Eleito com 55% dos votos válidos, Jair Bolsonaro (PSL) assume a Presidência do Brasil com a missão de atender quatro grandes expectativas de quem votou nele: mais segurança pública, mais emprego, combate à corrupção e ordem. Essas são as principais promessas de campanha de Bolsonaro, pelas quais possivelmente ele será intensamente cobrado e que, desde já, têm grande potencial de desgastá-lo ou torná-lo ainda mais popular – dependendo dos resultados que ele apresentar.
Nenhum desses compromissos, contudo, é fácil de ser cumprido. A Gazeta do Povo relembra quais são as promessas do então candidato Bolsonaro para essas áreas e quais serão as dificuldades que ele terá para tirá-las do papel, bem como os possíveis efeitos colaterais caso consiga cumprir suas promessas.
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1) Segurança: tolerância zero com o crime depende de muitas mudanças na lei
Como deputado federal, Bolsonaro tornou-se conhecido nacionalmente, dentre outros fatores, por defender uma política de tolerância zero com os criminosos. Ele manteve o discurso linha-dura na campanha presidencial. Prometeu facilitar o porte de armas para o “cidadão de bem”; reduzir a maioridade penal; endurecer as penas previstas no Código Penal; extinguir o regime de progressão de pena; acabar com os “saidões” de detentos em datas festivas (Natal, Dia das Mães, etc.); instituir o excludente de ilicitude (garantia de que policiais não serão processados por mortes em confrontos com bandidos); declarar “guerra às drogas”.
Suas promessas encontraram eco em parcela expressiva da sociedade – assustada com a escalada da violência no país (em 2017, foram 62,5 mil assassinatos no Brasil; 175 por dia, em média).
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A maioria desses compromissos de campanha, contudo, exige mudanças legais que precisarão ser aprovadas pelo Congresso. Todas essas propostas são polêmicas e a tramitação delas no Legislativo pode demorar. Há ainda o imponderável: algum erro numa ação policial que venha a ocasionar a morte de um inocente pode virar a opinião pública contra o endurecimento de ações policiais. Além disso, a constitucionalidade de algumas dessas medidas possivelmente será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Mesmo que sejam aprovadas e implantadas, também é incerto se vão funcionar. Muitos especialistas veem um risco que ocorreu, por exemplo, no México: quando o governo endureceu a repressão, o crime organizado respondeu com ações mais violentas – o que aumentou as taxas de homicídio.
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Outro complicador é que, apesar de tudo isso, as ações de combate ao crime dependem majoritariamente dos governos estaduais, que são responsáveis pelas polícias Militar e Civil. Se não houver disposição dos governadores em adotar a política de “guerra ao crime” de Bolsonaro, ela não sai do papel. E, mesmo que haja disposição, tudo pode ficar comprometido se faltar dinheiro para os estados investirem em segurança pública – um cenário provável em vários estados que estão com as contas no vermelho.
2) Combate à corrupção: base aliada e comportamento de Bolsonaro são riscos
Bolsonaro afirmou durante a campanha eleitoral que era o único candidato realmente comprometido com a Lava Jato, pois não fazia parte do “sistema” político corrompido. Um de seus compromissos de campanha, aliás, é resgatar e aprovar no Congresso o texto original das Dez Medidas de Combate à Corrupção – conjunto de propostas de mudanças na legislação propostas pela força-tarefa da Lava Jato que foi desvirtuado em votação na Câmara. O presidente eleito, de fato, passou ileso pela Lava Jato e não é alvo de acusação nesse caso – o que pode ser um fator positivo para que ele não atrapalhe as investigações.
Contudo, Bolsonaro já começou a negociar apoios no Congresso para montar sua base aliada – inclusive com partidos envolvidos na Lava Jato, que eventualmente podem vir a pressioná-lo a enfraquecer a operação.
A montagem da base aliada, por si só, pode virar um fator de risco para que haja corrupção dentro do governo. Embora Bolsonaro garanta que não “loteou” os ministérios e não se rendeu a “conchavos”, o sistema político brasileiro tradicionalmente funciona na base do apoio legislativo em troca de cargos – que eventualmente são usados para praticar corrupção. Se ele ceder para ter votos no Congresso, poderá deixar aberta a porta aberta para irregularidades em seu governo.
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Além disso, há outros sinais de alerta sobre o real compromisso de Bolsonaro no combate à corrupção. Durante a campanha, ele não se comprometeu em indicar um dos três mais votados na eleição interna do Ministério Público Federal (MPF) para o cargo de procurador-geral da República – tradição que vinha sendo construída no país, embora não haja obrigação legal de o presidente fazer a indicação de um desses nomes.
O MPF, contudo, argumenta que a escolha de um dos três nomes da lista tríplice reforça a independência do órgão, algo que garantiu até agora, por exemplo, que a Lava Jato avance mesmo atingindo integrantes do governo. O procurador-geral é responsável, dentre outras atribuições, por investigar o próprio presidente da República caso haja denúncias contra ele. Se o MPF for chefiado por um aliado político do presidente, isso pode ficar comprometido.
