O PT trabalha desde agosto com um parecer jurídico que aponta nove hipóteses para Lula concorrer a presidente em 2018, mesmo se tiver sido condenado em segunda instância pela Justiça. O estudo foi feito pelo advogado eleitoral Luiz Fernando Pereira, que em junho produziu outra análise que ajudou a evitar a cassação de Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O documento prevê inclusive a substituição de Lula por outro candidato do PT em meados de setembro – no limite de 20 dias antes das eleições, como prevê o TSE – para que o partido não corra o risco de ficar sem candidato com votos válidos.
“Vários exemplos mostram que há rejeição popular à decisão judicial que indefere o registro, em especial de um candidato que esteja à frente nas pesquisas”, diz o advogado, no parecer. Segundo Pereira, esse movimento costuma beneficiar o substituto.
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O parecer explora ao todo dez cenários para a situação de Lula em 2018 – nove em que ele pode ser candidato mesmo condenado e um, o pior deles, ficando inelegível pela Lei da Ficha Limpa, após um tribunal de segunda instância confirmar a sentença do juiz Sergio Moro.
O relatório de Pereira traz como alternativas à eventual condenação de Lula no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) uma série de recursos, tanto no próprio TRF-4 quanto em instâncias superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Acompanha abaixo, na íntegra, todos os cenários elaborados pelo advogado Luiz Fernando Pereira:
Entenda todos os cenários
“A eventual confirmação da condenação pelo TRF geraria uma inelegibilidade por oito anos depois do cumprimento da pena (art. 1º, I, letra “e” da Lei Complementar 64/90). Ou seja: tempo de cumprimento da pena e mais oito anos. Após o trânsito em julgado, ainda há suspensão dos direitos políticos (art. 15 da CF). A sentença impôs também a vedação de ocupar qualquer cargo ou função pública por sete anos, correspondentes ao dobro da pena de prisão pela lavagem de dinheiro (art. 7º, II, da Lei 9.613/98).”
“A Lei de Inelegibilidade fala em decisão condenatória colegiada. No entanto, cabe a interposição de recursos no ambiente do próprio TRF (embargos de declaração, por exemplo). O TSE tem entendido que estes recursos não suspenderiam a inelegibilidade, mas a orientação não é firme. No mínimo o tema autorizaria boa controvérsia no julgamento do registro.Pode ainda o próprio presidente do TRF suspender os efeitos da condenação e mesmo a inelegibilidade (CPC, art. 1.029, §5º, Súmula 635/STF e Resp 26234). Assim, é possível adiar a inelegibilidade no próprio TRF (antes de inaugurar a competência do STJ/STF), antes do STJ ou STF.”
“Se o TRF confirmar e não suspender os efeitos da condenação ou a inelegibilidade, bastará a concessão de uma liminar pelo STJ ou pelo STF (alternativas não excludentes), com fundamento no art. 26-C da Lei 64/90. Se esta liminar ficar vigente até a diplomação, é o que basta para Lula garantir diplomação e depois a posse, em caráter permanente (TSE, ED-RO 29462/2014). O recente movimento do Supremo em voltar a prestigiar a presunção de inocência até o trânsito em julgado pode, reflexamente, repercutir no cabimento da suspensão da inelegibilidade. A discussão no Supremo em torno da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa passou pela ofensa à presunção de inocência, com ótimos votos vencidos. Hoje a composição do STF é outra. De qualquer forma, com este e outros argumentos, Lula ainda teria duas chances: uma no STJ; outra no STF.”
“A regra é que se a confirmação da condenação vier depois do dia 15 de agosto, Lula disputará a eleição e será diplomado. No entanto, o TSE tem entendido que as inelegibilidades supervenientes (depois da data para pedido de registro) poderiam ser alegadas (enxertadas) nas instâncias ordinárias se houver impugnação ao registro em trâmite (REsp nº 8450). Necessário ver se esta jurisprudência se confirma para as impugnações originárias do TSE (registro de candidaturas a presidente). E também saber se haveria impugnação em trâmite, pois ausente causa de inelegibilidade sem o julgamento do TRF. Voltando à regra, o certo é que a inelegibilidade superveniente possa ser alegada apenas em RCED – Recurso contra a expedição de diploma (art. 262, CE). Entretanto, a maioria da doutrina afirma não caber esta espécie de recurso para eleições presidenciais. Para esta doutrina, como é o próprio TSE que diploma o Presidente (art. 215, CE), não haveria, portanto, tribunal competente para julgar o recurso contra esta diplomação. O CE teria excluído o presidente eleito do alcance do RCED.”
