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| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

O partido do presidente Jair Bolsonaro está no centro de um escândalo envolvendo candidatas supostamente ‘laranjas’ nas eleições de 2018 para cumprir a cota feminina especificada pela lei. Mas o PSL pode não ter sido o único partido a usar dessa artimanha, e nem o com mais casos. Em números absolutos, o campeão de candidatas aparentemente de fachada é o PSOL. É o que mostra pesquisa das professoras Malu Gatto, da University College London (Reino Unido), e Kristin Wyllie, da James Madison University (EUA).

O estudo, publicado pela BBC Brasil, estima que a eleição para Câmara dos Deputados teve cerca de 300 candidatas potencialmente laranjas de 20 partidos diferentes. Ou seja, cerca de 20% de todas as candidaturas femininas em 2018 teriam sido de fachada, apenas para cumprir formalmente a lei de cotas.

Um dos critérios adotados pelas pesquisadoras para uma candidatura ser classificada como laranja está receber menos de 1% dos votos obtidos pelo candidato eleito menos votado no estado. O estudo sugere que as candidatas nestas condições não fizeram campanha e só foram lançadas pelos partidos para cumprir a lei de cotas.

A LISTA: Confira a tabela com os 20 partidos que podem ter usado candidatas laranjas em 2018

Não é possível, no entanto, atestar que as possíveis candidatas laranjas apontadas pelo estudo são de fato laranjas. Nessa lista de candidatas com pouquíssimos votos, podem existir tanto mulheres que de fato não fizeram campanha quanto outras que, embora tenham mesmo tentado se eleger, tiveram poucos votos.

Em números absolutos, o campeão de candidatas aparentemente de fachada é o PSOL. Conforme o levantamento, o partido registrou 45 candidatas nessa condição em 2018 – 27% do total de mulheres que concorreram pela legenda. Em seguida, aparecem empatados o PROS (com 30) e PSC, PSL e Podemos (com 21 laranjas cada).

Segundo o levantamento, o PROS foi o partido com o maior percentual de candidaturas possivelmente laranjas. Das 75 candidatas pelo partido, 40% estavam nessa condição, segundo os critérios do estudo. Em seguida aparecem o PSC (37,5%) e o Podemos (35,5%). O PSL é o 13.º no ranking.

TSE definiu regras rígidas para cotas

Além da previsão na Lei das Eleições, que obriga os partidos a registrarem pelo menos 30% de mulheres nas vagas para as eleições proporcionais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também estabeleceu que as candidatas deveriam receber, em 2018, 30% dos recursos do Fundo Eleitoral. A ideia era evitar justamente as candidaturas laranjas, garantindo recursos para que mulheres pudessem concorrer e fazer suas campanhas. 

Gazeta do Povo mostrou, recentemente, que o dinheiro que deveria ser usado por mulheres financiou campanhas de homens no Paraná. Candidatas que receberam dinheiro dos fundos públicos de campanha administrados pelos partidos usaram o recurso para pagar materiais de homens – inclusive de Ratinho Junior (PSD), governador do estado.

“Esse aumento de candidaturas laranjas demonstra o descompromisso dos partidos em relação à participação feminina na política. A despeito de o número de filiadas ser elevado, essas mulheres não compõem por exemplo, as direções desses partidos, não compõem espaços de poder dentro do partido. Quando vem uma lei para tentar estabelecer mecanismos para que haja o aumento dessa participação das mulheres, os partidos tentam sempre burlar a legislação colocando mulheres apenas para maquiar a exigência legal”, diz a advogada e mestre em Ciências Políticas Carolina Clève.

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A diretora jurídica do Instituto de Política por/de/para Mulheres, Emma Roberta Palú Bueno, destaca que os partidos no Brasil sempre buscaram burlar a lei de cotas para mulheres na política de alguma forma. “Desde sempre os partidos faziam com que a legislação fosse ineficaz, identificando maneiras de simplesmente não cumprir com o objetivo da lei de ter 30% das candidaturas de mulheres. Isso porque mesmo que a lei eleitoral vise diminuir a desigualdade de gênero na política, o que verificamos na prática é que são raras as sanções aplicadas pela Justiça Eleitoral aos partidos em caso de descumprimento”, ressalta. 