Apesar de Bolsonaro não estar envolvido na Lava Jato, isso tampouco significa que ele não possa vir a se envolver em algum escândalo. Como deputado, ele deu margem para esse tipo de dúvida. Foi acusado de empregar em seu gabinete uma funcionária fantasma e usou o dinheiro do auxílio-moradia de deputado mesmo tendo imóvel próprio em Brasília.
Mais recentemente, a descoberta de movimentações atípicas na conta corrente de um ex-assessor do filho dele, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, inclusive com transferências para a conta da primeira dama Michelle Bolsonaro, levantou suspeitas que estão sob investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Por fim, Bolsonaro adotou durante a campanha eleitoral a postura de desacreditar os veículos de imprensa e jornalistas que publicaram denúncias e reportagens críticas contra ele – o que pode demonstrar uma baixa disposição de combater casos concretos de corrupção em seu governo que venham a se tornar públicos.
3) Emprego: sem reforma da Previdência, criação de postos de trabalho pode fracassar
A gestão da economia é, sem dúvida alguma, a principal atribuição de um presidente. E os desafios de Bolsonaro nessa área são enormes. O país tem hoje uma taxa de desemprego de 12,1% da população economicamente ativa – o que significa 12,7 milhões de desempregados. Além disso, há mais 14,2 milhões de pessoas que desistiram de procurar trabalho – os chamados “desalentados”. Para dar oportunidades para essas pessoas, o país precisa crescer muito mais do que o 1,4% previsto para este ano.
Na cadeira presidencial, Bolsonaro não poderá alegar que não entende de economia, como fez durante a campanha. A expectativa de população é de que ele – ou o seu “Posto Ipiranga” (Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia) – resolva o problema.
Como candidato, Bolsonaro prometeu “tirar o Estado do cangote do produtor”, desburocratizando as regras que atrapalham os empresários a investir e a contratar funcionários. Ele também apresentou a proposta de lançar a carteira de trabalho verde e amarela, por meio da qual jovens seriam contratadas num regime sem encargos sociais previstos na carteira de trabalho tradicional (a azul). A ideia é que, sem tantos encargos, abram-se oportunidades de trabalho para os jovens.
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Apenas essas duas propostas, por si só, são de execução incerta. Desburocratizar o Estado para facilitar os negócios empresariais não é um trabalho fácil. O governo Temer, por exemplo, logo no seu início se comprometeu com isso. Lançou um plano de desburocratização. Mas os resultados ainda não apareceram na geração de empregos. Já a carteira verde e amarela pode vir a ser questionada no STF – sob o argumento que estaria ferindo o princípio de igualdade dos cidadãos, já que haveria dois tipos de trabalhadores.
Porém, mais do que propostas específicas para facilitar as contratações de trabalhadores, a geração de empregos depende do crescimento do país. E a economia não vai crescer de forma sustentada se o governo não cobrir o gigantesco rombo nas suas contas – estimado em R$ 159 bilhões para 2018. Com esse elevado déficit, o governo precisa captar dinheiro privado para cobrir suas despesas e toma no mercado financeiro empréstimos a juros, que tendem a aumentar se o rombo crescer. Se os juros aumentarem, as compras a prazo para o consumidor ficam mais caras. E a economia patina. Além disso, sem dinheiro, o Estado também não investe em obras que ajudam a promover o crescimento.
Como Bolsonaro se comprometeu a não aumentar impostos, terá de reduzir o ritmo do crescimento de gastos. E, para isso, a medida mais urgente que terá de tomar será reduzir o rombo da Previdência (de R$ 268 bilhões no ano passado, incluindo o INSS e o regime dos servidores públicos). Sem a reforma previdenciária, nada mais pode promover um crescimento sustentado de longo prazo.
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O plano de presidente eleito de reforma da Previdência, contudo, não resolve o problema no curto nem no médio prazo. Isso porque Bolsonaro fala em mudar a Previdência do atual regime de repartição (por meio do qual os trabalhadores da ativa financiam os pagamentos dos aposentados) para um modelo de capitalização (por meio do qual cada trabalhador vai financiar a sua própria aposentadoria, numa espécie de conta pessoal). Mas, como esse modelo só poderia ser implantado para quem vai entrar no mercado de trabalho (ou está trabalhando há pouco tempo), os efeitos não seriam sentidos em pouco tempo.
Analistas apostam que Bolsonaro terá de propor um modelo de reforma da Previdência semelhante à de Temer – com idade mínima para se aposentar. E a aprovação dela no Congresso tende a não ser fácil.
