Sem estatísticas oficiais no Brasil, o assassinato de autoridades políticas, judiciárias ou de candidatos a cargos nos poderes Executivo e Legislativo tem apontado para um fenômeno tratado por especialistas como a “colombização” do país. As suspeitas que recaem sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) reforçariam esta tese.
“O que ocorreu está fora do script da violência do Rio. Se as investigações confirmarem os indícios, significa que inauguramos uma nova modalidade de homicídio, aquele estritamente político”, afirma a pesquisadora Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes e do Observatório da Intervenção no Rio.
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“Isso nos coloca em um novo e desconhecido patamar de violência, que lembra o da Colômbia e do México”, completa. Uma combinação de corrupção das forças de segurança e da presença de grupos armados e de organizações ligadas ao tráfico de drogas levou nosso vizinho latino-americano a dezenas de assassinatos de políticos.
Entre vereadores, prefeitos e parlamentares, foram mortos o ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla (1946-1984) e o presidenciável Luis Carlos Galán (1943-1989). Informações coletadas pelo Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil) com entidades daquele país apontam que 12 candidatos a vereador e suas famílias foram assassinados na última campanha.
E no Brasil?
Nas últimas eleições brasileiras, entre junho e setembro de 2016, 45 políticos brasileiros foram alvo de ataques a tiros. Desses, 28 morreram, 15 em plena campanha. Na época, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, classificou os crimes como “aparentemente” de motivações políticas.
O Rio concentrou cerca de metade desses homicídios. Na Baixada Fluminense, repleta de territórios dominados por milícias e grupos ligados ao narcotráfico, 13 candidatos a vereador foram mortos durante o último pleito.
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No livro “Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência Política na Baixada Fluminense”, o sociólogo José Claudio Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio, investiga a gênese do atual faroeste da região.
A lógica de violência, instaurada pelo deputado Tenório Cavalcanti nos anos 1950, teria sido institucionalizada durante o regime militar, quando grupos formados por policiais civis e militares se voltaram para a execução dos inimigos de seus contratantes. As milícias seriam uma versão contemporânea desses grupos.
Escolta policial
Foram ameaças de morte de supostos grupos milicianos que obrigaram o deputado Marcelo Freixo (PSOL) a andar com escolta policial há seis anos.
Freixo, com quem Marielle trabalhou por dez anos antes de se tornar a quinta vereadora eleita com mais votos na capital fluminense, liderou a CPI das milícias, que, em 2008, levou ao indiciamento de mais de 200 pessoas, entre políticos, policiais militares e civis e bombeiros. O então deputado Natalino José Guimarães e o vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, foram presos por chefiarem milícias no Rio.
O caso Patrícia Acioli
O Rio de Janeiro também foi o cenário de um dos atentados mais emblemáticos das forças policiais corruptas contra o Judiciário. Em 12 de agosto de 2011, a juíza Patrícia Acioli foi morta com 21 tiros na porta de sua casa. Naquele dia, ela havia expedido três mandados de prisão contra os dois PMs, réus em um processo sobre a morte de um morador do Morro do Salgueiro, em São Gonçalo. As investigações levaram à denúncia de 11 PMs. Seis foram condenados pelo assassinato.
Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2013, o mais recente disponível, informou que naquele momento existiam cerca de 200 juízes sob proteção após terem sofrido ameaças de morte. A maioria deles (27) era do Rio de Janeiro.
O assassinato
Marielle Franco, 38 anos, foi morta na noite de quarta-feira (14), junto do motorista Anderson Pedro Gomes, 39 anos, quando voltavam de uma roda de conversa intitulada “Jovens Negras Movendo Estruturas”. O carro em que estavam foi atingido por nove tiros. A polícia trabalha com a hipótese de execução. Uma assessora que estava no banco de trás, Fernanda Chaves, sobreviveu.
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