Liberar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do cumprimento da pena de sua condenação na Lava Jato para que o petista possa fazer campanha nas ruas é o sonho do Partido dos Trabalhadores (PT). Mesmo preso e sem garantia alguma de que conseguirá registrar sua candidatura à presidência em agosto – a condenação em segunda instância o torna “ficha suja” –, Lula ainda lidera as pesquisas de intenção de voto para outubro. E o PT não tem outro candidato tão forte como o ex-metalúrgico. E o partido não economiza esforços para tentar libertar o petista, ainda que provisoriamente. Neste domingo (8), quase deu certo: um pedido de habeas corpus sob medida para o plantão judiciário do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) se tornou um cabo de guerra entre desembargadores e juízes. No fim, Lula segue preso. Veja as peripécias do partido para tentar soltar o petista e politizar ainda mais sua prisão.
Habeas corpus sob medida...
O pedido de habeas corpus para tirar da cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi protocolado 32 minutos após o início do plantão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). O documento é subscrito pelo advogado e deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) para a segunda instância da Operação Lava Jato.
Lula está preso desde 7 de abril. O petista foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e um mês de prisão no caso triplex. O plantão começou às 19h de sexta-feira (6) – duas horas após a eliminação do Brasil para a Bélgica nas quartas de final da Copa do Mundo. A estratégia dos aliados do líder petista incluiu a apresentação de três requerimentos de soltura depois do fim do expediente: às 19h32 (aquele no qual houve despacho), às 19h43 e outro às 19h59.
...para o desembargador certo
Rogério Favreto, o desembargador que estava no plantão do TRF-4 neste fim de semana, é simpático ao PT, Ele foi filiado ao partido por quase 20 anos – de 1991 a 2010. Ele se desfiliou do PT para trabalhar no governo federal. Favreto foi filiado ao PT de 1991 a 2010 e procurador da prefeitura de Porto Alegre na gestão Tarso Genro nos anos 1990. Depois, foi assessor da Casa Civil no governo Lula e do Ministério da Justiça quando Tarso era ministro. Favreto também exerceu entre abril de 2007 e junho de 2010 o cargo de secretário nacional da Reforma do Judiciário, no Ministério da Justiça. Ele chegou ao cargo de desembargador depois de indicação da ex-presidente Dilma Rousseff.
Lula cético
Ao ser informado pelo deputado Wadih Damous (PT-SP) de que o TRF-4 havia determinado sua soltura, no fim da manhã deste domingo (8), o ex-presidente Lula afirmou que “nunca acreditou” que a decisão fosse cumprida. “Desde que eu lhe dei a notícia que nós havíamos obtido essa ordem, ele Lula estava muito cético. Ele não acreditava que pudesse ser cumprida. Ficou muito claro. Não abalou a moral dele até porque ele não acreditava”, disse o parlamentar, em entrevista coletiva em Curitiba.
Candidatura é fato novo?
A decisão de Favreto para determinar a soltura de Lula atendia a pedido de habeas corpus apresentado pelos deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira. Em seus despachos, o magistrado sustentou a tese de que a defesa apresentou fatos novos, como o de que Lula é pré-candidato à Presidência da República. “Tenho que o processo democrático das eleições deve oportunizar condições de igualdade de participação em todas as suas fases com objetivo de prestigiar a plena expressão de ideias e projetos a serem debatidos com a sociedade.”
Segue o desembargador: “Sendo assim, percebe-se que o impedimento do exercício regular dos direitos do pré-candidato, ora paciente, tem gerado grave falta na isonomia do próprio processo político em curso, o que, com certeza, caso não restabelecida a equidade, poderá contaminar todo o exercício cidadão da democracia e aprofundar a crise de legitimidade, já evidente, das instituições democráticas”.
A defesa de Lula argumentar que ele é pré-candidato em um pedido de habeas corpus até pode ser novidade para o desembargador plantonista, mas o fato é que o partido e o próprio Lula sempre colocaram o ex-presidente na corrida eleitoral para 2018. E isso já vem de mais tempo: Lula lançou sua candidatura a presidente em julho de 2017, um dia após ser condenado por Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá. Após a confirmação da sentença, feita em janeiro deste ano pelo TRF-4, o PT reafirmou a candidatura do petista.E vai levar essa situação até setembro, pelo menos, para só então trocar de candidato.
“Lula vai ganhar a eleição mesmo que esteja preso”, disse Gleisi Hoffman, neste domingo (8), em ato em São Bernardo do Campo. Ao deixar o local, a presidente do PT foi abordada por um apoiador que perguntou se Lula será realmente candidato à Presidência. “Mesmo preso, ele será candidato”, declarou a petista. A estratégia do PT é registrar Lula como candidato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dia 15 de agosto, data limite para inscrição de chapas na eleição.
Nós X Eles
A narrativa da prisão de Lula construída pelo PT é de perseguição política e o juiz Sergio Moro é apontado como o algoz do ex-presidente. Esse episódio do solta-prende Lula reforçou essa percepção. A primeira decisão do desembargador Rogério Favreto citava Moro como parte coatora. O juiz, mesmo de férias, entendeu que deveria responder ao despacho. E ainda “desautorizou” o magistrado da segunda instância e pediu a orientação de João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4. Ele foi bastante criticado.
