O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o governo Bolsonaro pretende “meter a faca” nas contribuições obrigatórias das empresas para o Sistema S – que inclui, por exemplo, o Sesi, Senai, Senac, Sebrae. Guedes falou num corte entre 30% e 50% nesses repasses, que somam R$ 17 bilhões em 2018, como parte do plano de desoneração da folha salarial.
Nesta quarta-feira (27), em entrevista ao jornal Valor Econômico, o economista Adolfo Sachsida, escolhido por Guedes para ser o secretário de política econômica, afirmou que o corte no Sistema S vai diminuir o custo da contratação de trabalhadores e que isso ajudará no combate ao desemprego e subemprego. Mas essa “facada” no Sistema S pode mesmo criar empregos? Qual será o impacto dela?
Isoladamente, a desoneração das contribuições ao Sistema S tem baixíssimo – senão nenhum – potencial para aumentar a taxa de emprego. Para que o nível de desemprego caia, será necessário um alívio mais profundo sobre a folha de pagamento das empresas – o que inclui vários outros encargos trabalhistas. E, mesmo que haja um corte generalizado sobre esses encargos, o tamanho da “facada” também é decisivo para que haja melhora no nível de emprego.
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Corte das contribuições ao Sistema S seriam de no máximo 1,25% sobre a folha
As empresas pagam, como contribuição compulsória para o Sistema S, uma alíquota que varia de 0,2% a 2,5% sobre a folha de pagamento – dependendo do setor ao qual elas estão vinculadas. Portanto, no melhor dos cenários para os empresários (corte de 50% da alíquota), a economia seria de 0,1% a 1,25% sobre a folha salarial.
São porcentuais insuficientes para motivar a maioria das empresas a contratar mais trabalhadores. Portanto, para reduzir o desemprego, a desoneração sobre a folha teria de ser muito maior, atingindo outras contribuições obrigatórias – que incluem, por exemplo, INSS, PIS/Pasep, FGTS, Salário-Educação, RAT (contribuição referente ao Risco de Acidente de Trabalho).
O problema é exatamente definir o que se vai cortar. Dependendo do que se considera encargo social, o custo adicional de cada trabalhador para uma empresa, além de sua remuneração mensal, pode variar de 25% a 100% do salário.
Análise: Paulo Guedes quer meter a faca. Mas está levando facadas pelas costas
Uma linha de pesquisadores inclui como encargos trabalhistas a parcela do salário relativa ao descanso semanal remunerado, o terço de férias, o 13.º salário. Por essa abordagem, os encargos sociais no Brasil chegam a ser equivalentes ao próprio salário. Estudo clássico do sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas em relações de trabalho do país, aponta que os encargos sociais representam 102,6% da folha salarial no Brasil (pelo mesmo critério, na Alemanha é de 60%, e nos EUA de 9%).
Já o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) exclui da conta tudo aquilo que é remuneração diretamente recebida pelo trabalhador (incluindo o FGTS). Por meio desse cálculo, os encargos são de 25,1% da remuneração total do empregado.
Estudo do economista José Márcio Camargo, usando metodologia da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostra que os encargos sociais efetivos chegam a 45% da folha de pagamento das empresas.
Desemprego só vai cair se corte de encargos trabalhistas for expressivo
Os professores Mayra Batista Bitencourt (da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e Erly Cardoso Teixeira (Universidade Federal de Viçosa-MG), com base nesses dados, criaram um modelo matemático com seis cenários de possíveis impactos do corte de encargos sociais sobre diversas variáveis econômicas – inclusive no nível de emprego. A pesquisa, publicada em 2008, mostrou claramente que o desemprego só cai de forma consistente quando o corte dos encargos é expressivo – veja a íntegra do estudo.
Além disso, o estudo conclui que a geração de emprego e o aumento da competitividade das empresas brasileiras só é possível num cenário em que o Estado comprometa sua arrecadação com essas contribuições.