O partido que não cumpre com a lei eleitoral e não preenche 30% das candidaturas com mulheres pode ser punido com o indeferimento de todas as candidaturas proporcionais do partido. “Por isso que os partidos ficam tão preocupados em preencher essas cotas”, explica Clève.

Essa situação também pode ser interpretada pela Justiça Eleitoral como fraude. “Uma vez comprovada que essa candidata figurou como laranja pode acontecer a cassação de toda a chapa. Aquele que foi eleito por essa chapa, por esse partido ou coligação, pode inclusive perder o mandato”, ressalta a advogada. Segundo Clève, apesar de essa previsão não constar em lei, é uma construção jurisprudencial, ou seja, baseada em julgamentos anteriores.

Senador do PSD propõe acabar com as cotas 

Uma proposta do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), apresentada neste ano, prevê acabar com as cotas para candidaturas femininas nos partidos. Na justificativa do projeto, ele argumenta que as cotas não alcançaram o objetivo desejado.

Para o senador, “não é a política partidária o elemento determinante da participação feminina, não sendo razoável penalizar partidos por questão que possui causas tão complexas”. “Como exemplo dessa ‘penalização’, a lógica imposta faz com que para cada mulher que deixa de se candidatar, os partidos podem perder a possibilidade de lançar de dois a três candidatos homens”, afirma.

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Coronel defende que não é razoável limitar a autonomia partidária por causa de uma política afirmativa. “O projeto presta uma homenagem à igualdade. Homens e mulheres devem ter iguais condições de concorrer as vagas a serem preenchidas”, defende.

Para Clève, acabar com as cotas femininas não é solução. “Acabar com as cotas seria um retrocesso. Na minha opinião, o modelo vigente não é o mais adequado; porém, revogar essa exigência apenas traria mais prejuízo à participação feminina”, opina.

“É evidente que tais medidas vão simplesmente piorar um cenário já muito difícil”, destaca Bueno. “Veja que, embora sejamos 52% da população, temos menos de 15% de mulheres no Congresso, número inferior ao de países como a Arábia Saudita”, completa.

E a solução?

Se acabar com as cotas não é o melhor caminho e os partidos continuam buscando maneiras de burlar a lei, como garantir a possibilidade de participação na política para mulheres?

Para Clève, a solução para que as candidaturas laranjas deixem de ser realidade no país passa por mais democracia e melhora nas regras para lançamento de candidatos por parte dos partidos. “Em primeiro lugar, tendo mecanismos de democracia interna para viabilizar a participação de mulheres nos cargos de direção. E, em segundo lugar, defendo a existência de lista preordenada, alternando entre homens e mulheres. Assim penso que haveria paridade nas candidaturas”, explica.

“Para mim a única solução viável para atingirmos a igualdade de gênero nesse momento é a reserva de cadeiras”, defende Bueno. “Dessa forma, as vagas alcançadas pelos partidos e pelas coligações são ocupadas igualmente pelos homens e mulheres mais votados em proporção de 50% para cada gênero. Por mais radical que possa parecer, é importante destacar que nenhum país do mundo conseguiu alcançar paridade de forma estável”, completa.

A reserva de cadeiras, segundo Bueno, é adotada em vários países do mundo, inclusive na América do Sul – casos da Bolívia e da Argentina.

Partidos que podem ter usado candidatas laranjas à Câmara em 2018, segundo o estudo

Partido Candidatas à Câmara dos Deputados em 2018 Candidatas potencialmente laranjas % de possíveis laranjas entre as candidatas
PROS 75 30 40,0%
PSC 56 21 37,5%
PODE 59 21 35,5%
PTB 43 15 34,8%
PCdoB 45 14 31,1%
PR 49 14 28,5%
PSOL 166 45 27,1%
PRB 79 18 22,7%
DEM 49 11 22,4%
PSD 60 12 20,0%
PDT 83 14 16,8%
SD 42 7 16,6%
PSL 132 21 15,9%
PPS 38 6 15,7%
PSDB 83 13 15,6%
MDB 109 16 14,6%
PSB 72 9 12,5%
PT 118 13 11,0%
PP 38 4 10,5%
NOVO 77 2 2,0%

Fonte: Pesquisa das professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University.

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