| Foto: Ana Gabriella Amorim Gazeta do Povo

A reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro propõe a criação de um novo regime de aposentadoria para quem ainda vai entrar no mercado de trabalho, mas traz poucas informações sobre as futuras regras. Os detalhes só serão conhecidos depois da aprovação da reforma, com o envio de um projeto de lei complementar que será encaminhado para o Congresso, ainda em data incerta.

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Com isso, pairam no ar diversas dúvidas sobre o futuro regime. Ele será mesmo opcional? De quanto será a contribuição do empregador e do trabalhador? Em que momento entrará em vigor? Como serão pagas as aposentadorias de quem ficou no modelo antigo?

PEC prevê apenas a criação do novo regime, com premissas

A proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada no último dia 20 foca em mudar as regras do sistema atual. Por isso, ela apenas prevê a criação de um novo regime de aposentadoria, sem efetivamente criá-lo. O objetivo do governo foi não contagiar as discussões sobre as mudanças nas regras do regime atual com as definições sobre como funcionará o novo sistema.

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Logo, são poucos os detalhes sobre o novo regime. O pouco que sabe é que será um regime de aposentadoria no modelo de capitalização, em que o trabalhador forma sua própria poupança para a aposentadoria, válido somente para quem for entrar no mercado de trabalho após a reforma, com garantia de benefício de pelo menos um salário mínimo e com o trabalhador podendo escolher quem vai administrar a sua conta. A princípio, o sistema será opcional e receberá as contribuições tanto dos trabalhadores que o escolherem quanto dos empregadores.

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O que é o regime de capitalização? 

No regime de capitalização, o trabalhador recolhe para um conta individual, que é acessada somente após a sua aposentadoria. Funciona na mesma lógica da previdência privada. O sistema em vigor no país é o de repartição, em que as contribuições do trabalhador e empregador são usadas para pagar as aposentadorias atuais, numa espécie de pacto de gerações.

O que o governo ainda não esclareceu 

1. O sistema será opcional ou não? 

Como vai funcionar de fato o novo sistema é uma pergunta que ainda precisará ser respondida pelo governo. A primeira questão é se a capitalização será de fato opcional. O texto da PEC fala que ela será de “caráter obrigatório para quem aderir”. Ou seja: o jovem poderá escolher se ficará no sistema atual ou se vai aderir ao novo, mas , uma vez escolhida a capitalização, não será possível voltar atrás.

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No entanto, questionado na coletiva de imprensa de apresentação da reforma, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou que o novo regime poderá ser obrigatório. Ele disse que será a lei complementar quem vai estabelecer isso.

O secretário também explicou que o sentimento do governo é que o sistema de repartição não é sustentável em longo prazo e que, inevitavelmente, será preciso ficar somente com a capitalização.

2. Quem contribuirá e quais serão as alíquotas? 

Outro ponto importante é a alíquota de contribuição. A princípio, segundo o governo, o trabalhador e empregador recolheriam no novo sistema (o empregador, para a conta individual de seu funcionário, nos moldes do FGTS).

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Falta saber se ambas as contribuições serão mesmo obrigatórias, já que o texto da PEC trata isso como “possibilidade”. ”Possibilidade de contribuições patronais e do trabalhador, dos entes federativos e do servidor, vedada a transferência de recursos públicos”, diz o inciso VII do artigo 115 da PEC 6/2019. 

Também não há informação sobre o tamanho das alíquotas. A PEC diz, somente, que haverá contribuição definida, mas não traz valores.

O Chile foi um dos primeiros países a implementar o regime de capitalização, ainda na década de 1980. Mas lá não há contribuição do empregador e o porcentual descontado do trabalhador é baixo. Com isso, muitas pessoas, ao se aposentar, estão sacando mensalmente um benefício inferior ao salário mínimo. Uma reforma no sistema deve ser proposta pelo presidente Sebastián Piñera para corrigir esse problema.

A definição da alíquota, além de fundamental para determinar quanto o trabalhador vai conseguir receber lá na frente, será importante também para conhecermos a sobrevida do sistema de repartição. Isso porque, se o sistema de capitalização for mesmo opcional e se forem estabelecidas alíquotas diferentes para os dois regimes, o custo do trabalhador será diferente. Em um deles, o empregador vai ter que recolher mais. Em outro, menos, levando a uma distorção no mercado de trabalho. 

“Como fica a igualdade entre esses dois regimes (repartição e capitalização)? Porque você vai ter uma determinada alíquota no regime de repartição e possivelmente outra na capitalização. Possivelmente o custo do empregado vai ser diferente em cada um dos casos. Aí fica a questão de como fica o discurso de igualdade, de universalização de regras, de direitos iguais, além do impacto no mercado de trabalho, que é difícil de medir”, indaga o professor Luis Eduardo Afonso, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).

