Sergio Moro assumiu oficialmente o cargo de Ministro da Justiça na quarta-feira (02) em uma cerimônia de transmissão de cargos no Palácio da Justiça, em Brasília. No discurso de posse, Moro deu pistas sobre as principais medidas que devem ser adotadas durante sua gestão para auxiliar no combate à corrupção e ao crime organizado, pontos elencados por ele como prioritários.
No discurso, Moro falou em medidas de combate ao crime organizado, melhorias em penitenciárias federais, padronização de estruturas de segurança pública nos estados, mapeamento do perfil genético de criminosos, fortalecimento da Lava Jato e do combate à corrupção, política de drogas e envio de um pacote de medidas para discussão no Congresso Nacional.
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A Gazeta do Povo ouviu especialistas em direito penal e segurança pública sobre os principais pontos destacados por Moro e os desafios do ex-juiz no comando da pasta.
1) Crime organizado
Moro elencou como um dos desafios de sua gestão o combate ao crime organizado. “Grupos criminosos organizados, alguns que dominam nossas prisões, estão cada vez mais poderosos”, disse o ministro. Segundo Moro, é preciso enfrentar o crime organizado com leis mais eficazes, inteligência e operações coordenadas. O primeiro teste nessa área ocorreu na semana passada, quando ele autorizou o envio de tropas da Força Nacional para conter a violência no Ceará.
Nesse ponto, Moro deu pistas do que pretende priorizar para o combate ao crime. “O remédio é universal, embora nem sempre de fácil implementação. Prisão dos membros, isolamento carcerário das lideranças, identificação da estrutura e confisco de seus bens”, disse.
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sergio de Lima, Moro identifica corretamente os problemas que precisam ser resolvidos sobre o tema. “Esse ponto é o que ele mais acerta, até pela experiência de mais de duas décadas como juiz federal julgando o crime organizado. Ele de fato identifica corretamente a questão e propõe uma solução. Se é a melhor ou não, precisamos aguardar a implementação. No Brasil, falando em política pública, sempre temos um problema sério entre formulação e implementação. Esse é o maior desafio de um gestor público que toma posse”, diz.
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O mestre em direito penal e criminologia, Jovacy Peter Filho aponta que apenas um dos pontos citados por Moro não é de sua atribuição como ministro. “Nessa questão do confisco o que ele está querendo falar é basicamente para que o dinheiro que for objeto de lavagem possa retornar aos cofres públicos o mais rápido possível. Esse papel que cabe ao Judiciário pode ser reforçado por um viés que é trazido pelo Ministério da Justiça, ou seja, pelo Executivo. Vai caber muito mais a ele um papel político do que um papel operacional”, explica.
2) Padronização de procedimentos
Moro disse durante a posse que pretende fazer com que a Secretaria Nacional de Segurança Pública atue na padronização de procedimentos, gestão e estrutura das policias estaduais, além do auxílio com investimentos. “Deve ter um papel equivalente ao da intervenção federal do Rio de Janeiro e que reestruturou a Segurança Pública naquele Estado. Aqui evidentemente substituindo intervenção por cooperação”, disse Moro.
Para Lima, o grande desafio aqui é convencer os estados da necessidade de padronização. “O grande desafio é convencer os governadores e as policias de que a integração de seus sistemas, seus cadastros, seus protocolos e padrões é benéfico. Quer dizer, qual é a moeda de troca? Você só dizer que vai combater o crime, isso é importantíssimo no termo político, mas em termos técnicos, qual vai ser a moeda de troca que o ministro vai poder oferecer? Dinheiro? Algum outro tipo de recurso? Sem isso, a União tem muito pouco poder de indução”, destaca.
Peter tem uma visão mais otimista sobre o tema. “Quando a gente fala sobre investigação, não só ele vai ter acesso direto as investigações e condução dos trabalhos na PF, como ele pode organizar que essa mesma diretriz possa ser reproduzida nos estados da federação. E aí você tem uma uniformização das diretrizes”, explica. “Isso não é automático, porque os estados não são obrigados a aderir, mas quando você tem uma plataforma organizada, inclusive com distribuição de recursos para aqueles estados que se empenharem mais nas diretrizes do ministério, você começa a criar uma cultura dentro da diretriz que o Ministério está querendo dispor”, completa o advogado.
3) Penitenciárias
Moro também disse que pretende fazer com que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) incremente a qualidade das penitenciárias federais, “para o absoluto controle das comunicações das lideranças de organizações criminosas com o mundo exterior”.
