Para acabar com a greve dos caminhoneiros e bancar o custo total de R$ 13,5 bilhões das ações que atendem às reivindicações da categoria, o governo adotou uma série de medidas que vão impactar a população. Além de retirar benefícios fiscais de diversos setores produtivos e usar reservas orçamentárias, o governo cortou verbas de programas sociais e políticas públicas. Algumas das áreas afetadas são consideradas essenciais, como saúde, educação, saneamento básico, rodovias e segurança.
As reivindicações dos caminhoneiros vão custar R$ 13,5 bilhões aos cofres públicos. Esse montante será custeado pelo uso de reservas orçamentárias, retirada benefícios fiscais e corte de despesas. Serão R$ 4,01 bilhões vindos da redução ou exclusão de programas de incentivos fiscais a empresas, R$ 8,28 bilhões de reservas orçamentárias e de capitalização de estatais e R$ 1,21 bilhão de corte de despesas, o que atinge programas sociais e políticas públicas.
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Em relação ao corte de despesas, o secretário executivo do Ministério do Planejamento, Gleisson Rubin, afirmou que as verbas já estavam bloqueadas pelo Orçamento. Só que, antes dos decretos que atenderam às reivindicações dos caminhoneiros, essas verbas poderiam ser desbloqueadas e usadas até o fim do ano. Agora, não poderão mais.
“O cancelamento de recursos vai se dar em cima de recursos contingenciados. Dessa forma, perde-se a perspectiva de que os recursos possam voltar a ser utilizados”, afirmou Rubin. O secretário executivo também disse que o cancelamento das despesas afeta todos os órgãos do governo, de forma pulverizada.
Saúde
A área da saúde é uma das afetadas pelo corte de despesas. O Sistema Único de Saúde (SUS) vai deixar de receber R$ 135 milhões neste ano, dinheiro que poderia ser usado para o fortalecimento do sistema.
Entre os programas relacionados ao SUS afetados pelo corte de despesa estão: reestruturação dos serviços ambulatoriais e hospitalares prestados por hospitais universitários federais; operacionalização do Sistema Nacional de Transplantes; manutenção e funcionamento do Farmácia Popular do Brasil, implementação do Mais Médicos; apoio à manutenção de Unidades de Saúde; estruturação de Unidades de Atenção Especializada em Saúde; e pesquisas em novas tecnologias para o SUS.
Educação
Na área de educação, o corte é de R$ 55,1 milhões. O governo cancelou a concessão de bolsas no âmbito do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies). A medida vale para este ano. Esse programa foi criado em 2012 e concede, através de entidades mantenedoras de instituições de ensino superior, bolsas integrais em cursos de graduação presenciais reconhecidos pelo Ministério da Educação.
Rodovias
Parte do dinheiro que poderia ser usado para a construção de rodovias até o fim deste ano também foi contingenciado. O governou cortou R$ 370 milhões em programas do Ministério dos Transportes. Esse valor seria usado em 40 obras de construção e adequação de rodovias em diversas regiões do país.
Algumas das obras afetadas são a construção da ferrovia Transcontinental, entre Sapezal (MT) e Porto Velho (RO), a adequação do trecho que dá acesso ao Parque Nacional do Iguaçu, o entroncamento da BR-116, na altura de Montes Claros (MG), a construção de pontes sobre os rios Juruá (AC) e Perdido (TO) e a construção de contornos rodoviários em Rio Verde (GO), Maringá (PR) e Campo Mourão (PR). Somente no estado do Paraná serão afetadas quatro obras.
Segurança
Até a área de segurança entrou no corte de despesas. Apesar de os caminhoneiros reivindicarem mais segurança nas estradas, o governo cortou R$ 1,5 milhão previsto para o policiamento ostensivo nas rodovias e estradas federais.
Já a Força Nacional de Segurança Pública também vai sofrer um contingenciamento de R$ 1,9 milhão. Até a construção de duas delegacias, uma em Juiz de Fora (MG) e outra em São José do Rio Preto (SP), e a construção do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal no Distrito Federal tiveram a verba cancelada para atender às reivindicações dos caminhoneiros.
Saneamento básico
A área de saneamento básico vai ter um corte de R$ 6,36 milhões. Foram cancelados os recursos previstos para programas de prevenção e controle de doenças, ações de saneamento básico em pequenas comunidades rurais, melhorias de sistemas públicos de manejo de resíduos sólidos em municípios de até 50 mil habitantes e construção e adequação de sistemas de abastecimento de água e redes de coleta de esgoto sanitário em comunidades ribeirinhas.
Área rural
Na área rural, o impacto deve chegar a R$ 42 milhões. Somente o programa de reforma agrária e governança fundiária, que prevê, entre outras coisas, o desenvolvimento de assentamentos rurais, vai ter um contingenciamento de R$ 30,8 milhões. Outras ações como assistência técnica para a agricultura familiar e o produtor rural, implementação da defesa agropecuária e desenvolvimento de pesquisas e inovações para o setor também foram afetados.
Programas sociais
Algumas políticas públicas foram prejudicadas para atender a greve dos caminhoneiros. A Política Nacional de Justiça, a Política Pública sobre Drogas e os programas de proteção e defesa do consumidor, combate ao tráfico de drogas e apoio a pessoas e famílias com problemas com álcool e drogas estão entre os que tiveram corte de verba.
Redução de subsídios
A redução de subsídios pode impactar indiretamente o consumidor. O governo federal, para conseguir levantar R$ 4,01 bilhões, reduziu ou excluiu programas de incentivos fiscais a empresas. Entre os programas que foram encerrados estão o Reiq, que permitia que a indústria química gerasse créditos para abater em outros impostos quando importasse e pagasse PIS/Cofins, e o Reintegra, que devolvia parte dos tributos pagos por exportadores de produtos industrializados. O governo também reduziu o crédito usado pela indústria de refrigerante para abater ou descontar os impostos devidos e tirou de 39 setores o benefício da desoneração da folha de pagamento.
Na prática, os setores afetados terão de pagar mais impostos. E essa conta pode acabar nas mãos do consumidor, já que muitos deles devem repassar o aumento de custo para seus produtos e serviços.
Tabelamento de frete
Outra medida que pode impactar indiretamente o consumidor é o tabelamento do frete. O governo criou na semana passada a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, em que a Agência Nacional de Transportes vai divulgar tabelas com preços mínimos de frete para cada quilômetro rodado. Essa foi uma das principais reivindicações dos caminhoneiros.
A medida também pode impactar indiretamente o consumidor, pois, ao estabelecer um preço mínimo, isso pode encarecer o frete e o custo adicional ser repassado pelas transportadoras às empresas que, consequentemente, podem repassar ao preço do produto. Mas, como a fiscalização da medida ainda é uma incógnita, o tabelamento do frete pode não funcionar na prática – e até criar uma espécie de mercado paralelo.