O governo Jair Bolsonaro (PSL) ainda não tinha nem começado quando precisou lidar com a primeira crise, causada por um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que identificou movimentações suspeitas na conta de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. Antes de assumir a presidência, Bolsonaro precisou explicar por que Fabrício Queiroz depositou R$ 24 mil na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro.
Desde então, o presidente já precisou lidar com outras quatro crises que caíram no colo do governo, que completa um mês na sexta-feira (1.º) - e nada indica que terá vida fácil daqui para frente.
O segundo mês de governo será especialmente importante para o presidente, que se recupera de uma cirurgia em São Paulo. A partir de agora, Bolsonaro vai estrear sua relação com o Congresso Nacional e vai precisar colocar as reformas - principalmente econômicas - para andar.
Governo inaugurado com suspeitas de corrupção
Com a identificação de movimentação financeira suspeita de R$ 1,2 milhão no período de um ano na conta de Queiroz, o Ministério Público do Rio de Janeiro também passou a investigar Flávio. O Coaf identificou depósitos suspeitos na conta do próprio Flávio, no valor de R$ 96 mil. Ele e outros deputados da Alerj estão sendo investigados pela prática chamada de “rachadinha”, quando os servidores devolvem parte do salário. Queiroz ainda não prestou esclarecimentos ao MP. Flávio Bolsonaro, também não.
Flávio diz que o dinheiro foi pagamento em espécie por uma transação imobiliária, mas a história ainda está mal explicada. O filho do presidente, que assumiu uma cadeira no Senado, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que interrompesse as investigações. Em tese, ele ganharia prerrogativa de foro, mas o relator Marco Aurélio Mello negou o pedido. Com isso, as investigações devem seguir no Rio de Janeiro.
O caso respinga no Palácio do Planalto. Em uma entrevista, Bolsonaro defendeu o filho e trouxe a crise para dentro de seu gabinete. “Não é justo atingir o garoto para tentar me atingir", disse em entrevista à Record.
“Deveria haver uma posição bastante contundente em relação a isso. Haveria necessidade de separar o governo disso aí”, pondera o cientista político da PUC-PR, Mário Sérgio Lepre. “O governo dele foi eleito na contramão dessas coisas, esse é um calcanhar de aquiles que ele precisa lidar melhor”, analisa Lepre.
Para o cientista político, a renúncia de Flávio ao mandato de senador seria um bom sinal de que o governo federal está realmente comprometido com a pauta anticorrupção. “De repente, para ter um governo forte, esse seria um bom ponto. Eles não pregavam tudo isso?”, questiona. Flávio já disse que não vai renunciar.
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Na avaliação do cientista político Antônio Flávio Testa, não há nada de errado em Bolsonaro sair em defesa do filho. “Não podemos negar o direito de um pai proteger um filho”, disse. “A imprensa privilegiou esse caso porque é o filho do presidente”, completa. Para Testa, o caso envolvendo Flávio não respinga no governo.
Além das suspeitas envolvendo transações financeiras, o nome de Flávio acabou associado indiretamente às milícias que atuam no Rio de Janeiro. Isso porque o gabinete dele empregava a mãe e a mulher de um ex-policial militar, apontado como chefe de uma milícia. De novo, o senador colocou a responsabilidade sobre as costas de Queiroz, que teria sido responsável pela contratação.
A BBC Brasil mostrou, ainda, que enquanto tinha um cargo comissionado no gabinete do pai, em Brasília, com uma carga horária de 40 horas semanal que devia ser cumprida presencialmente, Flávio fazia faculdade e estágio no Rio de Janeiro.
Caos no Ceará
Já nos primeiros dias de governo, o presidente e o ministro da Justiça, Sergio Moro, precisaram lidar com o pedido de ajuda do Ceará para enfrentar uma série de ataques de facções criminosas a prédios públicos, infraestrutura do estado e veículos do transporte coletivo.
A crise começou quando o secretário de segurança pública do estado disse não reconhecer as facções criminosas e que não iria mais separar os presos nos presídios de acordo com o pertencimento a esses grupos. Desde então, o estado convive com uma série de atentados coordenados por membros dessas organizações.
O ministro da Justiça mandou homens da Força Nacional para atuar no estado, mas os ataques, embora tenham diminuído, continuam.
“No caso específico do Ceará ele agiu na medida do que poderia ter agido.Quem tem que prover segurança pública são os governadores dos estados”, avalia Testa. “Ele mandou a Força Nacional que é mais simbólica, não resolve nada”, completa. Mesmo assim, institucional e constitucionalmente, segundo o cientista político, não restam muitas opções ao presidente.
“A gente tem que saber que a responsabilidade pelo que acontece no Ceará é do governo estadual”, ressalta Lepre. O Ceará é governado por Camilo Santana (PT). Mesmo assim, o cientista político diz que o governo federal já deveria ter subido o tom em relação aos ataques. “Se fosse no Rio de Janeiro, o país estaria parado olhando para o Rio. Acho que está atrasada a resposta do [ministro] Sergio Moro no que diz respeito a um plano efetivo de segurança pública no país”, critica.
Davos
O primeiro compromisso oficial de Bolsonaro fora do país foi o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. O presidente brasileiro discursou na abertura do evento por seis minutos e sua fala foi considerada superficial por parte do mercado e provocou até queda na bolsa.
Durante o evento, Bolsonaro havia agendado uma coletiva de imprensa, mas cancelou sua participação. A primeira informação recebida pelos jornalistas no evento foi de que o cancelamento se devia ao “comportamento da imprensa”, que insistia em questionar o presidente sobre o caso envolvendo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro.
