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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

O esquema de corrupção desnudado pela operação Lava Jato também tinha um braço de atuação no conselho curador do FI-FGTS. O Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma auditoria que esmiuçou seis investimentos realizados pelo fundo, no total de R$ 6,6 bilhões. O pente-fino nesses projetos foi feito após a delação do ex-vice-presidente da Caixa, Fábio Ferreira Cleto.

Responsável por relatar a auditoria, o ministro Benjamin Zymler foi minucioso ao analisar a carteira administrada pelo FGTS. A constatação é de que, ainda que seja necessário incluir novas formas de investimentos com o dinheiro, é preciso obedecer à finalidade básica (financiar habitação, saneamento e infraestrutura). A auditoria verificou que algumas dessas aplicações não preenchiam requisitos legais e fugiam à finalidade básica do fundo. Ainda que não tenha sido constatado prejuízo financeiro com as operações, a conclusão da equipe é de que esses investimentos não deveriam ter sido realizados.

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Os investimentos analisados foram a aquisição de todas as debêntures emitidas pela Aquapolo Ambiental S.A. (Aquapolo),no valor de R$ 326,7 milhões; aquisição de todas as debêntures emitidas pela Haztec Tecnologia e Planejamento Ambiental S.A. (Haztec), no valor de R$ 245 milhões; aquisição de todas as debêntures emitidas pela Linha Amarela S.A. (Lamsa), no valor de R$ 386,7 milhões; aquisição de todas as debêntures emitidas pela Essencis Soluções Ambientais S.A., no valor de R$ 150 milhões; aquisição de todas as cotas do Fundo de Investimento Imobiliário Caixa Convida Suape, no valor de R$ 530 milhões, para posterior investimento em ações da Convida Suape S.A.; e aquisição de todas as cotas do Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, para posterior investimento em Certificados do Potencial Adicional de Construção (Cepac), emitidos pela cidade do Rio de Janeiro, e terrenos, no valor de R$ 3,5 bilhões, com posterior aporte de R$ 1,5 bilhão.

Veja cinco pontos problemáticos detectados pelo TCU:

1. Convida Suape (modalidade de investimento não autorizada pela legislação do FGTS)

Para investir na Convida Suape a Caixa, no papel de agente operador do FGTS, aprovou um enquadramento de proposta para poder se tornar sócia do negócio, responsável pelo desenvolvimento da infraestrutura urbana necessária à implantação de empreendimentos imobiliários próximo à região de Suape, no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Segundo o TCU, não havia previsão legal para que o Fundo se tornasse sócio, ainda que indiretamente, do negócio e que a operação não equivale propriamente a um investimento em cotas de fundo imobiliário.

“A escolha por ser sócio de empresa implica assunção de riscos próprios do negócio, não aplicáveis, ou ao menos mitigados, quando o fornecimento de recursos se limita à realização de operações de crédito”, observou o ministro. “Esses riscos acabaram se materializando ante o fato de o sócio do FGTS no negócio ter sido envolvido nas apurações da Operação Lava Jato, com prováveis e importantes impactos em sua credibilidade e capacidade de dar curso ao empreendimento nos mesmos moldes acordados”, completou.

Os técnicos do TCU ainda argumentam que não foi atribuído rating para o investimento, o que também contraria a regra do FI-FGTS. Além disso, houve uma alteração de estruturas para permitir o enquadramento da operação, com menos garantias legais do que deveria ter. Por isso, o “FGTS passou a depender do sucesso do negócio e da saúde financeira dos atores envolvidos para ter satisfeitos os seus créditos”, o que não deveria ter ocorrido.

O Relatório de Oportunidade de Investimento (ROI) ainda incluiu garantia consistente de ações representando 10% do capital social da empresa Cone S.A, que não constava dos pareceres de enquadramento. O problema é que as garantias admitidas pelas regras do FGTS eram insuficientes para cobrir o valor do aporte – isso significaria que os 10% das ações apresentas no ROI valeriam R$ 530 milhões, o que implica que a Cone S.A valeria R$ 5,3 bilhões, o que não é comprovado. Em sua delação, Fábio Ferreira Cleto afirmou que acompanhou essa operação de perto e confessou o recebimento de “vantagens indevidas” para fazê-la.