“Neste caso, não haveria nenhuma repercussão na inelegibilidade de LULA (Súmula nº 47 do TSE). Ainda que venha entre a eleição e a diplomação.”
“Neste caso haveria impugnação ao registro de Lula. Ocorre que entre a impugnação e o afastamento de Lula da campanha há uma enorme distância. É fácil constatar isso em uma linha do tempo, especialmente em uma campanha de 45 dias, como está no novo calendário eleitoral:
15 de agosto, pedido de registro; 18 de agosto, publicação do edital; 23 de agosto, prazo para impugnação; 24 de agosto, citação; 31 de agosto, prazo para a defesa; 4 de setembro, alegações finais (pode haver eventual produção de prova); 7 de setembro, julgamento; 10 de setembro, oposição de embargos de declaração; 12 de setembro, julgamento dos embargos de declaração; depois recurso ao Supremo.
Se todos os prazos forem rigorosamente cumpridos (o que não é a regra), até o indeferimento do registro, Lula seguiria candidato como se tivesse o registro deferido, com direito a fazer campanha (inclusive com direito ao horário eleitoral). E o importante é que o direito de ser candidato permanece mesmo com o registro indeferido, por conta do art. 16-A da Lei Eleitoral: “O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral (...) e ter seu nome mantido na urna eletrônica (...)”. Com certeza o registro de Lula estará sub judice até o dia da eleição. Até lá, Lula seguirá em campanha e disputará as eleições (nome mantido na urna eletrônica). O TSE já limitou o alcance da expressão sub judice à decisão do próprio TSE (TSE, ED-REsp 13.925, ED-Resp 13925), mas é muito razoável imaginar que, em eleições presidenciais, valha a espera até decisão do STF. No mínimo, Lula teria direito de buscar uma liminar do STF para seguir em campanha (atribuir efeito suspensivo ao RE da decisão do TSE; STF, Pet 6450/2017). De qualquer forma, é muito provável que a decisão do TSE não aconteça antes de meados de setembro (data limite para a substituição – conferir item xi). Até lá, nenhuma dúvida, Lula seguiria candidato com todas as prerrogativas inerentes.”
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“Neste caso, os votos serão contados em separado (TSE, Rep. 23.456; art. 157, § 2º, II, CE). LULA ganharia, mas não seria diplomado. Também não seria diplomado o vice da chapa eleita (Resolução TSE nº 23.456/2015; art. 171 do CE). Seriam convocadas novas eleições no prazo de noventa dias (art. 81 da Constituição Federal). Até lá, o mandato seria exercido pelo Presidente da Câmara. De qualquer forma, como será visto no item subsequente, uma vez eleito, será delicado ao Judiciário (TSE ou STJ/STF) não confirmar o registro (por qualquer das vias aqui indicadas).”
“A regra é que os requisitos para a candidatura sejam verificados no momento do pedido de registro. No entanto, se a inelegibilidade for posteriormente afastada, o registro deve ser deferido (art. 11, § 10 da Lei das Eleições). Com isso, Lula já eleito, ainda poderia afastar a inelegibilidade até a diplomação (TSE, ED-RO nº 29462). Bastaria conseguir uma liminar no STJ ou STF (com fundamento no já citado art. 26-C). Ou mesmo um efeito suspensivo em RE, interposto contra a decisão do TSE. Para insistir, parece evidente que o Judiciário (TSE ou STJ/STF) teria elevado grau de dificuldade de impedir a posse de um presidente eleito. Uma liminar, entre algumas possibilidades, teria razoáveis chances.”
“A partir da posse, incide a imunidade prevista no artigo 86, § 4º da Constituição Federal: o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
“Indeferido o registro (ou a qualquer momento, por renúncia), pode haver a substituição da candidatura. O requisito é que a substituição se dê com 20 dias de antecedência da eleição (art. 13 da Lei Eleitoral). Pela linha do tempo desenhada acima, Lula permaneceria candidato controvertendo o registro até meados de setembro e depois, se o PT quiser evitar o risco de ficar sem candidato com votos válidos, faria a substituição. Vários exemplos mostram que há rejeição popular à decisão judicial que indefere o registro, em especial de um candidato que esteja à frente nas pesquisas. Este movimento costuma beneficiar o substituto, como está em levantamento da Folha de S. Paulo veiculado há três anos.”