Além disso, outras medidas importantes do plano econômico de Bolsonaro são de execução lenta. É o caso das privatizações de estatais que dão prejuízos aos cofres públicos, medida que pouparia recursos públicos e permitiria o governo abater parte de sua dívida pública com o dinheiro da venda delas (para reduzir os juros). O governo Temer, por exemplo, vem tentando privatizar a Eletrobras e não consegue. Há questionamentos de todo o tipo: políticos (de quem não quer que o Estado se desfaça da estatal) e judiciais (o STF, por exemplo, decidiu liminarmente que qualquer privatização tem de ser autorizada pelo Congresso)
4) Ordem: o grande problema é saber exatamente o que o brasileiro quer ordenar
Bolsonaro explorou, antes e durante a campanha, a imagem de que ele é quem irá pôr “ordem na casa”. Esse talvez seja o compromisso de campanha de Bolsonaro de mais difícil execução. Até mesmo porque não se trata de uma promessa concreta, mas de uma ideia vaga. O problema desse compromisso é que cada eleitor pode ter uma concepção diferente do que é a “ordem”. Pode ser ordem econômica, social, política e até mesmo moral.
Os desafios que Bolsonaro enfrentará para pôr a economia em ordem já foram abordados anteriormente nesta reportagem – bem como os referentes à segurança (que pode ser interpretada como uma parte da ordem social) e à corrupção (parte da ordem política). Mas o presidente eleito também criou expectativas em seus eleitores em relação a uma suposta ordem moral e político-ideológica que é muito polêmica e com enorme potencial de desgastá-lo. Inclusive porque, dependendo do que parte desse eleitorado espera, essa “ordem” implicaria autoritarismo.
Só para ficar em algumas propostas e ideias que apareceram no discurso de Bolsonaro: ordem, para seus eleitores, pode ser o resgate da autoridade do professor dentro da sala de aula; o fim do que parte da população entende ser a “doutrinação gay” e esquerdista nas escolas, universidades e meios de comunicação; o resgate dos valores da família e da religião; o fim da bagunça provocada por movimentos sociais e pela esquerda.
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Bolsonaro apresentou algumas propostas que podem atender, ao menos em parte, o anseio de seus eleitores no âmbito da moral e da ideologia. Ele já disse que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deveria “ser rasgado e jogado na latrina” porque seria “um estímulo à vagabundagem e malandragem infantil” – indicando que pretende revogar a lei. Para muita gente, foi o ECA que tirou a autoridade do professor dentro da sala de aula ao dar “direitos demais” para crianças e adolescentes. Essa visão desconsidera que o questionamento da autoridade possa ser um fenômeno sociológico mais amplo do que uma mera questão de punição ao mau comportamento dentro da escola.
Bolsonaro também prometeu acabar “com todos os ativismos no Brasil” e a tipificar de invasões de propriedades urbanas e rurais como “terrorismo”. São duas propostas altamente polêmicas, mas que podem vir ao encontro do anseio de parte da população de acabar com a suposta bagunça provocada pela esquerda e por movimentos sociais. Não se sabe o que o presidente eleito pretende fazer acabar com os ativismos – mas qualquer proposta nesse sentido seria encarada como autoritária por cercear a liberdade de manifestação. Já a tipificação de invasões como terrorismo é, no mínimo, questionável – pois o terror é internacionalmente definido como ação para causar medo em toda a população com objetivo político (uma ocupação não provoca medo generalizado). Trata-se de outra proposta que tende a ser questionada na Justiça, sob a argumentação de que ele estaria criminalizando movimentos sociais.
Já manutenção da ideologia de gênero fora das diretrizes curriculares pode atender ao anseio de quem entende haver uma “doutrinação gay” no ensino. Mas o governo não tem poder constitucional para controlar o conteúdo de programas de entretenimento exibidos na televisão, por exemplo. Ou seja, a não ser que o governo rasgue a Constituição, que garante liberdade de manifestação artística, não pode acabar com o que muitos entendem ser “propaganda homossexual” na TV.
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Do mesmo modo, a aprovação pelo Congresso do projeto de lei da Escola Sem Partido (que proíbe manifestações político-ideológica de professores em sala de aula) atenderia à demanda dos eleitores de Bolsonaro que acreditam que a educação foi tomada por professores esquerdistas. Mas essa lei possivelmente terá sua constitucionalidade questionada, sob o argumento de cerceamento da liberdade de expressão.
Bolsonaro também tende a vir a ter muita dificuldade para acabar com o que parte de seu eleitorado entende ser a “esquerdização” das universidades públicas – já que elas têm autonomia didático-científica e administrativa garantida pela Constituição. Qualquer movimento de “desesquerdização” pode ser entendido como inconstitucional, além de caracterizar perseguição política.
Já o retorno da disciplina de Educação Moral e Cívica na educação básica, proposta por Bolsonaro, não tem potencial por si só de resgatar os “bons costumes”. Ainda que a disciplina fosse efetiva (o que é altamente questionável), apenas crianças e adolescentes seriam impactadas por ela; não a maioria da população.
Além disso, uma parcela da população pode ter uma expectativa mais ampla do que entende ser a ordem moral e social prometida por Bolsonaro, que nem mesmo foi contemplada em suas propostas. No momento em que esses eleitores acharem que ele descumpriu suas promessas, vai se desgastar.
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