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3. Quem vai administrar essas contas?

A PEC da Previdência diz que o futuro novo regime admitirá o sistema de contas nocionais. Nesse caso, o dinheiro do trabalhador seria gerenciado pelo Tesouro, ou seja, pelo próprio governo. O governo diz que essa possibilidade traz maior proteção ao trabalhador, mas que ele terá livre escolha para decidir qual entidade de previdência pública ou privada será a gerenciadora da sua conta individual. 

Para Afonso, um regime de capitalização e um sistema de contas nocionais, aparentemente, “não conversam”. “Um regime de contas nocionais a gente chama de capitalização fictícia. Ele tem cara de repartição, mas a outra metade dele é um regime de capitalização. Esse regime de contas nocionais não tem acumulação de ativos, como é no regime de capitalização. E todo texto (da PEC) está relacionada a essa acumulação de ativos. Do jeito que está escrito, isso não está conversando”, afirma o especialista em Previdência.

4. Quando a capitalização entrará em vigor ?

O governo já deixou claro que somente quem entrar no mercado de trabalho após a promulgação da PEC poderá aderir ao novo regime. Mas não sabemos quando esse regime estará disponível para adesão.

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Ao contrário da reforma da Previdência em si, que entra em vigor logo após aprovação na Câmara e no Senado, o novo regime só vai começar a funcionar depois que o governo enviar o projeto de lei complementar e esse projeto for aprovado pelo Congresso.

5. Quem financiará a transição? 

Outra questão é como será financiada a transição de um regime para o outro. Ao criar a capitalização, muitas pessoas vão aderir a esse regime, que prevê que o trabalhador contribui para uma conta individual sua, e não mais para o sistema nacional de aposentadoria, administrado pelo INSS no caso dos trabalhadores rurais e da iniciativa privada. 

Mas o antigo regime, de repartição, vai continuar funcionando, com milhões de aposentados e cada vez menos gente contribuindo para esse sistema. De onde sairá o dinheiro para pagar todas as aposentadorias atuais e de quem ainda vai se aposentar pelo sistema de repartição é uma pergunta ainda não respondida.

O professor da FEA-USP acrescenta outro desafio: além de menos gente contribuindo para a repartição, quem deve optar pelo sistema antigo são os trabalhadores de renda mais baixa e, portanto, os que contribuem menos. Ou seja, vai entrar cada vez menos dinheiro para pagar os aposentados pelo sistema de repartição.

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“Possivelmente, a averiguar melhor, quem vai ficar no regime de repartição são aquelas pessoas que necessitam da proteção social. Renda mais baixa, menos escolaridade, que transitam mais entre o trabalho formal e informal. Quem deve ir para o regime de capitalização é o trabalhador de renda mais alta. Então é possível que, havendo essa opção (por escolher o regime), sai da repartição o trabalhador de renda mais alta. Isso pode ser um problema maior de financiamento dessa transição. Saem as pessoas que iam contribuir com renda mais alta e ficam as de renda mais baixa”, explica Afonso.

Dúvidas permanecem, mas estratégia foi correta, diz Tafner 

Na avaliação do economista Paulo Tafner, especialista em Previdência, foi correta a decisão do governo de deixar os detalhes sobre como funcionará o novo regime para lei complementar. Ele diz que agora é o momento de debater a reforma do sistema atual para, depois, entrar na discussão sobre as regras da capitalização.

“Ainda vai ter uma longa discussão com o projeto de lei que vai definir como é que vai ser (o novo sistema). É aí que vai ser o momento de avaliar, debater e fazer a melhor redação possível”, diz o especialista. Ele acrescenta que é correto deixar as regras para lei complementar, pois é mais fácil mudar quando necessário. 

“A estratégia de colocar em lei infraconstitucional é óbvio que é uma decisão acertada. Pequenos erros você consegue corrigir, porque não exige o quórum complicado de uma PEC. Só fica na Constituição o princípio geral”, diz Tafner. 

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Ele também diz que, ao propor o sistema de capitalização, o Brasil está dando acesso a esse regime para quem ganha menos, porque os “ricos” já tem a possibilidade via sistemas de previdência privada. 

Tafner acredita, ainda, que o ideal seria criar um novo sistema baseado em três pilares, com a capitalização e a repartição coexistindo. “Eu tenho a impressão que a gente deve caminhar para um sistema de capitalização convergindo com repartição, em camadas: uma renda universal, uma parte de repartição e uma parte de capitalização. É factível e até desejável. E com contribuição de empregados e empregadores.”

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