Para Peter, essa medida pode acabar gerando polêmicas e deve ser conduzida com cautela por Moro. “Eu preciso deixar alguma margem para que a comunicação seja livre. O estado tem que ter outras formas de proibir e inibir a prática de crimes, que não sejam formas que proíbam ou impeçam absolutamente o exercício de direitos”, opina.
Para Lima, juridicamente é possível isolar os líderes das organizações criminosas, transferindo esses presos para unidades federais, mas alerta para um efeito colateral da medida. “Você pode fazer com que a organização criminosa de cada estado declare guerra ao poder público, com ataques como os que estão acontecendo no Ceará”, explica. Ele também cita as rebeliões em presídios ocorridas no início do ano passado como exemplo.
Moro também fala em liberação de recursos para os estados. “Pretendo ainda que ele destrave os investimentos nas estruturas prisionais dos Estados e do Distrito Federal, quiçá elaborando e deixando à disposição deles projetos e modelos de penitenciárias, evitando que os recursos disponibilizados pelo Fundo Nacional Penitenciário fiquem imobilizados por falta de projetos e execução, como infelizmente ocorre”, prometeu Moro.
4) Perfil Genético de presos
Outro ponto que Moro destacou em seu discurso foi o Banco Nacional de Perfis Genéticos, que classificou como um “instrumento de vanguarda para a elucidação de crimes, especialmente crimes de sangue, e igualmente um inibidor da reincidência criminosa”. Moro afirmou que pretende, no prazo de quatro anos, garantir que sejam inseridos no banco o perfil genético de todos os condenados por crimes dolosos no Brasil. “Se não conseguirmos a alteração pretendida na lei, de todos os condenados por crimes dolosos violentos”, completou o ministro.
“É importante que a gente primeiro amadureça esse discurso no Brasil da melhor forma de fazer o tipo coleta de dados, sem violação de quem quer que seja, e como a gente pode financeiramente tornar esse projeto viável”, diz Peter.
Peter destaca, ainda, que a medida provavelmente vai precisar passar pelo Congresso. “Se ele criar isso via decreto, a maior abrangência que ele vai conseguir é regulamentar isso no âmbito federal. Ele não vai conseguir chegar aos âmbitos estaduais, que representam a massa dos crimes dolosos do Brasil”, destaca o advogado.
Lima destaca uma limitação para o projeto de Moro. “Você não tem nem consenso de quantos presos você tem no Brasil hoje. Tem uma informação que vem do Depen que dá conta de mais ou menos 720 mil presos. Se você vai pelo CNJ, fala de 680 mil”, lembra o especialista.
Outro problema, segundo ele, é a implementação da medida. “Para você ter o perfil genético você precisa ter equipamentos. O investimento é bastante grande. Essa é uma promessa que vem vindo [de outros governos] e é de difícil implementação”, completa.
5) Forças-tarefas
Moro também prometeu ao tomar posse que vai garantir a liberdade e os recursos necessários para atuação de órgãos como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Coaf. E também fez um aceno importante à Lava Jato.
“Nessa linha, aliás, um dos imediatos compromissos, não meu, mas que me foi apresentado pelo Diretor Geral da Polícia Federal será o de reestruturar e fortalecer as diversas Forças tarefas e equipes policiais encarregadas de investigar a grande corrupção, seja nos inquéritos em Curitiba, São Paulo e no Rio de Janeiro, seja nas investigações perante as Cortes Superiores de Brasília”, disse Moro.
Para Lima, a criação de forças-tarefa para combater a corrupção funciona apenas a curto prazo. “Você tem crises pontuais que são resolvidas na ideia de força-tarefa. O problema da corrupção no Brasil é que não é uma crise, é crônica”, explica. “Talvez em um período de quatro anos ela cumpra seu papel e terá aquilo como função política. Se é pra ter eficácia de combate ao corrupção, é algo a ser institucionalizado”, completa.
6) Bens confiscados do tráfico
Moro também falou de sua política sobre drogas. “Pretendo que a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas transforme-se progressivamente em uma agência encarregada da gestão e alienação do produto de crimes do tráfico de drogas”, disse Moro. Ele disse que pretende usar recursos confiscados de grandes criminosos para financiar a segurança pública e a recuperação de dependentes químicos, além de investir em políticas de prevenção.
Aqui, Moro pode ter um desafio para conseguir liberação dos recursos. “Nesse ponto, o ministro vai ter um competidor muito forte, que se chama Paulo Guedes [Ministro da Economia]. Boa parte dos fundos são contingenciados para efeitos de superávit fiscal. Sergio Moro vai ter que convencer o Paulo Guedes que o dinheiro pode ser usado”, explica Lima.