2. Porto Maravilha (modalidade de investimento não autorizada pela legislação do FGTS)

Foi aprovado um enquadramento de proposta para aquisição de cotas do Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, que tinha como ativos títulos do município do Rio de Janeiro e terrenos. O conselho curador aprovou um aporte de R$ 3,5 bilhões e um adicional de R$ 1,5 bilhão. Também nesse caso, os auditores do TCU avaliaram que não havia previsão legal para a aquisição desse tipo de ativo.

Além disso, o investimento não consignava garantias: o fundo só teria ganhos em caso de valorização das Cepacs e terrenos a serem adquiridos pelo empreendimento. “Além disso, a escolha por investir em títulos como Cepac e terrenos, em lugar de apenas oferecer crédito aos empreendedores, sujeita o FGTS à flutuação do valor desses ativos. E esse risco efetivamente se materializou, dada a crise que envolve o Estado do Rio de Janeiro e os desdobramentos da Operação Lava-Jato, com impactos sobre a credibilidade das empresas e sua capacidade de dar curso ao empreendimento nos mesmos moldes acordados”, explica o relatório. Para o TCU, já houve prejuízo no investimento por causa da necessidade do aporte de R$ 1,5 bilhão.

3. Aquapolo (investimento que não faz parte do escopo do FGTS)

O FI-FGTS investiu nas debêntures da Aquapolo, que precisava construir, operar e manter um sistema de fornecimento ode água de reúso para fins industriais, de empresas do Polo de Capuva, em Mauá, no Grande ABC. Nesse caso, o problema era quem seria beneficiado pelo investimento: indústrias, e não habitações. Para rebater os técnicos do TCU, os envolvidos no caso argumentaram que essas ações complementariam investimentos em saneamento e infraestrutura. Ainda assim, o TCU entende que isso não afasta a irregularidade do enquadramento da operação. “Se todo investimento em saneamento atendesse ao comando normativo, não haveria razão de o legislador inserir a ressalva, e, se o fez, é porque desejou estabelecer algum tipo de limitação às aplicações daquela espécie”, aponta o relatório.

4. Riscos descobertos

O TCU ainda detectou que a Caixa tinha uma norma interna que permitia a compensação de riscos extraordinários dos investimentos com aplicação de recursos do próprio fundo, o que contraria as normas do Conselho Curador que regulam o tema. Analisando pareceres da área de risco corporativo da estatal, os auditores descobriram que a norma permitia que o FGTS tivesse um ganho que já seria seu, a partir do investimento dos próprios recursos em títulos públicos. O problema é que, caso os riscos previstos se materializem, esses ganhos são consumidos e não há ganho de patrimônio.

“Ao tempo em que a Caixa pode compensar um investimento de pior qualidade com a ‘sobra’ resultante da boa qualidade de outros, obrigando-se apenas pelo resultado global do conjunto de aplicações, essa compensação acaba por diminuir o resultado potencial que o Fundo poderia auferir caso todas as operações aprovadas apresentassem estrutura condizente com o nível de risco e taxa estabelecida pelo Conselho Curador”, diz o relatório.

5. Falta de controle interno

A auditoria também verificou que não há uma estrutura formal e efetiva de controles internos, e que possam proporcionar segurança das operações. Além disso, documentos que deveriam servir de suporte para a tomada de decisões não possuem assinaturas de quem os produziu, uma medida que representa prudência, boa gestão e facilita a transparecia. Também foi constatada a inexistência de processos (físicos ou eletrônicos) para a análise das propostas, bem como a motivação das alterações dos investimentos propostos.

Um exemplo é a alteração do investimento do Fundo Imobiliário Caixa Convida, que passou de R$ 340 milhões para R$ 500 milhões e depois da R$ 530 milhões sem as mínimas informações sobre a razão da mudança. O TCU ainda aponta a inexistência de um processo seletivo público, criterioso, para dar oportunidades iguais de acesso a todos os interessados em receber recursos do FI-FGTS; o conflito de interesses na produção e aprovação de pareceres; reuniões de colegiado realizadas sem a presença de participantes obrigatórios; aprovação final de investimentos antes da conclusão de pareceres externos.

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