Um dos cenários avaliados no estudo tomou como base a redução dos encargos considerando que eles consomem 25,1% do salário. Na primeira simulação, a queda seria de 5,8 pontos porcentuais – ou seja, para 19,3% da folha. A segunda considerou uma redução pela metade (para 12,55%). E, na terceira, os encargos seriam de 9%.
Apenas nesse último caso a taxa de desemprego cairia. Esse também é o único cenário, segundo o estudo, em que a arrecadação do governo ficaria seriamente comprometida. Em nenhuma simulação haveria alteração significativa nos preços cobrados ao consumidor. Por outro lado, nos três casos haveria uma tendência de aumento da competitividade da economia e de investimentos.
A pesquisa de Mayra Batista Bitencourt e Erly Cardoso Teixeira também simulou os mesmos porcentuais de corte considerando que os encargos sociais são de 45% da folha – ou seja, englobando parte do que o Dieese considera remuneração do trabalhador. Nessas simulações, mesmo nos cortes menos expressivos, já há efeitos positivos nos níveis de emprego, competitividade e renda – que crescem à medida que os cortes aumentam. Mas o Estado perde ainda mais arrecadação do que no cenário em que os encargos passíveis de corte estão na faixa de 25,1% da folha.
Equipe econômica estuda acabar com a contribuição patronal para o INSS
As contribuições para o Sistema S não são as únicas que estão na mira de Paulo Guedes. A equipe econômica do governo Bolsonaro também estuda formas de acabar com a contribuição patronal para o INSS, como forma de estimular a criação de emprego. Os estudos para fazer isso, porém, englobam mudanças na cobrança de Imposto de Renda (que poderia ter alíquota única de 20%) ou de recriação de um imposto nos moldes da antiga CPMF. Seriam formas de contornar a perde de arrecadação.
Além disso, uma das promessas de campanha do presidente eleito foi criar a carteira de trabalho verde e amarela – que, diferentemente do modelo atual (azul), flexibilizaria direitos trabalhistas para facilitar a contratação de jovens. Paulo Guedes afirmou, em entrevista à GloboNews, que a nova carteira “não tem encargos trabalhistas”. Não se detalhou na proposta, mas deixou em aberto que contribuições poderiam vir a ser extintas nesse modelo.
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Quais são os principais encargos sociais e suas respectivas alíquotas sobre o salário
As empresas pagam suas contribuições para a entidade do Sistema S à qual estão vinculadas (portanto, não a todas):
- Senai: 1,0% da remuneração
- Sesi: 1,5% da remuneração
- Senac: 1,0% da remuneração
- Sesc: 1,5% da remuneração
- Sebrae: de 0,3% a 0,6% da remuneração
- Senar: de 0,2% a 2,5% da remuneração
- Sest: 1,5% da remuneração
- Senat: 1,0% da remuneração
- Sescoop: 2,5% da remuneração
As alíquotas variam de acordo com o salário de contribuição (R$ 5.645,81 é o teto do INSS) :
- Até R$ 1.692,72: 8% da remuneração
- De R$ 1.692,72 a R$ 2.822,90: 9% da remuneração
- De R$ 2.822,90 até R$ 5.645,81: 11% da remuneração
Alíquota: 0,65% do faturamento mensal da empresa
Alíquota: 8% do salário. Quando o empregado é demitido sem justa causa, a empresa paga ao trabalhador multa de 40% sobre o saldo acumulado pelo trabalhador no período trabalhado e de 10% ao governo.
Alíquota: 2,5% sobre a remuneração
- Empresas com grau de risco de acidente considerado leve: 1% sobre a remuneração
- Empresas com grau de risco de acidente considerado médio: 2% sobre a remuneração
- Empresas com grau de risco de acidente considerado alto: 3% sobre a remuneração
Outros
Há quem defenda que também devem ser considerados como encargos trabalhistas os seguintes itens que compõem a remuneração do empregado com carteira assinada:
- 13.º salário
- Terço de férias
- Parcela do salário referente ao descanso semanal remunerado, às férias e aos feriados
- Aviso prévio