O juiz federal Sergio Moro conversou por quase duas horas com jornalistas nesta terça-feira (6), em Curitiba, pela primeira vez desde que aceitou assumir o comando do Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (PSL). Durante a coletiva no auditório da Justiça Federal do Paraná, Moro falou sobre propostas para a sua gestão e sobre eventuais discordâncias com o presidente eleito.
Destacou ainda que, ao aceitar o cargo, não tem em mente um projeto de poder. “A ideia aqui não é um projeto de poder, mas sim um projeto de fazer a coisa certa num nível mais elevado, em uma posição que se possa realmente fazer a diferença e se afastar de vez a sombra desses retrocessos”, afirmou.
Moro também precisou responder a críticas de parcialidade na condução dos processos da Lava Jato. O juiz tem sido alvo de críticas por aceitar um convite para atuar como ministro de Bolsonaro depois de ter sido um dos responsáveis por inviabilizar a candidatura do ex-presidente Lula.
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“Sei que alguns eventualmente interpretaram a minha ida [ao ministério] como uma espécie de recompensa. É algo absolutamente equivocado, porque minha decisão [que condenou Lula] foi tomada em 2017, sem qualquer perspectiva de que o então deputado federal [Bolsonaro] fosse eleito presidente da República”, declarou o juiz. “Eu não posso pautar minha vida com base numa fantasia, num álibi falso de perseguição política”, completou.
O juiz tratou de diversos outros assunto. Veja 15 pontos principais da entrevista:
1) Pacote anticorrupção
Já no início da entrevista coletiva, Moro listou uma série de medidas legislativas que devem ser enviadas ao Congresso Nacional para aprovação. “A ideia é que essas reformas sejam propostas simples e que possam ser aprovadas em um breve tempo, sem prejuízo de que propostas mais complexas sejam apresentadas em momento um pouco posterior ou paralelamente”, disse o futuro ministro.
Segundo Moro, serão aproveitadas parte das Dez Medidas contra a Corrupção, enterradas no Congresso durante a atual legislatura, e parte do novo pacote de medidas apresentadas pelo movimento Transparência Internacional em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
Entre as propostas que serão encaminhadas ao Congresso de início, Moro listou a alteração de regras de prescrição; deixar mais claro na lei a previsão de execução da pena em segunda instância; da execução de sentenças do Tribunal de Júri; proibição da progressão de regime prisional para presos vinculados a organizações criminosas; negociação de penas para resolver casos criminais pequenos; regulação mais clara de operações policiais disfarçadas; e a proteção de denunciantes anônimos.
2) Novas forças-tarefas
Moro destacou ainda medidas que serão tomadas no âmbito do próprio ministério já no início da gestão. “Paralelamente às medidas legislativas, medidas executivas serão tomadas. A ideia principal é utilizar o modelo que foi bem sucedido na Lava Jato de forças-tarefas e utilizar essas forças-tarefas não somente contra outros esquemas de corrupção, mas igualmente contra o crime organizado”, disse Moro.
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O juiz também falou em controlar a comunicação dos presos em presídios de segurança máxima, investir “consideravelmente” em tecnologia, e profissionalizar o serviço público.
O juiz afirmou, ainda, que apesar do foco da sua gestão ser o combate à corrupção e ao crime organizado, nenhuma área sob o guarda-chuva do Ministério será negligenciada por ele.
3) Montagem do time
Moro não citou os nomes de integrantes da equipe que pretende montar em Brasília, mas deu pistas de que pretende chamar profissionais da Polícia Federal e da Receita Federal – e eventualmente do Ministério Público Federal – que atuaram na Lava Jato.
Segundo o juiz, algumas pessoas já estão sendo sondadas para compor a sua equipe no Ministério da Justiça. Ele disse que “no momento oportuno” vai indicar os nomes que vão fazer parte do gabinete. “Pretendo chamar pessoas absolutamente qualificadas e nomes da Lava Jato”, sinalizou.
4) Excludente de ilicitude
Moro comentou algumas das propostas de Bolsonaro para combater a criminalidade. Entre os pontos propostos pelo presidente eleito comentados por Moro está o excludente de ilicitude – dispositivo que prevê que policiais que matem no exercício da função não sejam penalizados pela Justiça.