“Os fundos já existem, você tem que gerenciar para que esses fundos possam destinar os recursos para áreas estratégicas”, reforça Peter.
7) Pacote legislativo
Moro também deu exemplos de projetos que devem ser apresentados no pacote legislativo que ele prepara para apresentar ao Congresso Nacional logo no início da volta ao trabalho dos parlamentares.
“Propostas simples, mas eficazes, como, entre outros, a previsão de operações policiais disfarçadas para combater o crime, proibição de progressão de regime para membros de organizações criminosas armadas, e o plea bargain para que a Justiça possa resolver rapidamente casos criminais nos quais haja confissão”, exemplificou Moro.
O ministro também disse que pretende propor que fique mais claro na lei a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância e o fortalecimento do Tribunal do Júri, prevendo execução imediata dos veredictos condenatórios.
Para Peter, a proposta mais polêmica é a proibição de progressão de regime. “A gente já sabe que hoje o cárcere não tem nenhuma condição de ressocialização, especialmente para criminosos de crimes econômicos. Então a gente manter uma pessoa por longo período em um regime que não o estimula a progredir é algo totalmente contraproducente”, diz o advogado.
Para Peter, a adoção do plea bargain também deve ser bem debatida antes da aprovação. Isso porque a previsão tem inspiração no direito americano, que não tem as mesmas tradições do direito brasileiro, inspirado no direito latino. “É outro tema que vai demandar uma análise legislativa e um debate para chegar a um parâmetro razoável a um instituto que vem de outra origem e trazer ao nosso sistema, com as nossas peculiaridades”, ressalta.
Já a previsão para operações policiais disfarçadas, Peter considera importante para estabelecer parâmetros para a atuação de investigadores. “Tudo que diz respeito a inovações na força de segurança é necessário que a gente pondere os benefícios para a sociedade dessas alterações e também a utilidade dessas medidas para as próprias forças policiais”, ressalta.
Para Lima, a proposta de execução imediata de sentenças do Tribunal do Júri também é importante para combater o crime. “Em termos de violência a ideia do Tribunal do Júri é fundamental, porque já faz com que o tribunal seja efetivo”, defende.
Já a previsão de prisão em segunda instância, Lima afirma que o Congresso Nacional não pode legislar sobre o tema, por ser cláusula pétrea da Constituição. “A questão segunda instância, no fundo, o que ele esta fazendo é botar uma pressão em cima do Supremo. O Congresso, em tese, não pode alterar essa medida porque ela é uma cláusula pétrea – ninguém pode ser considerado culpado a não ser após o trânsito em julgado – e não pode ser mudado por PEC [Proposta de Emenda à Constituição]. O que ele esta fazendo é botar pressão no STF para garantir a interpretação dominante”, diz.
Moro também não descarta a possibilidade de enviar um novo pacote de medidas mais tarde ao Congresso. “Adiante virão projetos mais complexos, que terão que ser debatidos com outras pastas, para reduzir incentivos e oportunidades para a prática da corrupção e de outros crimes”, disse o ex-juiz.
O que faltou dizer
Para Lima, faltou no discurso de Moro propostas para lidar com outros gargalos da segurança pública no país. “O problema é o dia a dia da criminalidade e do flagrante. Como que a gente vai resolver hoje o fatio de que 76% dos crimes brasileiros não são elucidados? Não é com mudança legislativa, é com mudança administrativa e de gestão”, critica o especialista.
Moro falou sobre os crimes violentos ao assumir o cargo, mas não detalhou medidas que devem ser adotadas nesses casos.
“As elevadas taxas de homicídio constituem o pior exemplo, mas os índices de roubos armados, estupros e de crimes violentos em geral geram um atmosfera de insegurança e que deve ser combatida com estratégia, inteligência e políticas públicas eficazes”, limitou-se a dizer o ministro.
“Não há uma resposta fácil, mas o compromisso do Ministério é, com todos os esforços e dedicação possível, do Ministro, dos Secretários, dos dirigentes e dos demais servidores, iniciar um ciclo virtuoso de diminuição de todos esses crimes. Tudo isso dentro de um ambiente de respeito às instituições e ao Estado de Direito. Tudo isso com uma esperada parceria com os Estados e os Municípios. Os planos ainda estão em elaboração e não caberia aqui detalhá-los”, disse Moro.