mini usinas térmicas. Grande parte dessa dívida não é reconhecida pela agência reguladora do setor, que considera que há fraudes na contabilização desse diesel.
A dificuldade em privatizar as distribuidoras também vem do Congresso, onde os lobbies sindicais e políticos, que mantêm cargos e influência regional com seus indicados nos cargos de diretoria das estatais, atrapalham a aprovação de projetos necessários para privatizar as empresas.
Cepisa (Piauí), Ceron (Rondônia) e Eletroacre foram leiloadas em julho e agosto deste ano. Ceron tinha, em 2017, patrimônio líquido negativo de R$ 2,2 bilhões; a Cepisa de R$ 1,4 bilhão, e a Eletroacre de R$ 510 milhões. A formulação do leilão das três empresas teve de ser feita levando em conta o tamanho da dívida, para que não fossem vendidas a valor zero. A sexta distribuidora vendida foi a Boa Vista Energia (Roraima), também em agosto.
Eletronuclear
A Eletronuclear é uma das subsidiárias da Eletrobras, responsável pelas usinas termonucleares Angra I, II e III. A dívida da empresa tornou-se um problema desde 2015, quando a obra de construção da usina Angra III foi interrompida pela Operação Lava Jato e o então presidente da Eletronuclear, Almirante Othon, preso. Sem a garantia de entrega da energia, as parcelas do empréstimo contratado com bancos começaram a vencer e o braço nuclear da Eletrobras não tinha como arcar com os débitos.
O patrimônio líquido da empresa está negativo em R$ 5,1 bilhões, segundo dados do Ministério do Planejamento.
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Hoje, estima-se que a obra de Angra III já tenha consumido R$ 12 bilhões e ainda possa custar outros R$ 15 bilhões se a decisão for levar a obra adiante, algo que caberá ao próximo governo. Ou enterra-se o que já foi gasto, ou será preciso arrumar quem aporte os R$ 15 bilhões que faltam para terminar a obra.
Privatizar a Eletronuclear não é algo possível neste momento, com as atuais leis. Isso porque a Constituição confere à União a exclusividade na operação da energia nuclear, considerado estratégico. Mas uma das possibilidades estudadas pelos técnicos do governo incluía trazer um parceiro internacional para a empresa, que poderia aportar recursos e expertise técnica.
Foram feitas conversas com empresas russas e chinesas do setor nuclear. Mas tais sócios somente viriam se tivessem garantias de receitas futuras. Neste momento, o governo ainda analisa a possibilidade de repassar ao consumidor da conta de luz esse montante, aumentando o valor contratado entre União e Angra III para fornecimento da energia.
CGTEE, do Rio Grande do Sul
A Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), do Rio Grande do Sul, também é uma empresa do grupo Eletrobras, que está em processo de restruturação desde 2017. A empresa registrou em 2017 um patrimônio líquido negativo de R$ 3,5 bilhões.
O principal problema desta empresa e que a levou a registrar prejuízos são as condições operacionais das unidades da usina térmica a carvão mineral Presidente Médici, também conhecida como Candiota. Das três unidades dessa usina, apenas uma está operando, sem gerar receitas para a empresa.
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Em 2011, a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ibama e outros órgãos do governo para corrigir problemas com as duas unidades da usina, que emitiam mais poluentes que o permitido, além de serem menos eficientes do que o determinado pela agência reguladora. Até dezembro de 2017 a empresa seguiu fazendo ajustes nos seus processos, mas as unidades não foram religadas.
Sem vender energia dessas unidades, a empresa teve problemas em arcar com financiamentos de outros projetos. Além disso, antes de 2017 a CGTEE ainda tinha contratos de compra de carvão para suprir as duas plantas paradas, aumentando seu prejuízo.
Hospital Nossa Senhora da Conceição
Segundo o painel das estatais, o patrimônio líquido negativo desse grupo hospitalar ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi de R$ 3 bilhões em 2017. Os ativos do grupo valem R$ 487 milhões. A estatal é uma das 18 dependente da União, ou seja, necessita de aportes do governo federal para se manter. Em 2017, foram aprovados R$ 1,3 bilhão para o grupo.
O grupo não tem receitas suficientes para se manter. O Boletim das Empresas Estatais, do Ministério do Planejamento, aponta que 75% da necessidade de recursos do hospital é suprida pelo Tesouro Nacional. Apesar disso, o número de funcionários do grupo aumentou entre 2017 e 2018, passando de 8.842 para 8.859 este ano.
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O hospital foi fundado em 1960, em Porto Alegre (RS) e em 1975 foi desapropriado e declarado de utilidade pública. Em 2012 outras unidades e centros foram incorporados ao grupo. O Grupo Hospitalar Conceição (GHC) é formado pelos hospitais Conceição, Criança Conceição, Cristo Redentor e Fêmina; a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Moacyr Scliar, de 12 postos de saúde do Serviço de Saúde Comunitária, de três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e uma escola. São 1.510 leitos, e, segundo o próprio grupo, eles atendem 55,9 mil internações ao ano.
Embrapa
Outra estatal dependente que tem valor patrimonial inferior às suas dívidas é a Embrapa, empresa de pesquisa agropecuária. O patrimônio líquido da empresa foi negativo em R$ 1,9 bilhão no ano passado.
A empresa necessita de aportes do Tesouro para se manter atuante e no ano passado teve autorizado o repasse de R$ 3,4 bilhões. Este ano, a empresa poderá receber outros R$ 3,6 bilhões do Tesouro.
A Embrapa quase não consegue arcar com seus custos. Segundo o Boletim das Empresas Estatais, 97% dos seus gastos dependem de cobertura pelo governo federal.
Grande parte desses dispêndios são com salários. No ano passado, levantamento da Instituição Independente Fiscal (IFI), ligada ao Senado, apontou que 98% de todos os gastos da Embrapa são destinados a pagamento de pessoal e despesas correntes. A despesa mensal da empresa com cada funcionário é de R$ 21.448 em média, considerando 13 salários por ano, pagos pelo Orçamento Federal da União, ou seja, pelo pagadores de impostos no país.
Codevasf
A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) foi criada para promover o desenvolvimento e a revitalização das bacias dos rios na região Nordeste. No ano passado, o patrimônio líquido da estatal ficou negativo em R$ 1,4 bilhão. A empresa tem 1,7 mil empregados.
A empresa também é dependente do Tesouro e no ano passado teve autorizados aportes de R$ 1,18 bilhão. Neste ano, mais R$ 1,4 bilhão foi autorizado em aportes. 91% das despesas da Codevasf não têm cobertura pelas receitas geradas pela própria empresa e dependem de recursos do Orçamento.
Ligada ao Ministério da Integração Nacional, no ano passado teve resultado negativo de R$ 641 milhões.
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