Moro esclareceu que a estratégia das operações policiais deve ser evitar qualquer espécie de confronto. “Havendo, porém, o confronto, tem que se discutir a situação de um agente policial ou muitas vezes aquele militar fazendo as vezes de um agente policial porque as Forças Armadas têm sido convocadas, que eventualmente alveja e leva a óbito um desses traficantes armados”, disse.
“A nossa legislação a meu ver já contempla essa situação de legítima defesa em estrito cumprimento do dever legal. Tem que ser avaliado, no entanto, se é necessário uma regulação melhor”, defende o futuro ministro.
5) Porte de armas e maioridade penal
Sobre a flexibilização do porte de armas, Moro disse que “parece que seria inconsistente ter opinião contrária” à de Bolsonaro, já que essa foi uma plataforma de campanha do presidente eleito.
“Eu externei minha preocupação a ele de que uma flexibilização excessiva possa ser utilizada como fonte de armamento para organizações criminosas. Tem que se pensar, por exemplo, quantas armas o indivíduo vai ter em sua casa”, ressaltou.
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O juiz federal disse, ainda, que é favorável à redução da maioridade penal para 16 anos – em casos de crimes graves, como homicídio e estupro, por exemplo. Segundo Moro, “uma pessoa menor de 18 anos deve ser protegida”, mas “adolescentes acima de 16 anos já têm condições de percepção de que não pode matar”.
6) Lei antiterrorismo
Moro também comentou sobre as alterações propostas na Lei Antiterrorismo, que podem criminalizar movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST). Bolsonaro falou, em campanha, que trataria o grupo como terrorista durante sua gestão.
Perguntado sobre a proposta, Moro defendeu um meio termo. “Me parece, no entanto, que qualificá-los como uma espécie de organização terrorista é algo que não é consistente. O que não significa que devem ser tratados como inimputáveis”, disse. Para ele, quando houver danos a direitos de terceiros, como invasão de propriedades privadas, os movimentos devem ser punidos, mas não tratados como terroristas.
7) Saídas temporárias e progressão da pena
Moro também falou sobre propostas de Bolsonaro em relação à progressão de regimes e saídas temporárias de presos. “A progressão ressocializa, mas se existem provas de que o preso mantém vínculo com organização criminosa, isso significa que não está pronto para ressocialização”, disse Moro, afirmando que a intenção é desestimular a filiação de presidiários a organizações criminosas.
Além disso, ele defendeu uma revisão das regras de progressão de penas. “Eu acho que se barateia a vida quando se tem uma progressão muito generosa para esses crimes mais graves, especialmente de homicídio”, disse.
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8) Fronteiras
Como ministro, Moro também será responsável por políticas de imigração. Ele foi questionado sobre como deve lidar com a questão de refugiados da Venezuela que chegam ao Brasil. “Isso é um problema sério que afeta não só o Brasil, mas o mundo inteiro”, disse. “Existem princípios de solidariedade que precisam ser observados. As pessoas deixam seus países fugindo de uma administração bastante questionada, carências que afetam não só a qualidade de vida, mas a própria sobrevivência”, ressaltou.
Para Moro, não é possível fechar a fronteira, mas é necessário verificar o fluxo dessa imigração e absolver essas pessoas. Ele não deu detalhes de que medidas deve tomar para que isso aconteça.
9) Discordâncias com o presidente eleito
Moro disse que, ainda que não haja concordância absoluta de ideias entre ele e Bolsonaro, “há a possibilidade de um meio-termo”. O juiz afirmou, também, que o presidente eleito parece ser uma pessoa “sensata”, mas que tem ciência de que está em uma posição subordinada a Bolsonaro e que a palavra final sempre é do presidente. Caso Bolsonaro discorde com alguma proposta sua, o juiz disse que “aí vou tomar decisão se vou continuar ou não continuar” no cargo.
10) Ditadura militar
Moro foi questionado por jornalistas sobre o apoio de Bolsonaro à ditadura militar. O juiz já falou publicamente sobre o assunto em outras ocasiões e classificou o Golpe de 1964 como um “erro”. Nesta terça-feira, porém, buscou não confrontar o presidente eleito.
“Meus olhos estão voltados para 2019. Essas discussões sobre eventos que ocorreram no passado têm gerado uma polarização. Não vejo essa discussão como salutar nesse momento”, disse o futuro ministro da Justiça.
