O esquema de corrupção desnudado pela operação Lava Jato também tinha um braço de atuação no conselho curador do FI-FGTS. O Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma auditoria que esmiuçou seis investimentos realizados pelo fundo, no total de R$ 6,6 bilhões. O pente-fino nesses projetos foi feito após a delação do ex-vice-presidente da Caixa, Fábio Ferreira Cleto.
Responsável por relatar a auditoria, o ministro Benjamin Zymler foi minucioso ao analisar a carteira administrada pelo FGTS. A constatação é de que, ainda que seja necessário incluir novas formas de investimentos com o dinheiro, é preciso obedecer à finalidade básica (financiar habitação, saneamento e infraestrutura). A auditoria verificou que algumas dessas aplicações não preenchiam requisitos legais e fugiam à finalidade básica do fundo. Ainda que não tenha sido constatado prejuízo financeiro com as operações, a conclusão da equipe é de que esses investimentos não deveriam ter sido realizados.
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Os investimentos analisados foram a aquisição de todas as debêntures emitidas pela Aquapolo Ambiental S.A. (Aquapolo),no valor de R$ 326,7 milhões; aquisição de todas as debêntures emitidas pela Haztec Tecnologia e Planejamento Ambiental S.A. (Haztec), no valor de R$ 245 milhões; aquisição de todas as debêntures emitidas pela Linha Amarela S.A. (Lamsa), no valor de R$ 386,7 milhões; aquisição de todas as debêntures emitidas pela Essencis Soluções Ambientais S.A., no valor de R$ 150 milhões; aquisição de todas as cotas do Fundo de Investimento Imobiliário Caixa Convida Suape, no valor de R$ 530 milhões, para posterior investimento em ações da Convida Suape S.A.; e aquisição de todas as cotas do Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, para posterior investimento em Certificados do Potencial Adicional de Construção (Cepac), emitidos pela cidade do Rio de Janeiro, e terrenos, no valor de R$ 3,5 bilhões, com posterior aporte de R$ 1,5 bilhão.
Veja cinco pontos problemáticos detectados pelo TCU:
Para investir na Convida Suape a Caixa, no papel de agente operador do FGTS, aprovou um enquadramento de proposta para poder se tornar sócia do negócio, responsável pelo desenvolvimento da infraestrutura urbana necessária à implantação de empreendimentos imobiliários próximo à região de Suape, no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Segundo o TCU, não havia previsão legal para que o Fundo se tornasse sócio, ainda que indiretamente, do negócio e que a operação não equivale propriamente a um investimento em cotas de fundo imobiliário.
“A escolha por ser sócio de empresa implica assunção de riscos próprios do negócio, não aplicáveis, ou ao menos mitigados, quando o fornecimento de recursos se limita à realização de operações de crédito”, observou o ministro. “Esses riscos acabaram se materializando ante o fato de o sócio do FGTS no negócio ter sido envolvido nas apurações da Operação Lava Jato, com prováveis e importantes impactos em sua credibilidade e capacidade de dar curso ao empreendimento nos mesmos moldes acordados”, completou.
Os técnicos do TCU ainda argumentam que não foi atribuído rating para o investimento, o que também contraria a regra do FI-FGTS. Além disso, houve uma alteração de estruturas para permitir o enquadramento da operação, com menos garantias legais do que deveria ter. Por isso, o “FGTS passou a depender do sucesso do negócio e da saúde financeira dos atores envolvidos para ter satisfeitos os seus créditos”, o que não deveria ter ocorrido.
O Relatório de Oportunidade de Investimento (ROI) ainda incluiu garantia consistente de ações representando 10% do capital social da empresa Cone S.A, que não constava dos pareceres de enquadramento. O problema é que as garantias admitidas pelas regras do FGTS eram insuficientes para cobrir o valor do aporte – isso significaria que os 10% das ações apresentas no ROI valeriam R$ 530 milhões, o que implica que a Cone S.A valeria R$ 5,3 bilhões, o que não é comprovado. Em sua delação, Fábio Ferreira Cleto afirmou que acompanhou essa operação de perto e confessou o recebimento de “vantagens indevidas” para fazê-la.
