O juiz Sergio Moro, na sentença em que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão no processo do apartamento tríplex do Guarujá (SP), refutou os cinco principais álibis utilizados pela defesa para tentar provar a inocência dele. Incluindo o argumento que Moro entendeu ser “a aparente tentativa de transferir a responsabilidade” pelo tríplex à ex-primeira-dama Marisa Letícia – que morreu em fevereiro. E também a documentação que os advogados consideravam ser a “prova cabal” da inocência do petista.
Responsabilizar a ex-primeira-dama não é “convincente”
Na argumentação de Lula e de sua defesa, dona Marisa Letícia é apontada como a responsável por assinar os documentos de aquisição dos direitos sobre o apartamento quando o imóvel ainda era da Bancoop (Cooperativa dos Bancários de São Paulo) e não da empreiteira OAS (que viria a adquirir o empreendimento imobiliário posteriormente). Formalmente, a compra nunca foi finalizada, mas Moro entendeu que o tríplex era de Lula e foi recebido como pagamento de propina pela OAS.
O juiz assinala na sentença que, apesar de a documentação do imóvel ter sido assinada por Marisa, “é evidente que se tratava de uma iniciativa comum ao casal, pois a propriedade imobiliária transmite-se ao cônjuge, em regime de comunhão de bens”. Os gastos com as parcelas da aquisição do tríplex, de R$ 179,2 mil, também foram declarados por Lula.
Moro destaca ainda que ficou comprovado que Lula visitou o apartamento, foi consultado pela OAS sobre o projeto de reforma do tríplex e, principalmente, tinha conhecimento de que a propriedade fazia parte de um acerto de corrupção que envolvia contratos com a Petrobras. “Então a aparente tentativa de transferir a responsabilidade à ex-primeira-dama não é convincente”, diz o juiz na sentença.
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A “prova cabal” derrubada
A “prova cabal” da inocência de Lula, apresentada pela defesa de Lula nas alegações finais do processo, também foi rechaçada por Moro.
Os advogados do ex-presidente juntaram no processo documentos que demonstrariam que o apartamento não era da OAS e sim da Caixa Econômica Federal. Basicamente, a defesa argumentou que a OAS hipotecou o tríplex na Caixa como garantia da emissão de títulos ao mercado. E disseram que, desse modo, a empreiteira não poderia dar a Lula algo que não lhe pertencia.
Moro afirmou que o argumento é “insubsistente” (não tem fundamento). Segundo o juiz, a operação financeira realizada pela empreiteira é corriqueira e incluiu todos os imóveis do edifício (e não apenas o apartamento do processo). O juiz diz ainda no despacho que, apesar dessa operação, o tríplex continuava a ser formalmente da OAS, mas que o real dono era Lula.
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Recuperação judicial e contabilidade
O terceiro álibi de Lula é parecido com o segundo. A defesa argumentou que ele não poderia ser o dono do imóvel porque o apartamento consta como um bem arrolado pela OAS Empreendimentos em seu processo de recuperação judicial. Moro argumentou que a discussão da ação da Lava Jato não trata da titularidade formal do apartamento – e sim da ocultação de seu verdadeiro proprietário.
O quarto argumento rechaçado por Moro foi o de que os custos da reforma do tríplex foram lançados pela OAS na contabilidade de despesas do empreendimento e não na conta da propina da Lava Jato.
“Há certa desconexão entre a premissa e as conclusões [da defesa]”, diz o juiz na sentença. “As reformas do apartamento (...) precisavam ser lançadas na contabilidade formal da OAS Empreendimentos (...). O problema reside na realização de tais reformas pela empresa em benefício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, ao invés do ressarcimento, o abatimento do valor correspondente em uma conta geral de propinas, esta fora da contabilidade.”
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Auditorias não inocentam Lula
A defesa também argumentou que auditorias contábeis externas feitas na Petrobras, especialmente as das empresas KPMG e PwC, não identificaram nenhum ato de Lula que pudesse ser qualificado como corrupção. Para os advogados do ex-presidente, isso seria prova de sua inocência.
“O argumento não é minimamente convincente”, diz Moro. “Auditorias são relevantes, mas têm poderes de apuração limitados, não raramente se limitando a análises formais da documentação contábil. Não têm poderes de investigação para descobrir crimes praticados em segredo, como pagamento de propina a agentes públicos em contas secretas no exterior ou com outros estratagemas.”
O juiz diz que os comprovados crimes de corrupção praticados, por exemplo, pelo ex-diretor da Petrobras Renato Duque não deixariam de existir se simplesmente o nome de Lula fosse trocado pelo do ex-executivo nos relatórios das empresas de auditoria.