11) Presidente “moderado”
Durante a coletiva, Moro destacou várias vezes que considera Bolsonaro uma pessoa “moderada”. “Não vejo em nenhum momento risco à democracia e ao Estado Democrático de Direito”, disse o juiz. Ele classifica essas preocupações como “infundadas”.
Ao longo de sua vida pública e da campanha eleitoral, Bolsonaro foi responsável por uma série de opiniões polêmicas. O presidente eleito defendeu, por exemplo, que o erro da ditadura militar foi “torturar, e não matar”. Bolsonaro também falou, na campanha, em “fuzilar a petralhada” no Acre. Perguntado se acha que essas declarações são moderadas, Moro desconversou.
“Há uma situação de declarações pretéritas, mas estou olhando para o futuro. Quais são as propostas concretas do governo que, por exemplo, afetam ou ofendem minorias? Até o momento presente, nenhuma. Ele pode ter feito declarações não muito felizes no passado e muitas vezes essas declarações são colocadas fora de contexto”, defendeu o futuro ministro.
“Muitas vezes existe um receio de algo que não está nem potencialmente presente”, disse o juiz.
12) Continuidade da Lava Jato
Sobre a continuidade das investigações da Lava Jato após Moro deixar o cargo, o juiz ressaltou sua confiança na juíza substituta Gabriela Hardt, que ficará a frente dos processos até que um novo titular para ocupar a vaga de Moro seja definido através de um concurso interno.
Ele disse, ainda, que foi por ter certeza que a Lava Jato estaria em boas mãos que aceitou o convite para ser ministro de Bolsonaro.
13) Exoneração da magistratura
Moro disse que não vê nenhum problema em adiar o pedido de exoneração apenas para janeiro, pouco antes de assumir o cargo de ministro. “Só vou ser nomeado em janeiro. Vou me exonerar, é claro, não tem como assumir o cargo sem me exonerar. Mas eu não estou praticando atos no presente, estou planejando participação em um governo futuro”, explicou.
Para participar do governo, Moro vai ter que abrir mão da carreira de juiz. Por enquanto, porém, o juiz pediu férias e adiou o pedido de exoneração.
O magistrado explicou que tomou essa decisão porque precisa do salário de juiz para viver. “Eu não pedi exoneração desde logo porque eu não enriqueci no serviço público, eu preciso dos vencimentos do serviço público para minha manutenção. E principalmente, como juiz, o efeito negativo desses grandes casos são ameaças e os riscos que os juízes sofrem. Eu fico imaginando, eu peço exoneração hoje. E daqui um mês acontece algo comigo, como fica minha família? Não fica nem com a possibilidade de ter uma pensão para sua subsistência? Eu devo correr esse risco?”, questionou o futuro ministro.
14) Companheiros de Esplanada
Moro foi cobrado sobre um posicionamento em relação a colegas da Esplanada dos Ministérios envolvidos em escândalos e investigações. Um dos casos apontados foi do futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido dinheiro de caixa 2 na campanha eleitoral para deputado federal em 2014.
“Eu, na verdade, tenho uma grande admiração pelo deputado Onyx Lorenzoni. Acompanhei o trabalho dele durante o trabalho de aprovação das Dez Medidas e posso dizer que ele foi um dos poucos deputados naquele momento, e vai aqui um juízo de censura ao Congresso naquela época, mas ele foi um dos poucos deputados que defendeu aquele projeto das Dez Medidas, mesmo sofrendo ataques severos da parte de seus colegas”, respondeu Moro.
“Quanto a esse episódio no passado, ele mesmo admitiu o erro, pediu desculpas e acertou as pendências”, respondeu o juiz sobre o caso do caixa 2.
15) Vaga no STF
O futuro ministro evitou falar sobre a possibilidade de ser indicado pelo presidente eleito para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Moro negou que a aceitação do convite para ocupar a pasta tenha sido condicionada a uma indicação ao Supremo. Em 2020, o ministro Celso de Mello se aposenta e, com isso, haverá uma vaga aberta na Suprema Corte.
“Eu jamais estabeleceria condições para qualquer cargo público”, disse Moro. “Não existe uma vaga no momento. Nem acho muito apropriado a discussão de uma vaga no STF atualmente. Não me sinto confortável em discutir essa questão”, completou.