Em suas contas no Twitter, o senador Lindbegh Farias (PT-RJ), o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) reclamaram que o juiz não poderia estar se manifestando sobre o habeas corpus por estar de férias. “Moro de férias não pode despachar documento oficial”, escreveu Teixeira. “Moro está de férias! É impressionante o seu ativismo jurídico. É um militante de toga!”, afirmou Lindbergh. Pimenta escreveu: “Sérgio Moro está de férias, mas não teve vergonha de vestir a camisa de militante político para tentar impedir a libertação de Lula!”.
O advogado de Lula, Cristiano Zanin, afirmou, por meio de nota, que Moro atuou “sem jurisdição”, e que não poderia ter agido “estrategicamente para impedir a soltura” do petista. Em mais uma crítica da defesa de Lula a atuação de Moro, Zanin disse que o juiz e o Ministério Público Federal de Curitiba “atuaram mais uma vez como um bloco monolítico contra a liberdade de Lula, mostrando que não há separação entre a atuação do magistrado e o órgão de acusação”.
Moro preso
A interferência de Moro respondendo ao desembargador Rogério Favreto incomodou a militância. Um advogado encaminhou ao próprio Rogério Favreto, plantonista do TRF-4, um pedido de prisão imediata do juiz Sergio Moro. O motivo seria o descumprimento da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A desobediência à ordem judicial é crime comum, tipificado no artigo 330 do Código Penal, estando o Sr. Sergio Fernando Moro em flagrante delito do referido crime”, afirma Douglas Alexandre de Oliveira Herrero, em seu pedido.
“O Magistrado é o mesmo que, recentemente, descumpriu determinação do Supremo Tribunal Federal e determinou aplicação de tornozeleira eletrônica a Paciente beneficiário de habeas corpus pelo Pretório Excelso. Ou seja, trata-se de autoridade judiciária reconhecida por negar cumprimento a decisões proferidas pelas instâncias superiores”, diz ainda o pedido.
Além dele, uma entidade de advogados – o Advogados e Advogadas pela Democracia, grupo ligado aos movimentos de esquerda – pediu ao TRF-4 a prisão de Moro e do diretor-executivo da PF no Paraná, com a mesma alegação de descumprimento do alvará de soltura emitido pelo desembargador plantonista. “Conforme consta do despacho da autoridade coatora, e Magistrado - notoriamente gozando férias em Portugal, e, portanto, sem jurisdição em sua própria vara, o juiz de primeiro grau ordenou que a Polícia Federal descumpra a ordem emanada por este Tribunal Regional Federal, nos termos abaixo transcritos”, afirmam.
E a PF?
Os petistas também questionam – e muito – a atuação da Polícia Federal (PF) durante o imbróglio jurídico sobre a manutenção da prisão de Lula ou sua libertação. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), afirmou na noite deste domingo (8) que o ministro da Justiça, Raul Jungmann, tem muito que explicar ao país.
Segundo Gleisi, foi vergonhosa a atuação da Polícia Federal que, em sua opinião, fez marolas para evitar a soltura de Lula, apesar da decisão do desembargador Rogério Favreto por sua libertação. Em um carro de som diante da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), Gleisi relatou que, em mensagens via WhatsApp, Jungmann teria dito que o presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores, recomendara que Lula permanecesse na prisão.
O ministro rebateu as críticas. Jungmann disse que “a PF, tempestiva e objetivamente, cumpre ordens judiciais”. Ele negou sua interferência no caso. “Qualquer ação minha, numa ou noutra direção, poderia vir a configurar obstrução do devido processo legal”, afirmou. “Apenas fui mantido informado e acompanhei os acontecimentos durante seu desenrolar. Nada além disso.”
Insegurança jurídica (dentro da própria equipe)
A troca de despachos – e farpas – ao longo do domingo (8) contribuiu ainda mais para um clima de insegurança jurídica, que é criticado e provocado pelo PT simultaneamente. Decisões conflitantes, falta de apaziguamento e entendimento contribuem para um cenário temeroso no âmbito jurídico.
O trio de advogados deputados praticamente “atropelou” a equipe de criminalistas e adotou uma estratégia com ênfase mais política. Um dos defensores de Lula, Roberto Batochio, está fora do País e foi informado da decisão da soltura de Lula, por volta de meio dia, pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Desde o mês passado, quando os desentendimentos entre Cristiano Zanin Martins e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence vieram à tona, a direção do PT entrou em estado de alerta. Nos bastidores, há comentários de que Pertence tem sido “isolado” pelo grupo de Zanin e quer conversar com Lula, para ver se continua ou não em sua defesa.
Pertence se manifestou neste domingo (8), “como advogado e cidadão”, está “espantado, para não dizer aterrorizado”, com as cenas “patéticas e tragicômicas” protagonizadas pelo juiz Sergio Moro e por outros que contestaram a ordem do magistrado Rogério Favreto de soltar Lula. “Vivi a juventude e boa parte da vida adulta sob a ditadura militar. Nunca vi um juiz de primeira instância desobedecer a uma ordem judicial [como fez Moro].”
Ele diz que se espantou também com a notícia de que o presidente do TRF-4, Thompson Flores, teria telefonado para a Polícia Federal para pedir que a ordem fosse descumprida até que ele mesmo decidisse – no caso, pela manutenção da prisão de Lula. “Vi general vacilar diante de uma ordem do STF, mas acabar cumprindo. Acho inacreditável que, num regime formalmente democrático, presenciemos cenas tão patéticas e tragicômicas.”
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