Foi aprovado um enquadramento de proposta para aquisição de cotas do Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, que tinha como ativos títulos do município do Rio de Janeiro e terrenos. O conselho curador aprovou um aporte de R$ 3,5 bilhões e um adicional de R$ 1,5 bilhão. Também nesse caso, os auditores do TCU avaliaram que não havia previsão legal para a aquisição desse tipo de ativo.
Além disso, o investimento não consignava garantias: o fundo só teria ganhos em caso de valorização das Cepacs e terrenos a serem adquiridos pelo empreendimento. “Além disso, a escolha por investir em títulos como Cepac e terrenos, em lugar de apenas oferecer crédito aos empreendedores, sujeita o FGTS à flutuação do valor desses ativos. E esse risco efetivamente se materializou, dada a crise que envolve o Estado do Rio de Janeiro e os desdobramentos da Operação Lava-Jato, com impactos sobre a credibilidade das empresas e sua capacidade de dar curso ao empreendimento nos mesmos moldes acordados”, explica o relatório. Para o TCU, já houve prejuízo no investimento por causa da necessidade do aporte de R$ 1,5 bilhão.
O FI-FGTS investiu nas debêntures da Aquapolo, que precisava construir, operar e manter um sistema de fornecimento ode água de reúso para fins industriais, de empresas do Polo de Capuva, em Mauá, no Grande ABC. Nesse caso, o problema era quem seria beneficiado pelo investimento: indústrias, e não habitações. Para rebater os técnicos do TCU, os envolvidos no caso argumentaram que essas ações complementariam investimentos em saneamento e infraestrutura. Ainda assim, o TCU entende que isso não afasta a irregularidade do enquadramento da operação. “Se todo investimento em saneamento atendesse ao comando normativo, não haveria razão de o legislador inserir a ressalva, e, se o fez, é porque desejou estabelecer algum tipo de limitação às aplicações daquela espécie”, aponta o relatório.
O TCU ainda detectou que a Caixa tinha uma norma interna que permitia a compensação de riscos extraordinários dos investimentos com aplicação de recursos do próprio fundo, o que contraria as normas do Conselho Curador que regulam o tema. Analisando pareceres da área de risco corporativo da estatal, os auditores descobriram que a norma permitia que o FGTS tivesse um ganho que já seria seu, a partir do investimento dos próprios recursos em títulos públicos. O problema é que, caso os riscos previstos se materializem, esses ganhos são consumidos e não há ganho de patrimônio.
“Ao tempo em que a Caixa pode compensar um investimento de pior qualidade com a ‘sobra’ resultante da boa qualidade de outros, obrigando-se apenas pelo resultado global do conjunto de aplicações, essa compensação acaba por diminuir o resultado potencial que o Fundo poderia auferir caso todas as operações aprovadas apresentassem estrutura condizente com o nível de risco e taxa estabelecida pelo Conselho Curador”, diz o relatório.
A auditoria também verificou que não há uma estrutura formal e efetiva de controles internos, e que possam proporcionar segurança das operações. Além disso, documentos que deveriam servir de suporte para a tomada de decisões não possuem assinaturas de quem os produziu, uma medida que representa prudência, boa gestão e facilita a transparecia. Também foi constatada a inexistência de processos (físicos ou eletrônicos) para a análise das propostas, bem como a motivação das alterações dos investimentos propostos.
Um exemplo é a alteração do investimento do Fundo Imobiliário Caixa Convida, que passou de R$ 340 milhões para R$ 500 milhões e depois da R$ 530 milhões sem as mínimas informações sobre a razão da mudança. O TCU ainda aponta a inexistência de um processo seletivo público, criterioso, para dar oportunidades iguais de acesso a todos os interessados em receber recursos do FI-FGTS; o conflito de interesses na produção e aprovação de pareceres; reuniões de colegiado realizadas sem a presença de participantes obrigatórios; aprovação final de investimentos antes da conclusão de pareceres externos.
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