Depois, a informação oficial divulgada foi que a coletiva havia sido cancelada devido ao cansaço do presidente, que faria uma cirurgia logo na volta para o Brasil. Apesar de ter alegado cansaço para atender a imprensa nacional e internacional, Bolsonaro deu uma entrevista exclusiva a Record logo em seguida.
“Tem que analisar que era uma fase pré-operatória e havia a tentativa de determinados setores da imprensa de vincular [o presidente] ao assunto [do filho]”, defende Testa. Para ele, o cancelamento da entrevista coletiva não foi importante e não gerou repercussão.
“O Bolsonaro tem mais essa lógica de lidar mais com internet e com público que é dele. Ele tem uma dificuldade com o contraditório, no que diz respeito à lógica do chefe de estado”, analisa Lepre. “Esse é o papel da imprensa no mundo inteiro. Ele tem que saber disso. Quem se propõe a ser homem público precisa saber disso”, critica o cientista político.
Brumadinho
Outro problema que caiu no colo do presidente já no primeiro mês de governo foi a tragédia em Brumadinho, em Minas Gerais. O rompimento de uma barragem de rejeito de minérios da Vale causou a morte de mais de 100 pessoas - mais de 200 ainda estão desaparecidas.
O presidente sobrevoou a região e determinou a criação de um gabinete de crise para lidar com a situação. “Ele foi muito mais rápido [em lidar com a situação]”, avalia Testa, em comparação com a resposta dada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) à tragédia de Mariana, em 2015. “Precisa ver se ele vai se antecipar fazendo um diagnóstico profundo dessa realidade e tomando medidas emergenciais”, analisa o cientista político.
Jean Wyllys
Bolsonaro também precisou lidar com a renúncia do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). O parlamentar - do mesmo partido da vereadora Mariele, que foi assassinada no Rio de Janeiro em março do ano passado - disse estar recebendo ameaças de morte. Ele desistiu do mandato e afirmou que vai morar no exterior devido à perseguição.
Wyllys foi o primeiro deputado declaradamente gay a assumir uma cadeira no Congresso e iniciaria em fevereiro o terceiro mandato. Desde 2018, ele anda com escolta por causa das ameaças de morte, que segundo ele voltaram a se repetir.
A resposta institucional às ameaças feitas a um deputado eleito democraticamente não vieram do presidente da República. Quem falou sobre o assunto foi o vice, Hamilton Mourão (PRTB). “Quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia. Uma das coisas mais importantes é você ter sua opinião e ter liberdade para expressar sua opinião”, disse o general sobre o caso. “Quer você goste, quer você não goste das ideias do cara, você ouve. Se gostou, bate palma. Se não gostou, paciência”, completou o vice-presidente.
Para Testa, Bolsonaro não tinha obrigação de se posicionar sobre o assunto, apesar de ocupar a presidência da República. “Quantos brasileiros têm sofrido ameaças? Quantos parlamentares sofrem ameaçadas? O Jean Wyllys está fazendo isso tentando se tornar um mártir”, critica.
Lepre tem uma opinião diferente. “Acho que o governo deveria ter no mínimo essa lógica do respeito. O governo não é mais candidato”, critica o cientista político.”A atuação do estado é impessoal. tem que responder institucionalmente”, completa.
O ministro Sergio Moro encaminhou as denúncias de ameaças recentes feitas a Wyllys para investigação da Polícia Federal.
O que vem pela frente
A partir deste mês de fevereiro, o governo inaugura uma nova fase. Agora, Bolsonaro vai estrear sua relação com o Congresso Nacional e vai precisar reunir apoio para aprovar as principais medidas do governo, que vão desde a pauta econômica, passando pela pauta da segurança pública, até pautas relacionadas a costumes.
Bolsonaro diz desde a campanha que não vai trocar apoio no Congresso por cargos e favores do governo. Resta saber como ele pretende assegurar uma maioria sólida na Câmara e no Senado.
“Tudo irá depender da capacidade de negociação. Sabemos que no Brasil, nos primeiros três meses o governo federal sempre tem muito poder. Tem que aproveitar esse bom momento, não pode perder o timing”, avalia Testa.
Para Lepre, Bolsonaro já começou a relação com o Legislativo com o pé direito por ter ficado de fora da disputa pelo comando da Câmara e do Senado. “Acho que ele lidou bem com a questão da eleição das mesas. Por ter sido deputado por muitos anos ele percebeu que o jogo ali é pesado”, avalia o cientista político.
“Para votar [suas pautas] no Congresso, por enquanto tem o capital político. Daqui um ano não terá mais capital político e as negociações no Congresso serão a grande questão do governo dele”, aposta Lepre.
Para Testa, além da pauta econômica, que deve ser prioridade do governo, Bolsonaro terá que lidar com desafios nas áreas de educação, segurança pública e meio ambiente.
“A mineração vai ter que necessariamente entrar em discussão”, alerta o cientista político. Em relação à segurança pública, Testa reforça que devem entrar em pauta questões como revisão do sistema penitenciário e progressão de penas, por exemplo, que precisarão ser negociadas com o Legislativo.
Em relação à educação, Testa prevê um desafio ainda maior para o governo Bolsonaro. “Acho que a forma como a equipe desse ministro [da Educação] está propondo de lutar contra o passado é um equívoco, tem que pensar no futuro. Eles [equipe do ministro] são muito radicais de extrema direita. Tirar um grupo que supostamente era de esquerda para colocar um de extrema direita não funciona, o Brasil tem que pensar no futuro”, alerta.