A campanha eleitoral de 2018 já começou. Vários pré-candidatos estão com o bloco na rua e buscam o apoio dos eleitores para chegar ao posto de chefe do Executivo brasileiro a partir de 2019. Posicionamento dos candidatos em relação à redução da maioridade penal, pena de morte, desarmamento e outras polêmicas devem começar a surgir e podem ser determinantes para o resultado do pleito. Mas, não se engane, o presidente da República pouco pode fazer em relação a esses assuntos.
Temas como os citados envolvem alterações na legislação vigente no Brasil e, para sofrerem alterações, precisam de aprovação do Congresso Nacional. O presidente da República pode propor projetos de lei, mas necessita do apoio da maioria dos deputados e dos senadores para torná-los realidade.
“Ele [presidente] não pode fazer nada em nome dele nem do próprio poder, mas em nome da nação. E para isso ele precisa da aprovação do Legislativo”, explica o cientista político da PUCPR Másimo Della Justina.
No caso de propostas de emenda à Constituição (PEC), o trâmite é ainda mais complicado que um projeto de lei ordinária. Para entrarem em vigor, as PECs precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado, com maioria qualificada – três quintos dos parlamentares de cada Casa.
Nesse caso, o presidente pode propor a PEC, mas não pode vetar o resultado caso ele não seja satisfatório. “Ele tem o poder de agenda, de colocar a matéria em discussão, mas não tem nenhum poder decisório ou de veto”, explica o professor de direito constitucional do Unibrasil Paulo Schier.
“Mesmo em relação a determinados atos que o presidente da República tenha que praticar e que vão trazer algum tipo de interferência legislativa, nada é sozinho. Até mesmo as chamadas medidas provisórias, ele propõe e depois para a conversão [em lei] vai precisar de uma aprovação do Congresso Nacional”, completa Schier.
Controle Constitucional
Mesmo que o presidente consiga formar uma maioria no Congresso para aprovar mudanças na Constituição, há artigos que não podem sofrer alterações. São as chamadas cláusulas pétreas. Elas estão definidas no artigo 60, parágrafo 4.ª da Constituição Federal.
“Em relação ao retrocesso de qualquer matéria que diga respeito a direitos fundamentais; separação dos poderes; o chamado voto direto, secreto, periódico e universal; e a autonomia federativa; ainda que o presidente da República tenha poder de agenda, ainda que consiga uma super maioria de três quintos e consiga aprovar isso em dois turnos de votação, em relação às cláusulas pétreas não é possível retrocesso”, explica Schier.
Caso o Congresso resolva mexer nessas cláusulas da Constituição, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode interferir e barrar as mudanças.
“Temos que sempre partir da ideia de que nossa Constituição é absolutamente boa, eu diria perfeita, ela tem todo o regramento”, diz Justina. “O Brasil, em termos de Constituição e estrutura física, está muito bem. O que nós teríamos que melhorar é o cumprimento disso”, completa.
Governo de coalizão
Como é muito difícil que o partido do presidente da República obtenha maioria absoluta no Congresso para apoiar todos os projetos vindos do Executivo, o presidente precisa fazer coalizões com outras legendas para poder governar. “Ele pode ter o mais mirabolante plano de transformação do mundo, mas se ele não tiver uma coalizão estável ele não vai conseguir mudar nada”, explica Schier.
“Vamos imaginar que o povo escolha um partido de extrema esquerda. O presidente não vai conseguir fazer um governo de esquerda porque ele não vai ter a maioria no Congresso Nacional, ele vai ter que negociar com os partidos de direita que vão integrar a coalizão dele. Da mesma forma um presidente de direita”, continua o professor. “Vamos imaginar, ganhou o Aécio Neves, o Bolsonaro, ou coisa que o valha, ele não vai ter uma maioria para, sozinho, apoiar propostas ousadas de direita. Ele vai ter que negociar com partidos de centro esquerda”, conclui.
Por isso, é difícil que o presidente eleito em 2018, qualquer que seja ele, consiga fazer alterações significativas nas leis.
1) Desarmamento
O fim do desarmamento não é um tema Constitucional, mas os especialistas ouvidos pela reportagem acham difícil o Congresso Nacional bancar uma mudança nas regras.
“Esse debate é menos constitucional e mais ideológico”, resume Justina. “Pela nossa tradição, não acredito que os deputados teriam coragem de votar só no Congresso Nacional. O Congresso vai necessariamente terceirizar para um referendo ou plebiscito”, analisa.
“Toda a definição em relação a armamento e desarmamento da sociedade civil no Brasil foi definido através de um referendo. Houve a manifestação popular em relação a esse debate. Qualquer mudança demandaria novamente uma manifestação direta da soberania popular, em respeito a deliberação anterior”, opina Schier.
2) Maioridade penal
Este é um tema que volta e meia surge no debate público. A Constituição prevê que a maioridade penal é de 18 anos no artigo 228:
“Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
“O grande debate não é se é direito fundamental, a discussão é se o número 18 é o que protege a dignidade humana”, explica Schier.
3) Pena de morte
A adoção da pena de morte também é um assunto que acaba surgindo na campanha, dependendo do campo ideológico dos candidatos em disputa. Nesse caso, a proibição é uma cláusula pétrea da Constituição e dificilmente poderá ser alterada.
“O Congresso Nacional e o Palácio do Planalto são suficientemente astutos e inteligentes para jogar para a população essa decisão. Então referendos e plebiscitos podem servir como base votação para assuntos polêmicos em que o Congresso Nacional não queira se expor”, analisa Justina.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;
4) Reservas indígenas e quilombolas
Em uma palestra em abril deste ano, o deputado Jair Bolsonaro (PSC), que é pré-candidato à Presidência da República, disse que, caso eleito, acabaria com a demarcação de terras indígenas no país.
A Constituição tem um título inteiro sobre proteção aos povos indígenas, que também engloba a demarcação de terras:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
5) União homoafetiva
Esse também é um tema que pode esquentar o debate nas eleições, principalmente depois da polêmica sobre a autorização judicial para a “cura gay”.
Em 2011, o STF já decidiu que casais do mesmo sexo podem constituir família através da união estável. A Constituição trata do assunto no artigo 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Nesse caso, ainda há possibilidade de o Congresso se manifestar e mudar a regra. “O posicionamento do STF não é definitivo. O STF decide e a decisão vincula o Poder Executivo e o Poder Judiciário, mas não vincula o Poder Legislativo”, explica Schier.
6) Direitos humanos
Os direitos humanos também acabam aparecendo no centro do debate ideológico entre esquerda e direita. Na Constituição, os direitos humanos – também conhecidos como direitos fundamentais – estão listados ao longo do artigo 5.º, que possui 78 incisos.
“Nesse campo das cláusulas pétreas, principalmente nesse campo que diz respeito aos direitos fundamentais o Poder Judiciário no Brasil tem feito um controle bastante cauteloso no que diz respeito a preservação dos direitos fundamentais em face de emendas constitucionais ou até mesmo de leis que representem algum tipo de retrocesso ou impedimento no exercício dos direitos fundamentais”, diz Schier.
O artigo que trata das cláusulas pétreas na Constituição Federal é o de número 60 e não 70, como publicado anteriormente. O texto já foi corrigido.
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